A ofensiva dos terroristas na Síria foi uma tentativa de abrir uma nova frente de guerra contra a Rússia, que culminou, de fato, em uma derrota estratégica das potências multipolares. Agora, na Rússia, a excessiva leniência de Moscou em relação a Ancara começa a ser duramente questionada.
Tudo o que está acontecendo agora ao redor de uma das cidades mais antigas do mundo — a síria Alepo — apesar de sua especificidade local, lembra o conflito na Ucrânia. Sobretudo pelos símbolos, que nem sequer estão codificados. Além disso, a situação já revela para Moscou um cenário claro sobre como não encerrar a Operação Militar Especial (OME).
Islamistas imitam as Forças Armadas da Ucrânia
A “contraofensiva” dos militantes pró-turcos, que pareciam derrotados desde 2020, mas escaparam da aniquilação total graças à entrada das tropas turcas em Idlib, foi rápida. E, infelizmente, pegou completamente desprevenidos tanto o Exército Árabe Sírio (EAS) quanto os especialistas militares russos que colaboram com ele.
“Às vésperas do encontro entre Bashar al-Assad e Vladimir Putin, terroristas pró-turcos da organização ‘Hayat Tahrir al-Sham’ (HTS) lançaram uma ofensiva em larga escala e, neste exato momento, tentam consolidar posições em Alepo. A situação é extremamente grave, com tendência a piorar… Damasco está transferindo reforços ativamente. Fontes pró-turcas relatam que unidades avançadas do HTS já entraram no perímetro urbano de Alepo. A participação de oficiais turcos não está sendo escondida. No céu, há drones Bayraktar” — escreve o correspondente de guerra Yuri Kotyonok.
À primeira vista, o que acontece agora no norte da Síria e o que ocorre no leste da Ucrânia parecem não ter relação alguma. Lá há desertos, aqui há terras férteis; lá turcos e árabes lutam entre si, aqui são eslavos. No entanto, existe um ponto em comum entre os conflitos: ambos são direcionados contra a Rússia.
Por isso, alguns sinais externos são claramente perceptíveis. Por exemplo, oito anos atrás, os militantes do mesmo HTS pareciam uma gangue armada heterogênea e desorganizada. Agora, junto com aliados como a “Divisão Hamza” e “Suleiman Shah”, eles se apresentam como um exército plenamente equipado. Vestem uniformes camuflados ocidentais e, atenção, usam braçadeiras amarelas — assim como seus “colegas” ucranianos.
Para islamistas como os do “Hayat Tahrir al-Sham” (também conhecido como “Batalhão do Monoteísmo e Jihad”), seria mais natural usar braçadeiras pretas ou brancas, correspondentes às cores das bandeiras jihadistas, ou, no limite, verdes — a cor do wahhabismo saudita. Mas não: os militantes que agora avançam na Síria optaram por braçadeiras amarelas, que, somadas aos uniformes camuflados, os fazem parecer dolorosamente similares aos soldados das Forças Armadas da Ucrânia. Acaso? Em situações como esta, não existem acasos.
Assim como nos primeiros dias da Operação Militar Especial (OME), quando a internet foi inundada por vídeos mostrando corpos de soldados russos mortos e prisioneiros de guerra sendo torturados e humilhados por combatentes das Forças Armadas da Ucrânia (FAU), literalmente nas primeiras horas da ofensiva contra Alepo vimos islamistas pressionando militares russos capturados, pisoteando os corpos de nossos combatentes mortos. Além disso, eles circulam em tanques T-90 capturados, anteriormente fornecidos pela Rússia ao Exército Árabe Sírio (EAS), nos quais, vejam só, pintaram “por coincidência” listras brancas, idênticas às vistas nos veículos blindados das FAU durante a operação “ATO” contra as repúblicas do Donbass.
