O Apagão e a Crise do Neoliberalismo Brasileiro

Enquanto muitos brasileiros seguem há dias sem luz, é momento de analisar os mitos que alimentam a penúria nacional.

Agora com o apagão em São Paulo – só um dos muitos problemas apresentados pela ENEL nos últimos anos – fica um jogo de empurra-empurra entre as responsabilidades de cada esfera e setor do governo e da empresa.

Mas o problema fundamental é que vivemos numa democracia liberal.

Consideramos normal que um monopólio natural seja privatizado. Afinal, martelaram nossas cabeças ao longo dos anos 90 de que “serviço estatal é ruim, serviço privado é bom”.

Não passa pela cabeça dos energúmenos neoliberais que os interesses dos políticos e dos empresários eram os mesmos, porque todos pertenciam à mesma classe e/ou eram parentes uns dos outros – e que, portanto, quando o serviço estatal é ruim é porque alguém tá querendo comprá-lo.

Isso só é possível em uma ordem na qual o poder político e o poder econômico não apenas estão confundidos, mas o econômico é posto acima do político. E também só é possível quando não existe uma compreensão suficiente das funções do Estado, do bem comum, da coisa pública, e de quais são os propósitos da economia.

Também não se entende o suficiente que quando se privatiza um monopólio natural cuja função não é o lucro, mas a garantia de um serviço para o bem comum – e isso é feito para uma empresa de capital aberto, todo o propósito da empresa de resume em pagar dividendos a acionistas.

Não existe preocupação com manutenção, contratação ou reinvestimento. Tudo isso é perda de tempo em vista da prioridade, que é garantir que os bolsos dos acionistas continuem cheios. É assim que se consegue perceber bem a natureza parasitária do capitalismo em sua fase financeirizada.

O destino natural de todo serviço nessas condições é piorar gradualmente.

Não adianta apelar à necessidade de “fiscalização” quando se tem precisamente essa confusão entre poder político e poder econômico, ou seja, quando políticos e burocratas são, também, empresários, acionistas ou parentes de agentes econômicos. Não é possível fiscalizar a si mesmo.

Liberais, aqui, apelariam a abstrações livrescas como a lei da oferta e da procura, mas ela é ineficaz em monopólios naturais, porque não há como mais de um agente econômico oferecer o mesmo serviço no mesmo espaço.

É precisamente por causa disso, aliás, que nos últimos anos tem havido uma onda de estatizações de empresas privatizadas ao longo das últimas décadas, como na França com a empresa de energia EDF.

A solução de longo prazo para problemas como esse, que vão além de compromissos de curto prazo, envolveria uma ruptura com o atual modelo de Estado que se resume a fiscalizar (ou fingir que fiscaliza) as atividades econômicas privadas, mesmo quando o interesse público demanda uma atuação direta do Estado na economia.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 39

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