Guerra pelos Segredos do Mundo

A prisão de Pavel Durov põe em evidência o interesse pelas chaves algorítmicas dos aplicativos de mensagem.

Pavel Durov não é nem um agente nem um ativo de Moscou, embora tenha sido (e ainda seja) descrito dessa forma pela narrativa dominante. Ele é um bilionário excêntrico, com fortes tendências antissistema, que se encontrou diversas vezes em conflito com o Kremlin ao longo de sua vida. Hoje, ele se vê no meio dos confrontos da Guerra Fria 2.0. Pavel Durov, o “Zuckerberg da Rússia”, circula em estado de semi-liberdade pelas ruas de Paris. As acusações contra ele ainda persistem, mas ele recebeu liberdade sob fiança, com a condição de não abandonar o território francês até o fim do processo.

A Rússia pode fazer pouco, do ponto de vista legal, para trazer o compatriota de volta ao país: Durov obteve cidadania francesa em 2021, o que dá a Paris uma liberdade de ação quase total em relação a ele. A via da exfiltração seria uma opção, desde que Durov desejasse isso, e tendo em mente que a inteligência francesa provavelmente montaria um “Grande Irmão” ao seu redor para prever e prevenir qualquer tentativa de fuga para o exterior.

Durov, se não colaborar com a justiça francesa, corre o risco de passar boa parte de sua vida na prisão, acusado de alguns dos crimes mais abomináveis, incluindo a cumplicidade na distribuição organizada de imagens de menores de natureza pedopornográfica. Embora ele não tenha cometido pessoalmente esses atos, teria facilitado sua ocorrência dentro da plataforma Telegram, ao não fechar os canais denunciados e não revelar as identidades dos usuários envolvidos nesses crimes. Fechando os olhos em nome de questões comerciais, disfarçadas como proteção absoluta da liberdade de expressão.

O Telegram tem, claramente, um problema em relação à presença de material pedopornográfico e à proliferação de atividades ilegais. No entanto, esse não é o verdadeiro motivo da prisão de Durov. Caso contrário, deveríamos ter visto a prisão de Elon Musk, cujo X (antigo Twitter) permite a venda de armas, ou de Zuckerberg, cujas plataformas da Meta não são melhores do que o Telegram na proteção de menores contra exploração e abuso, e isso não aconteceu.

O caso de Durov, em resumo, não é jurídico: é político. O excêntrico bilionário, cuja inteligência privada já havia captado sinais alarmantes vindos da Europa, tornou-se uma peça nas mãos da França. Emmanuel Macron aspira a obter de Durov o que Vladimir Putin não conseguiu: as chaves, no sentido figurado, do Telegram.

Putin queria, mas não conseguiu, as chaves que permitiriam interceptar as comunicações da oposição antissistema, o que levou Durov a emigrar por medo de represálias. Agora, Macron quer e espera obter essas chaves, mesmo que isso custe a imagem do Ocidente como um farol de liberdade na luta contra autocracias. Isso é crucial para o futuro da França fora da Europa e para a guerra na Ucrânia.

Nos últimos anos, especialmente a partir de 2022, aproveitando a política de tolerância máxima ao crime, ao terrorismo e à violência do Telegram, a plataforma de Durov tornou-se o quartel-general virtual dos serviços de inteligência e das forças armadas russas. O aplicativo é usado pelos soldados nas trincheiras para se comunicar com os comandos superiores e entre si, bem como por sabotadores, assassinos e psicoguerreiros envolvidos em operações psicológicas e cognitivas. O Telegram permitiu que a Rússia criasse a “cintura de golpes” no Sahel, coordenando operações com golpistas e influenciando a opinião pública, além de interferir nas revoltas francofóbicas entre 2021 e 2024 na América do Sul e no Pacífico. O Telegram também é o principal meio de comunicação dos soldados russos na Ucrânia.

Obter as “chaves” do Telegram significa acessar um tesouro capaz de melhorar significativamente a posição internacional da França. As conversas obtidas poderiam ajudar a entender como funciona a guerra cognitiva russa e forjar uma contraofensiva, sendo repassadas à Ucrânia ou aos Estados Unidos. No entanto, resta saber quanto desse material pode ser realmente recuperado, considerando as ferramentas do Telegram para anonimizar (quase) completamente as conversas entre os usuários, e se Durov, que outrora se recusou a colaborar com Putin, estaria disposto a colaborar agora.

Para o mundo da comunicação e da informação, seja qual for o desfecho, a abertura deste caso é um marco divisor. Se, para Durov, será uma luta pela independência da plataforma em relação à política internacional, para o resto da humanidade, será uma guerra para proteger o direito mais fundamental e importante, a privacidade, contra os pretextos que serão usados para comprimi-lo até esmagá-lo.

Fonte: La Fionda

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Emanuel Pietrobon

Bacharel em Ciências Internacionais, do Desenvolvimento e da Cooperação na Universidade de Torino, especializado geopolítica das religiões e em guerra híbrida.

Artigos: 40

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