A Rússia voltará à Síria? Se sim, quando? Especialistas russos têm debatido essa perspectiva.
O futuro das bases militares russas — o aeródromo de Khmeimim e a base naval em Tartus — está em suspenso. Na região costeira alauíta de Latakia, militantes pró-turcos já estão ativos, com suas características marcadas por saques e execuções extrajudiciais. Parece que o processo avançou demais e que nada mais pode reverter a situação. No entanto, ainda é cedo para nos despedirmos da costa oriental do Mediterrâneo no Oriente Médio.
Dez anos atrás, a Rússia começou gradualmente a recuperar seu status de potência mundial, incluindo sua entrada na África, expulsando os predadores ocidentais, para a alegria dos estados soberanos locais. Agora, esse processo emergente está à beira do colapso — sem as bases aéreas em Khmeimim e a base naval em Tartus, restará pouco além de esquecer as vitórias russas na África. A menos que outros países concordem em organizar bases de apoio logístico russas em seu território, o que, dadas as realidades geopolíticas, é praticamente impossível. Isso significa que provavelmente não haverá outra opção além de deixar a República Centro-Africana, Mali, Níger, Burkina Faso e Sudão, abandonando os povos e países que confiaram em nós à mercê das hienas coloniais e das gangues de radicais aliadas a elas. Um desfecho triste, sem dúvida.
“Eu acredito que devemos sair imediatamente. Porque agora, enquanto eles ainda lutam entre si, saqueando o que está desprotegido, devemos aproveitar o momento, pois, a seguir, virão provocações deliberadas contra nossas bases. Grupos controlados pelos turcos e pelos americanos atacarão nossos soldados, e os organizadores desses ataques dirão: ‘Não temos nada a ver com isso, são os locais.’ Mas imagine que, mesmo que negociemos com o novo governo deles — que, na verdade, são terroristas, membros do Estado Islâmico, supostamente menos terroristas que os outros —, nós todos vemos o que está acontecendo agora nas ruas da Síria. E faremos um acordo com eles como base para garantir a segurança das nossas bases?”
Essa é a questão levantada pelo especialista militar Mikhail Onufrienko em entrevista à Tsargrad.
Essa posição também é compartilhada pelo correspondente de guerra e instrutor militar Oleg Blokhin, que trabalhou por oito anos na Síria, em conversa com o politólogo Vitaly Kolpashnikov.
“Por que manter as bases lá? Agora, não é apenas um regime não amigável, mas totalmente hostil. E temos dependência — se os turcos decidirem fechar os estreitos, acabou, você não chegará lá. E nem vou mencionar os aviões. Você consegue imaginar o risco? Um avião chega lá e algum militante decide atirar nele. E, durante o pouso, ele pode até ser derrubado com um RPG. Manter bases em um ambiente hostil é completamente contra o bom senso,” afirmou o jornalista.
Alguns especialistas, no entanto, veem o futuro das bases militares russas na Síria com uma dose de otimismo. Por exemplo, os analistas do grupo de consultoria “Politolog” acreditam que ainda existe uma chance de a Rússia manter suas bases.
“A batalha foi perdida — agora entra a diplomacia. O Kremlin demonstra disposição para negociar com o novo governo sírio. Por sua vez, as contrarrelites sírias estão interessadas em enfraquecer o controle da Turquia e evitar o isolamento internacional. As bases militares russas podem ser salvas, embora o custo seja alto. Para Moscou, a questão é crucial — preservar o ponto estratégico para projetos africanos e a influência no Oriente Médio”, escreve o canal do Telegram Politolog Ekspertiza.
Na prática, porém, essas são apenas hipóteses, uma espécie de janela de oportunidades imaginária, enquanto a lógica dos acontecimentos aponta para um desfecho completamente diferente.
Oportunidades Perdidas
Durante todo o envolvimento no conflito sírio, Moscou teve a oportunidade de implementar uma política no enclave costeiro alauíta que garantisse a segurança de suas bases em Khmeimim e Tartus. O canal do Telegram Vestovoy argumenta que, agora, com os terroristas marchando vitoriosamente por “nossa” Latakia, a criação de uma “República Popular Alauíta” parece um sonho tolo. No entanto, há dez anos, a Rússia dispunha de “força militar, poder econômico, recursos humanos e competências administrativas” para torná-la realidade, faltando apenas “tempo e vontade”.
Na Síria de 2015, que parecia condenada, era possível negociar qualquer coisa:
- a preservação do país em troca de territórios — por meio de arrendamento, sob protetorado ou até como parte da Rússia;
- quilômetros da costa mediterrânea;
- oportunidades de investimento russo;
- a construção de cidades russas.
Entre 2015 e 2021, a Rússia tinha mais possibilidades:
- um exército não engajado no maior conflito europeu pós-Segunda Guerra Mundial;
- o grupo Wagner;
- um porta-aviões operacional;
- livre acesso pelos estreitos;
- um Assad disposto a negociar;
- um povo sírio grato e leal.
