As eleições nos EUA novamente se amoldam aos princípios básicos da geopolítica, como pode-se perceber a partir da geografia dos votos.
A ciência geopolítica, ao longo de sua história acadêmica, desenvolveu também algumas áreas específicas de atuação que se afastam bastante do campo das “relações internacionais”. Uma dessas aplicações é a da “geopolítica interior”, ou seja, a correlação entre paisagens e acidentes geográficos e os fluxos históricos, as instituições políticas e as características psicoculturais dos povos. E uma área de aplicação ainda mais específica é a da influência da geografia sobre o fenômeno eleitoral.
E em quase toda eleição relevante eu faço uma breve análise geoeleitoral dos resultados, e quem acompanha essas análises já percebeu alguns padrões relevantes. Não foi diferente nas eleições dos EUA em 2024.
Ao contrário, as eleições dos EUA desse ano confirmam a já tradicional aplicação dos princípios básicos da geopolítico à análise eleitoral.
E uma vez mais, a correlação mais evidente que encontramos nas eleições dos EUA é aquela que opõe Terra e Mar, telurocracia e talassocracia. Existe uma “Deep America”, telúrica, ctônica, rural, interiorana, que votou em Trump, contra as regiões costeiras, litorâneas, marítimas dos EUA, que preferiram Kamala Harris.
A oposição Terra e Mar na geopolítica, evidentemente, não é simplória, tampouco literalista, porque a talassocracia expressa um “tipo” que poderíamos inclusive chamar de “noético” que pode encarnar inclusive em nações sem tradição naval; tal como mesmo os países com tradição naval podem acabar se revelando telurocracias.
E isso porque telurocracia e talassocracia representam oposições de Weltanschauung que colocam, em lados opostos, anexação e colonização, militarismo e comércio, verticalidade e horizontalidade, autocracia e democracia, decisionismo e legalismo, sagrado e profano, masculino e feminino; Roma e Cartago, Esparta e Atenas, Espanha e Holanda, Rússia e EUA.
É por isso que a divisão geoeleitoral nos EUA não é casual, nem coincidência. Na medida em que, simbolicamente e psicologicamente, os estadunidenses percebem Trump e Harris como encarnações políticas de determinados arquétipos e princípios, eles se posicionam de forma correspondente, e o resultado é esse.
A “metrópole” não representa uma exceção desse princípio, mas uma continuidade. Como se percebeu, em quase todos os estados, a capital tendeu a votar mais em Kamala Harris do que no resto do mesmo estado. E isso porque a metrópole é sempre uma “ilha” talassocrática no “mar” telúrico das pradarias, planícies e vales.
Nas reflexões geossimbólicas sobre os elementos, Dugin vê o “ar” como extensão da “água”, e a “aerocracia” como uma forma atualizada da talassocracia. Os aeroportos e mesmo as conexões virtuais fazem as vezes dos portos navais (em seu papel de via de difusão das ideias liberais e progressistas), e as metrópoles, usualmente, são mais semelhantes umas às outras do que cada uma delas às cidades pequenas da própria região.
Sem surpresa, portanto, Kamala Harris foi apoiada pelos estadunidenses da Costa Leste, da Costa Oeste, e das metrópoles dos EUA, enquanto Donald Trump foi apoiado pelo Heartland, o chamado “flyover country”.
O motivo pelo qual alguns estados costeiros como a Flórida votaram mais em Trump é porque a população latina, que é por natureza mais telúrica, representa um contrapeso às tendências mais progressistas que se expressam, com força nessas regiões e são evidentes mesmo lá, nas maiores cidades.
O Rust Belt, que é sempre importante, e que é a região do “proletariado branco”, ficou dividido porque Biden fez todo um esforço para apelar e construir laços com os habitantes dessa região, mas não conseguiu realmente reaquecer a economia para desfazer a desindustrialização nessa região, enquanto é nesse sentido que as promessas de Donald Trump vão.
Alguns outros aspectos interessantes nesse tipo de visão é aquilo que representa o apoio massivo dos índios, por exemplo, ou dos amish, os quais representam minorias etnoculturais e religiosas mais tradicionalistas e com preocupações autonomistas com um forte vínculo com a terra.
Se em outras ocasiões, as mulheres brancas votaram nos democratas, nessas eleições houve uma reunificação do voto branco (homens e mulheres) ao redor de Donald Trump, em uma restauração que se deve ao apelo trumpista a uma nostalgia por um “sonho perdido” que apela ao inconsciente branco norte-americano.
São, finalmente, portanto, os setores mais cosmopolitas, desenraizados, nomádicos, urbanitas, sobressocializados e sobreintelectualizados que preferiram Kamala Harris.