Ato Hostil: Quem não quer levar “povos corajosos e revolucionários” para os BRICS?

O geopolitólogo Leonid Savin oferece uma leitura sobre o comportamento subimperialista assumido pelo Brasil na América Ibérica.

A decisão do Brasil de vetar a adesão da Venezuela aos BRICS, anunciada na cúpula dessa organização em Kazan, causou surpresa em muitos observadores. O Ministério das Relações Exteriores da República Bolivariana chamou esse gesto de “ato hostil, que se soma à política criminosa das sanções impostas ao valente e revolucionário povo”. Em 30 de outubro, a Venezuela retirou seu embaixador no Brasil, Manuel Vedele, para consultas, devido à crise provocada tanto pelo veto quanto pelas dúvidas dos países vizinhos sobre a legalidade da reeleição do presidente Nicolás Maduro. Em resposta, o encarregado de negócios do Brasil foi convocado ao Ministério das Relações Exteriores da Venezuela.

No dia anterior, 29 de outubro, durante um discurso no parlamento brasileiro, o principal conselheiro do presidente e ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, insistiu que seu país não reconhecia a vitória de Maduro devido à “falta de transparência” nas eleições. O conselheiro, que foi observador nas eleições presidenciais na Venezuela em 28 de julho, explicou que a resistência em ver o país nos BRICS era uma resposta ao fato de a Venezuela ter minado a confiança em si mesma durante as eleições.

O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Ivan Gil, respondeu afirmando que Amorim se comportava “como um enviado do imperialismo americano”, o que o levou a fazer “julgamentos sobre processos que dizem respeito apenas aos venezuelanos e suas instituições democráticas”.

Em seu pronunciamento, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, acusou Amorim de repetir mecanicamente as falas do conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan. Rodríguez também afirmou que buscaria declarar Amorim persona non grata.

Quais seriam, então, as verdadeiras razões para essa decisão do Brasil?

A princípio, ambos os países têm governos de esquerda, mas entre os 13 novos países parceiros dos BRICS, encontra-se a Turquia, que faz parte da aliança da OTAN.

O filósofo argentino Atilio Borón aponta duas principais razões para o conflito. Primeiro, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil tem uma “autonomia relativa” e pode tomar decisões independentemente do presidente. Isso permite que atue de forma alinhada com a política externa dos Estados Unidos e até mesmo a apoie, se não diretamente. Isso resulta no fenômeno do subimperialismo, onde o Brasil serve aos interesses da hegemonia de Washington e age como um fator de contenção à manifestação de políticas independentes dos países da região. Em troca, os Estados Unidos oferecem ao Brasil algumas cotas em organizações internacionais.

Em segundo lugar, Brasil e Venezuela já tiveram divergências históricas em várias questões, e as relações foram normalizadas em termos internacionais somente em 2005, após a falha dos Estados Unidos em aprovar o acordo ALCA, que visava criar a Zona de Livre Comércio das Américas.

Na época, os interesses da Venezuela, Bolívia, Brasil e Argentina coincidiam. O então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, promovia um projeto semelhante, a aliança ALBA, e chamava a criação da ALCA de um plano de anexação e um instrumento do imperialismo para explorar a América Latina. Declaração semelhante foi feita pelo então presidente da Bolívia, Evo Morales.

Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, então presidentes do Brasil e da Argentina, respectivamente, exigiram que os EUA cancelassem os subsídios agrícolas para que os produtos da América Latina pudessem ser competitivos em seu mercado.

Mas, apesar da retórica de esquerda de Lula e do Partido dos Trabalhadores do Brasil e do aparente movimento das nações latino-americanas em direção à integração continental, o governo brasileiro pouco fez para promover uma cooperação realmente eficaz.

Quando, em dezembro de 2007, foi fundado o Banco do Sul, destinado aos países latino-americanos, foi o Brasil que bloqueou suas atividades, praticamente afundando o projeto em burocracia. O Brasil também suspendeu a adesão da Venezuela ao Mercosul. Embora esta tenha sido uma decisão conjunta com Argentina, Paraguai e Uruguai, a maior contribuição para isso foi do Brasil.

