O feminismo, aparentemente, levou à sexualização da esfera pública, na medida em que hoje as principais pautas do mundo liberal-burguês são de teor sexual.
Kamala Harris diz que a sua prioridade no governo será garantir o direito ao aborto e ampliá-lo. Em uma outra entrevista, semanas atrás, algumas jovens universitárias dos EUA diziam que a principal pauta que definiria o seu voto seria o aborto.
Uma das principais propagandas em vídeo produzidas pelos democratas durante a campanha envolve um casal fazendo sexo e a questão do aborto. Uma outra propaganda diz que os republicanos vão banir a pornografia.
Ontem estávamos vendo dezenas de milhares de pessoas ao redor do mundo obcecadas com politizar a seminudez de uma jovem iraniana tendo um surto psicótico. Projetavam na seminudez dela todos os seus delírios políticos e suas esperanças de mudança de regime.
Há um texto pouco conhecido do anarquista Proudhon, chamado “Pornocracia”, em que ele argumenta que a sociedade burguesa, liberal-democrática, tendia inevitavelmente à “pornocracia”, ou seja, ao “domínio das prostitutas”.
O que ele quer realmente dizer com “domínio das prostitutas” não é, obviamente, que cargos públicos serão ocupados por prostitutas, mas que o modelo social da prostituição se torna o paradigma dominante em uma sociedade liberal controlada pelo Capital.
Nesse sentido, do político que se vende como uma prostituta para o caráter “promíscuo” da circulação de capital sob controle de grandes bancos, tudo está vinculado a um paradigma de prostituição. Mas a raiz da crítica de Proudhon é mais literal.
Para Proudhon, a emancipação da mulher promovida pelo liberalismo e pelos socialismos de inspiração liberal conduzia a uma ruptura na barreira entre a dimensão social e a dimensão sexual do homem. E isso porque ela estava necessariamente acompanhada pelo colapso da autoridade patriarcal que se impunha às mulheres.
O problema aí é que a mulher, por natureza, seria mais dominada pela sexualidade do que o homem. Toda a dimensão sexual da existência humana estaria mais desabrochada na mulher, e estaria, portanto, mais próxima de sua consciência. É nesse sentido que Proudhon dirá que a mulher só pode ser mãe/esposa ou prostituta; porque a ausência de uma disciplina externa reduz a mulher à sexualidade promíscua, em que o prazer é valorizado como fim em si mesmo.
Evoco Proudhon aqui para ressaltar quão espantoso é o fato de que as mulheres nas sociedades liberal-democráticas não pensam em nada além de temas que giram em torno do sexo e do prazer. O aborto é valorizado enquanto fuga da responsabilidade pelos próprios atos, para que a mulher possa seguir vivendo uma sexualidade desenfreada voltada para o prazer como fim em si mesmo.
E os liberais do Ocidente só conseguem enxergar as mulheres de outras civilizações através da própria lente pornocrática, em que um surto psicótico vira “protesto do FEMEN”, porque em uma sociedade patriarcal em que a modéstia é um valor, o liberal anseia pela explosão pornocrática do exibicionismo feminino, reduzindo a querela Ocidente/Irã a uma disputa sobre o direito de ver bundas em praça pública.