Seria a Causa Palestina realmente Monopólio da Esquerda?

Nos últimos anos tem sido mais comum que pessoas de esquerda abracem a causa palestina, mas será que isso faz sentido historicamente? Em que medida a tentativa esquerdista de monopolizar a causa palestina não prejudica a pauta?

Em resposta ao novo capítulo do perpétuo conflito árabe-israelense, iniciado em 7 de outubro passado, ocorreram e continuam a ocorrer manifestações em massa em todo o mundo, quase todas em apoio à causa palestina e contra a ação de força conduzida pelo governo de Tel Aviv.

Causa palestina e esquerda

Uma característica que salta aos olhos ao observar essas manifestações é sua forte politização. Além das bandeiras palestinas, nesses protestos não é raro ver também bandeiras com a foice e o martelo, ou outros diversos referenciais explícitos a uma certa doutrina política que, nas últimas décadas, tem se tornado a defensora arrogante e egoísta da luta palestina. Interessante notar que grande parte da frente de solidariedade politicamente alinhada se refira ao socialismo puro, vendo na URSS de Joseph Stalin um modelo pseudo-utópico de Estado. Os stalinistas modernos, assim como todo o mundo da chamada “esquerda”, abraçam essa escolha principalmente em nome do anti-imperialismo e, consequentemente, do antissionismo.

Mas a esquerda extraparlamentar realmente pode reivindicar o monopólio dessa causa? A historiografia moderna pode nos fornecer bases para formular uma resposta.

Stalin, pai fundador de Israel?

Em 29 de novembro de 1947, o Plano de Partição da Palestina, elaborado pelo Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina, foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York (Resolução 181 da Assembleia Geral). O projeto visava resolver o conflito entre a comunidade judaica e a árabe palestina, que já havia eclodido sob o mandato britânico da Palestina. Aprovado com o voto favorável de 33 países, propôs a partição do território palestino entre dois Estados, um judeu e outro árabe, com Jerusalém sob controle internacional. No entanto, como sabemos, essa mudança foi apenas o início de um novo capítulo no interminável conflito árabe-israelense.

Um elemento importante para a aprovação da resolução e, consequentemente, para a fundação de Israel foi o apoio de boa parte da comunidade internacional. Em particular, foi essencial o apoio da União Soviética (membro permanente do Conselho de Segurança) e de seus satélites, que seguiram a linha traçada pelo vice-ministro das Relações Exteriores soviético e embaixador na ONU, Andrei Andreyevich Gromyko, votando a favor.

A mudança de Stalin para apoiar o sionismo foi, portanto, fundamental; pode-se até afirmar que Israel não existiria em sua forma atual se a União Soviética não tivesse oferecido seu apoio naquele 29 de novembro de 1947. A União Soviética também foi uma das primeiras nações a garantir reconhecimento diplomático ao recém-nascido Estado de Israel, em 17 de maio de 1948, apenas três dias após sua declaração de independência. As motivações para essa decisão são variadas. Para a historiografia moderna, a teoria mais comum é que Stalin queria enfraquecer a posição do imperialismo britânico na região, vendo os colonos judeus como um movimento de libertação nacional.

O apoio soviético, no entanto, não se limitou apenas aos meios diplomáticos; é importante destacar também o suporte militar oferecido durante a primeira guerra árabe-israelense, que estourou após a retirada da administração inglesa e a simultânea proclamação do Estado de Israel, em 15 de maio de 1948. Apesar de os Estados Unidos de Truman proibirem oficialmente o fornecimento de armas ao Oriente Médio, Moscou, através de seu satélite tchecoslovaco, enviou consideráveis armamentos a Israel, os quais foram fundamentais para vencer o conflito e iniciar a subsequente limpeza étnica da Palestina. Em outras palavras, não é uma heresia afirmar que foi o próprio Stalin o primeiro ator internacional a apoiar materialmente a Nakba, antes mesmo do Tio Sam.

Para entender a real importância do apoio soviético, podemos usar as palavras pronunciadas algumas décadas depois pelo primeiro-ministro israelense Ben-Gurion: “Eles salvaram o país, não tenho dúvidas sobre isso” ou ainda “O acordo sobre as armas tchecas foi a maior ajuda, nos salvou e, sem ele, duvido muito que teríamos sobrevivido ao primeiro mês”. A própria Golda Meir, em suas memórias, escreveu que, sem as armas do bloco oriental, “não sei se teríamos resistido até que a maré mudasse, como aconteceu em junho de 1948”.

Um conflito destinado a não acabar

Examinando a realidade histórica e constatando o apoio aberto de Stalin a Israel, pelo menos em um primeiro momento, podemos realmente aceitar a narrativa da esquerda extraparlamentar, segundo a qual essa luta pertence exclusivamente e originalmente a eles? A resposta é simplesmente não. Em primeiro lugar, porque não se trata de uma batalha político-ideológica; é, portanto, insensato que um determinado alinhamento político se aproprie dela dessa maneira. Em segundo lugar, porque, como vimos, uma das causas da situação atual foi justamente o apoio político-militar que a própria União Soviética ofereceu ao recém-criado Estado de Israel. E, por fim, porque os próprios companheiros não foram os primeiros a adotar essa causa (aqueles sentados no lado errado os anteciparam em algumas décadas), antes que se tornasse um tema tão popular.

A extrema politização que se criou no Ocidente em torno dessa causa não é apenas, como vimos, historicamente incoerente, mas também vai contra os próprios interesses do povo palestino. Reduzindo a questão a um mero confronto político entre “direita” e “esquerda”, entre “liberais” e “socialistas”, nos afastamos ainda mais de uma possível resolução acordada, criando um elemento adicional de separação entre as partes, puramente ideológico, quando de fato não há necessidade disso. A questão palestina certamente não encontrará paz se continuar a ser entendida nesses termos, pois, politizando os conflitos, a razão decai, deixando espaço para a torcida de estádio, que não conhece outra verdade senão o apoio incondicional à própria facção e o ódio ao adversário.

Fonte: Il Primato Nazionale

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Davide Guastalla
Artigos: 51

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