A Grande Israel e o Maschiach Vitorioso

As narrativas vitimistas se esgotaram para Israel. O país agora assume a face arrogante correspondente à ideia do “Messias guerreiro”, até que alguma força maior os submeta.

Atualmente, está ocorrendo em todo o mundo uma mudança fundamental na imagem de Israel e, talvez, entre os próprios judeus. Os judeus europeus, após a catástrofe vivida sob Hitler e durante a Segunda Guerra Mundial, despertaram piedade, compaixão e simpatia. Por isso foi possível a criação do Estado de Israel. O Holocausto, ou Shoah, ou seja, os horrores e perseguições sofridos pelos judeus, tornou-se a base de um consenso geral: após tanto sofrimento, os judeus precisavam criar seu próprio Estado. Isso se converteu no capital moral dos judeus e estabeleceu uma atitude quase sagrada em relação ao Holocausto.

Os filósofos da Escola de Frankfurt proclamaram que, a partir de então, seria necessário pensar a partir de Auschwitz. Isso significava que a filosofia, a política e a moral deveriam levar em conta a magnitude dos crimes cometidos pelos europeus (principalmente pelos alemães) contra os judeus. O Ocidente e, consequentemente, toda a humanidade, deveriam se arrepender.

A imagem dos judeus como vítimas foi a chave. Isso os elevou à categoria de povo sagrado: todas as demais nações foram convidadas a se arrepender perante eles e a nunca esquecer sua culpa. Desde então, qualquer traço de antissemitismo, para não mencionar tentativas de revisar o status sagrado dos judeus ou a metafísica do Holocausto, passou a ser punido por lei.

No entanto, gradualmente, a política de Israel, cada vez mais dura com relação aos palestinos e aos países muçulmanos vizinhos, começou a minar essa imagem, pelo menos aos olhos da população do Oriente Médio, que, vale lembrar, não teve nenhuma ligação com os crimes dos nazistas europeus. Além disso, a postura violenta dos sionistas em relação à população local deu origem a protestos diretos e, em sua forma mais extrema, à Intifada antissionista.

A identidade dos israelenses e dos judeus que permaneceram na diáspora foi mudando aos poucos. Houve um foco crescente na demonstração de força e poder, bem como na aspiração de criar um Grande Israel. Ao mesmo tempo, ideias messiânicas ganharam força: a expectativa pela chegada iminente do Mashiach, o início da construção do Terceiro Templo (que exigiria a destruição do santuário muçulmano da mesquita de Al-Aqsa), a expansão significativa dos territórios controlados por Israel (do mar ao mar) e a “solução final” da questão palestina (com apelos diretos à deportação e ao genocídio dos palestinos). Essas ideias são apoiadas por Benjamin Netanyahu e alguns de seus aliados, como os ministros Ben Gvir e Bezalel Smotrich. Esse programa está explicitamente refletido na “Torá Real” de Yitzhak Shapira e nos sermões dos rabinos Kook, Meir Kahane e Dov Lior. Do ponto de vista estratégico, ele foi descrito em 1980 em um artigo do assessor de Sharon, o general Oded Yinon. O plano de Yinon consistia em derrubar todos os regimes árabes de ideologia nacionalista baasista, mergulhando o mundo árabe em um caos sangrento e criando um Grande Israel.

Agora, após mais de uma década da Primavera Árabe, e especialmente após o ataque terrorista do Hamas contra Israel em outubro de 2023, vemos esses planos se concretizando rapidamente. Netanyahu devastou Gaza, massacrando sem piedade centenas de milhares de civis. Em seguida, atacou o Líbano, eliminando toda a liderança do Hezbollah. Houve também troca de ataques de mísseis com o Irã e preparativos ativos para a guerra contra esse país, incluindo ataques a instalações nucleares. Depois disso, ocorreu a invasão do que restava das Colinas de Golã e ataques contra a Síria. Um mês antes, Bezalel Smotrich proclamou que Damasco faria parte de Israel, e Ben Gvir sugeriu diretamente que Al-Aqsa seria destruída. A queda de Bashar al-Assad representa o fim do último regime baasista. De fato, o mundo árabe está mergulhado no caos. O Grande Israel e o extermínio dos palestinos estão se tornando realidade diante de nossos olhos.

Esse ponto é crucial: os políticos sionistas de direita estão deixando para trás o Holocausto. O capital moral das vítimas está completamente desgastado. Israel agora exibe sua força, sua grandeza e brutalidade atuais, quase como se tivéssemos retornado ao Antigo Testamento. Os judeus não são mais vistos com compaixão, mas com medo, ódio, ressentimento ou admiração. Em qualquer caso, são percebidos como uma força poderosa e implacável.

A identidade dos judeus mudou. Não é mais símbolo de humilhação e sofrimento, mas de dominação e triunfo. Não é mais necessário pensar a partir de Auschwitz. Agora, é necessário pensar a partir de Gaza. A tradição judaica fala de dois Mashiach: o sofredor (Ben Yossef) e o vitorioso (Ben David). Após o Holocausto europeu, o foco estava no Mashiach sofredor, o sacrificado. Agora, essa figura está sendo substituída pelo Mashiach vitorioso, o conquistador, o triunfante. Isso é particularmente evidente em Israel, mas está claro que não ficará restrito a ele. Há uma mudança no arquétipo messiânico entre judeus de todo o mundo.

É nesse contexto que Donald Trump, forte defensor do sionismo de direita e de Netanyahu, assume o poder nos Estados Unidos. Muitos de seus apoiadores são sionistas cristãos, dispostos a oferecer qualquer tipo de apoio a Israel. O capital de compaixão se transforma novamente em capital de agressão. Isso é extremamente grave e promete piorar. No entanto, não devemos nos precipitar em tirar conclusões ou fazer julgamentos. Primeiro, é essencial analisar adequadamente a situação, reunindo uma infinidade de fatos, eventos e incidentes para compor um quadro coerente dos acontecimentos.

Fonte: Geopolitika.ru

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Aleksandr Dugin

Filósofo e cientista político, ex-docente da Universidade Estatal de Moscou, formulador das chamadas Quarta Teoria Política e Teoria do Mundo Multipolar, é um dos principais nomes da escola moderna de geopolítica russa, bem como um dos mais importantes pensadores de nosso tempo.

Artigos: 40

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