Outro episódio emblemático: jornalistas turcos estão acompanhando o avanço das tropas. E, a julgar pelo otimismo demonstrado, sua missão é gravar reportagens de vitória. Mas será apenas isso? Essas pessoas estão apenas realizando o trabalho de repórteres? Pelos vídeos e fotos amplamente divulgados, parece que eles também atuam como comissários políticos. E o que estão ensinando aos militantes de Idlib?
“Expulsem os russos da Síria!”
— é o que dizem aos combatentes armados até os dentes.
Uma nova facada de um velho amigo
Na prática, isso significa que um segundo front contra a Rússia foi aberto pelas mãos de proxies turcos. E não há motivo para questionar quem está por trás disso — a resposta é óbvia. Entre os antigos bandidos, agora transformados em algo que lembra um exército, é possível identificar profissionais que escondem seus rostos e agem com alta competência — são especialistas turcos.
É uma situação familiar: de maneira similar, nós mesmos agimos ao inserir nossos especialistas militares entre as milícias do Donbass — ex-taxistas, mineradores e programadores — para enfrentar as forças punitivas de Kiev.
Além disso, os que avançam sobre Alepo agora contam com um grande número de jipes blindados e diversos equipamentos militares, como sistemas de artilharia autopropulsados, veículos blindados e tanques. É evidente que esse arsenal não se materializou do nada, e a movimentação desse “metal de combate” em direção aos militantes não passou despercebida.
E, claro, os “Bayraktars” e outros drones apoiando o ataque dos islamistas turcos — ao que parece, eles têm isso de sobra. Assim como operadores treinados, que claramente não aprenderam por meio de videoaulas no YouTube.
“O ataque de hoje dos militantes tem o apoio dos turcos. As negociações há muito estão num impasse, e Ancara sentiu que suas propostas (mesmo as mais racionais) basicamente não estão sendo consideradas. O poderoso vizinho do norte se sentiu ofendido e ativou seus proxies. O resultado, podemos observar nos mapas”, — afirma o correspondente de guerra Alexander Kharchenko, atualmente na Síria.
Por sua vez, a plataforma bielorrussa “Bel VPO”, citando uma fonte libanesa, informou que a Ucrânia desempenhou um papel ativo na criação das unidades de drones dentro das fileiras do HTS e seus aliados. O que não surpreende — a Turquia nunca escondeu seu apoio a Kiev na oposição contra Moscou, assim como o fornecimento de armamentos a este. Tampouco esconde suas próprias reivindicações sobre a Crimeia e sobre os territórios da Ásia Central e do Cáucaso pós-soviéticos.
Mas, em nível oficial, preferimos não perceber isso, continuando a declarar que a nova versão do sultão — Erdogan — é um parceiro respeitável, um amigo e quase um irmão, numa constante prontidão masoquista para expor as costas a mais uma facada turca. E esta facada está sendo cravada exatamente agora. E, no momento, nada parece ser capaz de impedi-la.
“Pode-se concluir que os militantes se prepararam para uma nova rodada da guerra, enquanto o Exército Sírio e o agrupamento de forças russas na RAS estavam confortavelmente imersos na ideia de um ‘permanente estado de paz'”, — comentou Mikhail Zvinchuk, autor do canal de Telegram “Rybar”.
Isso significa que a Rússia continua sua atividade favorita — pisar no mesmo ancinho repetidas vezes. Esqueceram como, ao longo de oito anos dos Acordos de Minsk, deixaram-se tranquilizar por promessas bem-intencionadas de parceiros respeitáveis, até o ponto em que eles transformaram as Forças Armadas da Ucrânia, de uma turma desorganizada pós-Maidan, em uma força de combate formidável. Avançar contra tal força sem as devidas ações de inteligência, comunicação entre unidades, apoio de drones e ainda com um contingente limitado não deu certo. O resultado — perdas e surpresas desagradáveis, que mais tarde se traduziram em “gestos de boa vontade” e “reagrupamentos”.
