Nos últimos meses Israel tem empreendido uma campanha de assassinatos seletivos contra o Hezbollah, culminando no assassinato do Secretário-Geral Hassan Nasrallah. Isso pode impactar as operações militares do Hezbollah?
Com o assassinato de Sayyed Hassan Nasrallah e de algumas outras figuras relevantes do Hezbollah nas últimas semanas, a propaganda israelense alega ter “destruído” o Hezbollah.
As pessoas que entendem os conflitos militares nos termos de videogames repetem a mesma coisa. Em muitos casos são pessoas jovens demais para entender o que é um conflito militar – ou mesmo para ter qualquer senso de história.
De imediato, já se pode dizer que o assassinato de Nasrallah não teve impacto imediato nas operações militares do Hezbollah porque poucas horas depois da confirmação o Hezbollah seguia fazendo os ataques aéreos que ele tem feito no mesmo patamar dos últimos dias.
Ademais, não é o primeiro secretário-geral do Hezbollah assassinado por Israel. O antecessor de Nasrallah, Abbas al-Musawi, também foi assassinado em 1992 junto com sua família. Na época, os jornais israelenses alegavam o “fim do Hezbollah” – 14 anos depois o Hezbollah derrotava militarmente Israel e expulsava as forças israelenses do sul do Líbano.
Poderíamos transferir o exemplo para o Hamas: teve seu primeiro líder Ahmed Yassin assassinado, e o seu sucessor, Abdel Al-Rantisi, também foi assassinado meses depois. Avançamos 19 anos e o Hamas impôs o maior custo militar da história israelense, e o conflito continua.
Diariamente há notícias e vídeos de ataques das Brigadas Al-Qassam contra alvos israelenses em Gaza, com baixas noticiadas todos os dias, apenas algumas sendo admitidas por Israel.
A realidade é que, historicamente, políticas de assassinatos seletivos em contextos de guerra assimétrica têm poucos resultados práticos. Para Israel trata-se mais de impor um “custo psicológico” ao inimigo, bem como ganhar na “guerra de propaganda”, especialmente no plano exterior.
Entendam: se nem com a destruição generalizada de Gaza e mais de 100 mil mortes por várias causas Israel conseguiu derrotar o Hamas, não será com esses ataques que o Hezbollah deixará de existir.
Entra aí, ademais, um elemento que é específico desse conflito e que é o fato de que, no caso do Hezbollah, se está diante de uma mentalidade que é basicamente o análogo islâmico à mentalidade viking.
Os membros do Hezbollah objetivamente buscam o martírio. O martírio, para eles, além de motivação é um objetivo. É um elemento mobilizador de recrutamento, bem como um elemento central de sua ética fundada na futuwah (a ética cavalheiresca islâmica).
A ideia de que martirizar membros do Hezbollah vai gerar algum abalo em sua disposição para lutar é um delírio desinformado.
Nasrallah disse: “Nós venceremos porque eles amam a vida, enquanto nós amamos a morte”.
Enquanto os israelenses são materialistas e individualistas, vivendo para os sentidos e para a acumulação de bens materiais, os membros do Hezbollah vivem para a guerra e para a morte na guerra. Cada mártir é um triunfo, e outros correm para ocupar o seu lugar e, com isso, merecerem a glória do martírio.
Essa mentalidade não é exclusiva do Hezbollah, sendo típica do espírito xiita – que é a expressão mais pura não apenas do Islã, como também uma das máximas expressões do espírito guerreiro, à altura do bushido nipônico. Após a Batalha de Karbala, por exemplo, quando o Imã Hussein, seus companheiros e seus familiares (inclusive crianças e bebês) foram mortos por Yazid, a sua irmã Zaynab, em discurso em Kufa, disse que não ter visto senão a Beleza em si, durante a Batalha de Karbala.
Naturalmente, agora, o Hezbollah e o resto do Eixo da Resistência precisarão recuperar a iniciativa por meio de um ataque coordenado. O Iron Dome já está todo esburacado e não tem a mesma eficiente que tinha antes do 7 de outubro, por causa do desgaste imposto gradualmente.
Nesse sentido, a política militar de desgaste foi uma faca de dois gumes, porque cedeu a iniciativa militar a Israel enquanto, por outro lado, desgastou seus recursos e meios de defesa.