Um precedente assustador para o futuro das relações internacionais

Israel, em seu ataque ao Líbano, abriu mais um precedente problemático nas relações internacionais.

Para matar Hasan Nasrallah, Israel arrasou um bairro de Beirute, massacrando centenas de civis inocentes cujo único crime é o de serem muçulmanos xiitas. Não só isso, como o faz bombardeando a capital de um Estado soberano com o qual não está em guerra. Um precedente assustador para o futuro das relações internacionais. Algo que nem mesmo os Estados Unidos alguma vez se permitiram fazer.

Numa das minhas contribuições para o próximo número da “Eurasia. Rivista di studi geopolitici”, intitulada “Perspectivas Geopolíticas no Fim do Império”, defendo a tese de que Netanyahu, neste período histórico caracterizado pela ausência de um guia no chamado “Ocidente” (os problemas de Biden são bem conhecidos e a dupla Harris-Blinken está totalmente à mercê dos acontecimentos), investiu-se no papel de guia (o seu discurso no Congresso dos EUA neste sentido foi emblemático). Um autoinvestimento que lhe garantiu (com a participação do círculo mediático-intelectual ocidental) o uso desproporcionado da força sem qualquer condenação real (para além da inútil sentença do Tribunal Penal Internacional).

Ora, o que teoricamente pode parecer uma “vitória” para Israel é, na realidade, exatamente o oposto. Não pretendo subestimar a enorme superioridade técnica e militar (também no domínio dos serviços secretos) do pretenso “Estado judaico” sobre os seus rivais regionais (uma Síria destruída por mais de uma década de agressão, um Irão submetido a um regime alternado de embargo e sanções há mais de 40 anos que, apesar disso, conseguiu, lançar um programa nuclear e de mísseis respeitável, para não falar do facto de continuar a ser o único país da zona a ter construído um desenho geopolítico alternativo às tentativas ocidentais de compartimentar a região em função de linhas étnico-sectárias – aquilo a que muitas vezes chamei a “doutrina Suleimani” é literalmente uma bofetada na cara do “choque de civilizações”).

Esta superioridade continua a ser um facto incontestável (mesmo que pareça cada vez mais evidente que Israel, sem o apoio incondicional do exterior, dificilmente conseguiria manter-se de pé como uma entidade atormentada por enormes problemas económico-sociais que são demasiadas vezes silenciados pelos nossos meios de comunicação social). Neste contexto, Netanyahu, depois de quase um ano de uma guerra de extermínio em Gaza com resultados nulos, precisava de um “sucesso” dispensável, quer a nível interno, quer a nível internacional (sobretudo aos olhos dos outros membros do Ocidente em declínio – penso que é tempo de perceber que 2/3 do mundo já não suportam a presunção de superioridade ocidental; o próprio discurso de Netanyahu na ONU, numa sala meio vazia, é disso uma clara demonstração). E para conseguir um “sucesso” tão retumbante (é evidente que a estrutura do Hezbollah está construída de forma a poder substituir em pouco tempo todos os caídos, mesmo em posições de topo) optou pela via “mais israelita” para o mesmo: o massacre indiscriminado.

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Daniele Perra

Formado em Ciência Política pela Università DI Cagliari, é colaborador da Rivista Eurasia.

Artigos: 40

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