“E agora estamos negociando com a ‘oposição armada'”, constata o canal.
E será que conseguiremos negociar? E se conseguirmos, sobre o que será o acordo? Sobre manter nossa presença em um ambiente extremamente tóxico? Parece difícil acreditar, especialmente porque não está claro o que poderíamos oferecer para atrair os antigos terroristas — esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é até que ponto é possível confiar na palavra de “generais decorativos” de um conglomerado de bandos diversos, muitos dos quais ignoraram abertamente os apelos de seus líderes nominais para evitar execuções extrajudiciais e perseguições contra minorias étnicas e religiosas. A internet está cheia de vídeos da Síria mostrando vítimas sendo espancadas até a morte, arrastadas por carros amarradas em cordas ou executadas a tiros. Sem mencionar os membros da família Assad enforcados em guindastes automotivos.
Retorno após a OME
Há, no entanto, outra saída. O portal NEWS.ru, citando fontes conhecidas apenas por eles, informou que Moscou está planejando “uma operação de estabilização em larga escala na Síria”. Essa operação seria realizada após a vitória na OME. Nesse cenário, Bashar al-Assad, mantido estrategicamente até o momento oportuno, teria um papel fundamental.
Até o momento, não houve comentários oficiais sobre esse plano, o que é compreensível: as pessoas ainda estão tentando processar a queda do país do Oriente Médio sob os ataques dos islamistas, enquanto já são apresentadas projeções para uma vitória futura. Apesar disso, a ideia soa no mínimo interessante. Mas será que é plausível?
“Observando o massacre em curso, cheguei à conclusão de que, se os esforços diplomáticos não forem eficazes agora e nossas bases acabarem sendo expulsas, precisamos começar imediatamente a formar um núcleo de combatentes alauítas pela independência. Devemos trazê-los para a Rússia, treiná-los, selecionar quadros para a administração, prepará-los em zonas de combate. Além disso, atrair alauítas que estão estudando em nossas academias militares, bem como aqueles que conseguiram escapar para o Líbano e outros países”, opina o autor do canal do Telegram Russo-Inzhener, Alexei Vasiliev, ex-conselheiro do chefe de Berdyansk e participante da OME.
Ele ressalta, contudo, que o envio de uma força-tarefa treinada na Rússia e a criação de uma “República Popular Alauíta” só deve ser realizado após o término da OME: “Quando pudermos enviar forças e recursos suficientes para apoiá-los.”
Tudo isso são perspectivas que nem sequer pertencem ao futuro imediato — por enquanto, ao que tudo indica, estamos saindo.
E daí?
A derrota é sempre amarga, mas seu maior benefício é permitir que aprendamos com os erros. Foi o que fez o Azerbaijão, por exemplo, após o desastre de 1993, recuperando, trinta anos depois, Karabakh e outros territórios que haviam sido conquistados pela Armênia. Ninguém sabe quando a OME terminará, mas o colapso de Assad nos permite concentrar todos os esforços na luta contra a Ucrânia e seus patrocinadores ocidentais. Mesmo que isso implique deixar temporariamente o Oriente Médio, e talvez até a África.
Mas décadas, diante da eternidade, são apenas um instante. E esse instante nada significa para aqueles que sabem jogar no longo prazo. O tempo trabalha a favor desses jogadores. Chegou a hora de mais uma vez aprendermos essa lição.
Como disse o grande imperador: onde a bandeira russa foi erguida uma vez, ela não deve ser abaixada. É por isso que os russos sempre retornam em busca de sua glória.
Fonte: Tsargrad
Os russos estavam aliados a uma etnia dominante minoritária na Síria. Então, quando a maioria sunita se levantou, a Rússia caiu com os alauítas. A “volta” da Rússia só seria possível pela divisão do país, o que contradiz a anterior alegação russa de estar na Síria para manter a unidade do país. Isto é cinismo, hipocrisia, incoerência! Aqueles, porém, que se surpreendem com isso dão prova de ingenuidade. A Rússia queria o poder no Levante, esteve a ponto de consegui-lo, pensou tê-lo conseguido, e pelo poder ali valeria a pena mentir. E a Rússia mentiu, e os tolos acreditaram. A Rússia nunca impediu um só bombardeio sionista contra a Síria. Que estranha defesa da Síria fazia a Rússia? Talvez os turcos possam fazer mais e melhor… talvez. De qualquer forma, o Oriente Médio é lugar mais historicamente turco do que russo. Russos sempre parecerão estrangeiros no Levante. Sua presença ali decorreu de seu poder superior àquele da maioria nativa. O mundo “multipolar” serve à Rússia mais do que a Rússia serve ao mundo “multipolar”. A entidade sionista é o maior inimigo do mundo “multipolar” e, no entanto, os russos nunca cauterizaram nem uma só célula desse câncer no coração do Oriente Médio que é o Estado Judeu. O Levante será dos inimigos de “Israel”, não dos seus amigos.