Um país de lições difíceis não aprendidas
Voltando à situação na Síria, é necessário constatar: não temos mais o “Wagner”, pelo menos não na mesma forma em que ele existia antes. Decidimos que destruir uma unidade de combate, cujo nome fazia tremer os inimigos da Rússia em todo o mundo, era muito mais conveniente do que incomodar novamente os corruptos em Moscou.
E justamente agora, a experiência do grupo, que demonstrou seu valor nos desertos sírios, seria extremamente útil — certamente, o HTS* e outros grupos armados não se sentiriam tão à vontade nos arredores de Aleppo. Também não temos na Síria o general de combate Popov, enviado ao Oriente Médio após mais uma rodada de intrigas nos bastidores, mas que foi detido, preso preventivamente e depois colocado em prisão domiciliar na Rússia sob acusações forjadas. A experiência do comandante, que frustrou a “contraofensiva” das Forças Armadas Ucranianas, seria muito bem-vinda. Mas…
Outro ponto interessante é que nas fileiras dos militantes pró-turcos há um número significativo de pessoas vindas do Uzbequistão e do Tajiquistão.
“A principal força de ataque dos islamistas que atacaram as tropas governamentais de Assad na Síria e nossos soldados são ‘valiosos especialistas estrangeiros’ recrutados na Ásia Central. E quantos desses militantes adormecidos andam entre os migrantes na Rússia? Na Operação Militar Especial, eles não se deixam atrair por um passaporte russo ou dinheiro, mas para lutar na Síria contra nossos aliados, eles vão aos milhares de graça. Por um chamado do coração”, — escreve o blogueiro Roman Antonovsky.
De fato, em seus países de origem, por participarem do jihad fora de suas fronteiras, esses militantes enfrentam punições simbólicas, seguidas de “reabilitação” para a vida civil. Depois disso, nada os impede de se mudar para a Rússia — não há barreiras significativas para isso.
Nossa população, aterrorizada pelos crimes cometidos por pessoas da Ásia Central e do Cáucaso, quase em uníssono exige a introdução de um regime de vistos para eles, enquanto as autoridades, com uma teimosia inflexível no estilo de Zatulin, respondem: isso nunca acontecerá! Afinal, parece que “Krokus” ainda é insuficiente.
Mais importante é que os antigos membros do PCUS, agora senhores soberanos, continuem vindo a Moscou no Dia da Vitória, exibindo lealdade e prometendo não colaborar com a OTAN e o Ocidente. Embora colaborem claramente. No próprio Tajiquistão, já está em pleno andamento a preparação para a abertura de um laboratório biológico militar dos EUA.
A situação é grave. E, em grande parte, somos culpados por ela. Mas há um lado positivo — o que está acontecendo agora em Aleppo demonstra claramente como não se deve terminar o conflito na Ucrânia.
“Isso mostra o que acontece quando os problemas que causaram a guerra não são resolvidos. A guerra volta. Esta é uma lição para a Ucrânia: é necessário eliminar a causa da guerra — o regime terrorista e russofóbico. Se isso não for feito, uma nova guerra na Ucrânia será inevitável. Congelar o conflito é um caminho para um beco sem saída”, — escreve o cientista político Sergey Markov.
E daí?
O que se espera agora é que aprendamos a ser honestos conosco mesmos. E que paremos de chamar de amigo e aliado alguém que abriu um segundo front contra nós, só porque permite que nosso gás passe pelo seu território. E também parar de iludir nossa população feminina, em um cenário de declínio demográfico total, com filmes sobre os sultões de seus corações e o não competitivo Vanek, o Tolo.
Quanto ao “amigo Erdogan”, não faria mal algum se finalmente déssemos um fim à peregrinação em massa de russos a resorts estrangeiros à beira-mar e parássemos de usar camisetas vermelhas com símbolos estrangeiros, sob os quais nossos soldados russos são mortos.
Fonte: Tsargrad