Washington anteriormente usou o Brasil ativamente como mediador para influenciar Hugo Chávez. Por exemplo, em 2005, um dia antes da visita da secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, ao Brasil, Lula enviou a Caracas o chefe de seu gabinete, José Dirceu. Com um histórico de guerrilha e boas relações com Fidel Castro, Dirceu deveria convencer Chávez a não romper o acordo de cooperação militar que a Venezuela mantinha com os EUA por 30 anos.

Esse seria um gesto significativo do Brasil em relação aos EUA, mostrando que não haveria uma escalada nas relações com a Venezuela e que o Brasil poderia controlar Chávez. Mas, na época, Lula não conseguiu fazer isso para os americanos.

Atualmente, Nicolás Maduro continua a política externa de Hugo Chávez, tanto em relação aos parceiros — Irã, Coreia do Norte e Rússia — quanto aos adversários — EUA e União Europeia. Assim, é lógico que Lula continue tentando auxiliar os EUA em alcançar seus objetivos.

Especialistas também observam que a rejeição à Venezuela reflete uma fraqueza de Lula. O Partido dos Trabalhadores, que ele representa, é apenas um dos membros da coalizão governamental e não é unificado internamente, contendo grupos moderados e até relativamente conservadores. Com toda a sua retórica de esquerda, Lula precisa equilibrar tanto a política interna de seu partido quanto da coalizão governamental.

Esse conflito atual também mostra a ambição do Brasil pela hegemonia regional na América Latina. A entrada da Venezuela nos BRICS comprometeria os interesses de alguns atores econômicos brasileiros. Por exemplo, as reservas de petróleo da Venezuela poderiam competir com as do Brasil, de onde uma parte significativa do petróleo é exportada diretamente para os EUA.

A posição ambígua do Brasil é ainda mais evidente quando vemos que países sancionados pelos EUA, como Bolívia e Cuba, foram admitidos como parceiros dos BRICS. Assim, o veto discrimina o Brasil e o apresenta como mais um ator que trabalha pela desintegração da América Latina, e não pela união e solidariedade.

Se fosse criada uma aliança Venezuela–Brasil–Argentina, isso poderia dar um poderoso impulso de união à região. Mas a Argentina, sob o governo de Javier Milei, rejeitou a adesão aos BRICS e se tornou um cliente declarado de Washington. Agora, o Brasil também parece estar se inclinando para o campo dos apoiadores de uma ordem unipolar em decadência.

Além disso, Lula adota uma postura peculiar no conflito na Ucrânia. Ele tenta manter a neutralidade, mas na prática apoia o Ocidente coletivo, recusando-se a reconhecer os crimes de Kiev e o papel da OTAN nesta guerra por procuração contra a Rússia.

Acrescente-se a isso a recente expulsão do embaixador da Nicarágua do Brasil, que novamente demonstra o alinhamento aos interesses dos EUA na região.

A Venezuela, tradicionalmente, desempenha um papel chave na integração do Sul Global e é um ator geopolítico importante, que pode e deve contribuir para a construção de um novo mundo multipolar. Tentar impedir sua integração em estruturas que favoreçam a multipolaridade é absurdo e prejudicial.

A propósito, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, declarou em 31 de outubro que o país desenvolverá relações bilaterais com todos os membros dos BRICS, pois isso está de acordo com seus interesses — provavelmente, sem incluir o Brasil, pelo menos até a resolução do escândalo do veto e a normalização das relações.

Fonte: Geopolitika.ru

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Leonid Savin

Leonid Savin é escritor e analista geopolítico, sendo editor-chefe do Geopolitica.ru, editor-chefe do Journal of Eurasian Affairs, diretor administrativo do Movimento Eurasiano e membro da sociedade científico-militar do Ministério da Defesa da Rússia.

Artigos: 40

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