A pretensão de tratar o atentado a bomba em Brasília como uma questão política ligada ao bolsonarismo em geral pode levar, na verdade, à escalada da violência.
O neopentecostalismo representa a semente espiritual de uma potencial ameaça terrorista no Brasil, cuja primeira manifestação mais óbvia é o narcoterrorismo do Complexo de Israel.
Mas mesmo fora do narcotráfico o neopentecostalismo pode servir de adubo para outras ameaças semelhantes, especialmente se a tendência de enfraquecimento seletivo do Estado enquanto promotor de serviços e de segurança (a chamada “anarcotirania”) se confirmar e lideranças comunitárias neopentecostais acabarem tendo que desempenhar o papel estatal em suas regiões.
No Complexo de Israel temos todos os elementos típicos do sectarismo armado que descamba para o terrorismo: um Estado fraco, ausente e secular, o qual permite que chefaturas armadas se apossem de um território e cumpram o seu papel; com as chefaturas em questão sendo imbuídas de um forte sectarismo religioso muito semelhante ao “takfirismo” islâmico que deu origem ao salafismo e ao wahhabismo.
E nessas condições, como eu já expliquei alhures, é necessário tratar essa crise de segurança efetivamente como uma situação de “exceção” que exige a aplicação do “Direito Penal do Inimigo”.
Mas seria um erro pretender voltar os olhos para o bolsonarismo sob a mesma ótica do “Direito Penal do Inimigo”, à luz do atentado terrorista que um homem tentou executar em Brasília, perto do STF.
Em primeiro lugar, porque o bolsonarismo é a ideologia de amplas massas nacionais – inclusive com uma maior capacidade de mobilização popular do que o lulismo hoje. Não é, aí, um fenômeno marginal, local, minoritário, que possa ser abordado nos termos de uma inimizade política.
Nesse sentido, a noção de que diante de atos de violência de um bolsonarista seria oportuno, conveniente e razoável pensar o bolsonarismo em termos de “inimigo” e lançar sobre ele, de forma indiscriminada, o aparato de repressão do Estado constitui uma loucura.
Mao Tsé-Tung entendia o valor da “inimizade” e da guerra permanente contra algum “inimigo”, de modo que de tempos em tempos ele declarava que um determinado grupo ou setor era um “inimigo” e lançava o Estado e o povo contra ele. Mas ele sempre cuidou de garantir que o “inimigo” fosse sempre uma força minoritária, dos usuários de drogas a alguma classe decadente.
Não há nem mesmo que se falar, aqui, de “separar os bolsonaristas normais dos bolsonaristas radicais”, porque praticamente todas as crenças bolsonaristas – especialmente no que concerne os costumes – são passíveis de ser lidas como “radicais” por autoridades educadas na cartilha da ONU. Não existe aí como fazer a distinção.
A consequência inevitável, portanto, de lançar de métodos excepcionais para lidar com o bolsonarismo como “inimigo” político-jurídico, colocando-o como risco de segurança e potencial ninho de terrorismo será uma guerra civil.
Aliás, a atual atmosfera de ódio contra o STF se deve, em grande medida, à sua postura excepcionalista e supralegal assumida “em defesa da democracia”, inclusive com decisões que transparecem, de forma evidente aos olhos de todos, um desejo de vingança no que concerne os vândalos do 8 de janeiro.
É irrelevante se existe subsídio legal para julgar quem defecou na mesa do Moraes como terrorista e tascar 20 anos de prisão nela. Todo mundo sabe que as pessoas em questão não são terroristas e que a letra da lei é livremente torcida, comprimida ou esticada para alcançar o resultado desejado desde o início.
A noção de que esse problema específico poderá ser resolvido simplesmente com mais repressão, mais perseguição e com mais demonização parece uma “embriaguez do poder” que só tem como, dialeticamente, radicalizar cada vez mais a polarização política brasileira.