A ignição de uma nova fase na Guerra Síria em simultaneidade com o cessar-fogo no Líbano não é apenas coincidência.
Incapaz de alcançar seus objetivos no Líbano, sem nem mesmo conquistar qualquer cidade do sul do país e perdendo 60 Merkavas em 1 mês, Israel foi forçada a aceitar um cessar-fogo com o Hezbollah.
A derrota israelense foi maior que a de 2006, o que é empiricamente verificável pela distância alcançada por suas forças terrestres no interior do Líbano, muito maior há 18 anos. Ademais, os termos do cessar-fogo em relação ao Hezbollah são ainda mais leves do que em 2006, sem pressuposição de desarmamento ou qualquer coisa do tipo.
Mas ao dizermos que o Hezbollah derrotou Israel estamos nos referindo aqui a uma vitória tática. O Hezbollah sofreu danos relevantes em sua hierarquia, ainda que não em sua base ou sua logística, e Israel foi impedida de alcançar seus objetivos e sofreu um atrito acima do esperado.
Como não estamos falando, porém, de um resultado definitivo, é autoevidente que o cessar-fogo é conveniente também para Israel.
Segundo as declarações oficiais israelenses eles se concentrariam no Irã, que prepara a sua Operação Promessa Verdadeira 3, com uma série de indícios de que ela consistirá em um ataque ainda maior que o ataque anterior. Com o impasse em Gaza e as operações custosas no Líbano seria complicado se preparar para uma escalada com o Irã.
Não obstante, a duração desse cessar-fogo é duvidosa já que Israel não cumpriu a sua parte no acordo e ainda não se retirou definitivamente do sul do Líbano, além de haver algumas escaramuças e outros incidentes na fronteira.
Ficamos sabendo, porém, do sentido real do cessar-fogo 1 dia depois.
Enquanto libaneses voltavam para suas casas no sul do país, terroristas salafistas do Tahrir al-Sham iniciaram uma operação na direção de Aleppo, na Síria.
Os terroristas do Tahrir al-Sham representam uma formação militar salafista financiada e armada pela Turquia como proxy para a ocupação militar do noroeste da Síria. Eles também recebem um apoio secundário do Catar, especialmente no âmbito da guerra informacional.
A história do Tahrir al-Sham é complexa, mas pode ser resumida a uma sucessão da Frente Al-Nusra, que era o braço oficial da Al-Qaeda na Síria, com uma relação de colaboração ocasional com o ISIS na região.
O Tahrir al-Sham, porém, apesar de decapitar crianças e praticar atrocidades de todo tipo contra cristãos e xiitas, é enquadrado pelo Ocidente, hoje, como ligado à “oposição moderada”, mesmo enquanto ainda é categorizado como terrorista pelos EUA. Desnecessário dizer, historicamente, o Tahrir al-Sham está entre as formações terroristas que receberam suporte e abastecimento direto e indireto dos EUA, além de receber há anos apoio logístico de Israel.
O ataque do Tahrir al-Sham na direção de Aleppo, que pegou o Exército Árabe Sírio despreparado – mas já é contraposto pela aviação russa e pelas Forças Tigre, enquanto as unidades regulares sírias se reorganizam e recebem reforços do Hezbollah e das milícias iraquianas – foi acompanhado pela detonação de alguns equipamentos eletrônicos dos militares sírios, confirmando a colaboração de longa data entre Israel e os grupos salafistas que atuam na Síria.
Também é necessário, para entender o contexto desse ataque, recordar que os curdos apoiados pelos EUA desativaram os presídios nos quais haviam trancado milhares de membros do ISIS e os libertaram há poucos meses. Enquanto isso, fala-se em investidas de outros grupos terroristas em outras partes da Síria.
Estamos falando aqui, claramente, de uma coordenação EUA-Israel-Turquia contra a Síria, em um contexto muito específico.
A operação contra a Síria é ativada precisamente em linha com o cessar-fogo no Líbano para impedir que a Síria rearme e reabasteça o Hezbollah, como havia intenção de fazer. Simultaneamente, se mantém o desgaste do Hezbollah através de um proxy, já que apesar do Hezbollah já ter forças na Síria separadas para isso, essas forças provavelmente receberão reforços libaneses.
Em um nível superior, apesar de suas sequências de fracassos, Erdogan ainda não desistiu de seu projeto neo-otomanista e crê poder se apegar ao poder alcançando um resultado positivo na Síria.
E em um patamar ainda mais alto da geopolítica, já é a posta em prática do projeto de eliminação dos aliados da Rússia no Rimland, que será o objetivo principal imediato caso o Ocidente consiga um cessar-fogo na Ucrânia. O Ocidente, então, iniciará ações para derrotar ou subverter também a Geórgia, o Iraque, o Irã e o Afeganistão, além de aumentar a pressão sobre países ambíguos como o Paquistão e a Índia.
Tudo o que está acontecendo está conectado em uma grande estratégia geopolítica na qual o Ocidente parece tentar se adaptar ao Eixo da Resistência, saindo da defensiva.
A solução para essa estratégia é abandonar noções estapafúrdias de “cessar-fogo” e “congelamento do conflito” para começar a travar guerras totais até a aniquilação do inimigo. É necessário vencer os conflitos, em vez de gerenciá-los.