A relação do Cristianismo com a Quarta Teoria Politica

O Cristianismo influenciou fortemente o pensamento de Alexander Dugin, especificamente a Igreja Ortodoxa, ao ponto que ele é cristão ortodoxo, tendo se convertido há muitos anos. Creio eu que este é o principal motivo pela qual achamos tantos paralelos entre a visão da Quarta Teoria Politica e o Cristianismo. Irei explorar abaixo os principais paralelos e desenvolver a argumentação em torno deles.
Anti-nacionalismo

A QTP é “anti-nacionalista”, no sentido chauvinista, xenofóbico e imperialista da palavra. Obviamente, ela defende que os interesses nacionais sejam valorizados, mas isto, em momento algum, implica em uma ideia de superioridade cultural ou racial do Brasil em relação aos outros povos, nem numa visão imperialista do direito dos brasileiros em colonizarem outros povos e imporem sua cultura “superior” aos povos conquistados. E esta visão está muito alinhada ao nascimento da Igreja Cristã e à Doutrina Cristã no geral.

O Judaísmo antigo era uma religião extremamente pautada em raça e nacionalismo, com a primeira quebra vindo com Cristo, no Evangelho:

19. Portanto, ide e fazei com que todos os povos da terra se tornem discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;

20. ensinando-os a obedecer a tudo quanto vos tenho ordenado. E assim, Eu estarei permanentemente convosco, até o fim dos tempos”.

(Mateus, 28)

Jesus, contrariando o Judaísmo, declarou que todos os povos da Terra pertencem a Ele, não só os judeus. Tal “anti-nacionalismo” (ou, melhor dizendo, anti-chauvinismo) de Cristo continua a se desenvolver com Paulo:

26. Porquanto, todos vós sois filhos de Deus por meio da fé que tendes em Cristo Jesus,

27. pois todos quantos em Cristo fostes batizados, de Cristo vos revestistes.

28. Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.

29. E, se sois de Cristo, então, sois descendência de Abraão e plenos herdeiros de acordo com a Promessa.

(Gálatas, 3)

Paulo foi o principal Apóstolo, responsável pelo rompimento teológico definitivo do Cristianismo com o Judaísmo. O Judaísmo funciona numa lógica racial, o Cristianismo funciona numa lógica de universalidade, e daí surge a expressão Católica para se referir à Igreja. Paulo utiliza a lógica racial, de ser descendente de Abraão, e a universaliza com a questão da Fé em Jesus Cristo como fator que faz de alguém filho de Abraão.

Anti-capitalismo e “Comunismo Cristão”

Uma ideia presente na Igreja Cristã desde sua concepção é uma oposição muito forte às riquezas e uma aderência muito forte a uma ideia anti-elitista, uma espécie de “comunismo cristão”. O ensino de Jesus é bastante focado em moralidade, mas essa moralidade se manifesta de forma muito forte em questões sociais e econômicas. Vejamos o seguinte exemplo:

41. Mas o Rei ordenará aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos! Apartai-vos de mim. Ide para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos.

44. E eles também perguntarão: ‘Mas Senhor! Quando foi que te vimos com fome, sedento, estrangeiro, necessitado de roupas, doente ou preso e não te auxiliamos?’

45. Então o Rei lhes sentenciará: ‘Com toda a certeza vos asseguro que, sempre que o deixastes de fazer para algum destes meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o deixastes de fazer’.

46. Sendo assim, estes irão para o sofrimento eterno, porém os justos, para a vida eterna”.

(Mateus, 25)

É extremamente relevante que Cristo cita como ações dignas do Lago de Fogo, várias questões sociais relacionadas à falta de distribuição de renda, assistência social e misericórdia para com o próximo. Todas questões que a atual direita liberal despreza.

Em Cristo também temos uma abominação da riqueza e um apreço pela distribuição de renda:

20. Replicou-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que ainda me falta?”

21. Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”.

22. Ao ouvir essa palavra, o jovem afastou-se pesaroso, pois era dono de muitas riquezas.

23. Então disse Jesus aos seus discípulos: “Com toda a certeza vos afirmo que dificilmente um rico entrará no Reino dos céus.

(Mateus, 19)

A mensagem do Evangelho é o oposto da visão capitalista moderna e da direita liberal-conservadora. Enquanto estes sistemas defendem o acúmulo de lucro e bens como bom e, às vezes, até como sagrado (como na Teologia da Prosperidade que contamina o protestantismo hoje), Cristo prega o oposto. Ele prega a liberalidade com o dinheiro, com as riquezas, o ato de estar sempre aberto a dar e ajudar às pessoas. Sendo assim, podemos colocar Cristo explicitamente como um anti-capitalista e anti-liberal

Vemos no livro de Atos o desenvolvimento da Doutrina Social instaurada por Jesus Cristo, como vemos no seguinte texto:

44. Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum.

45. Vendiam suas propriedades e bens, e dividiam o produto entre todos, segundo a necessidade de cada um.

46. Diariamente, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração,

47. louvando a Deus por tudo e sendo estimados por todo o povo. E, assim, a cada dia o Senhor juntava à comunidade as pessoas que iam sendo salvas.

(Atos, 2)

Na Igreja não havia divisões por classes sociais, ricos ou pobres, recurso humano, havia tão somente cristãos unidos num senso de fraternidade universal mediante o corpo de Cristo, isto inclusive já nos prepara o terceiro paralelo, que abordaremos agora.

Anti-individualismo

Noções de indivíduo e individualismo eram inexistentes na Igreja, havia tão somente a ideia de comunidade eclesiástica, irmandade, comunidade, corporação. A própria ideia da Eucaristia, introduzida por Cristo, é o primeiro passo doutrinário para a introdução de um anti-individualismo no Cristianismo, como o texto a seguir deixa claro:

53. Então Jesus os advertiu: “Em verdade, em verdade vos afirmo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida dentro de vós.

56. Aquele que come a minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e Eu nele.

57. Assim como o Pai, que vive, me enviou e Eu vivo por causa do Pai, assim aquele que se alimenta de mim viverá por minha causa.

(João, 6)

A ideia corporativa do Cristianismo começa com este conceito, e a Eucaristia instaura uma comunhão e unidade universal entre todos os cristão, pois faz com que, em todos os cristão, Jesus esteja presente e faz com que todos os sejam unificados em Jesus, fazendo parte de Seu Corpo. Não por acaso, Paulo desenvolve em suas cartas esta ideia inaugurada por Jesus, como fica claro nos textos abaixo:

17. Ele existe antes de tudo o que há, e nele todas as coisas subsistem.

18. Ele é a cabeça do Corpo, que é a Igreja; Ele é o princípio e o primogênito dentre os mortos, a fim de que em absolutamente tudo tenha a supremacia.

(Colossenses, 1)

12. Porquanto, assim como o corpo é uma só unidade e possui muitos membros, e todos os membros do corpo, ainda que muitos, constituem um só organismo, assim também ocorre em relação a Cristo.

13. Pois todos fomos batizados por um só Espírito, a fim de sermos um só corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres; e a todos nós foi dado beber de um único Espírito.

14. Porque também o corpo não é constituído de apenas um membro, mas de muitos.

(1 Coríntios, 12)

Repare que, nestes textos, o indivíduo é absorvido por entidades superiores a si próprio: a Igreja e Cristo, que é a Cabeça da Igreja. O cristão não existe, não possui vida desvinculado desses dois, o cristão não pode ser cristão se não faz parte da Igreja, se não tem comunhão com a comunidade católica, se não comunga o Corpo de Cristo, pois tudo isso faz parte da identidade cristã, uma identidade não pautada no indivíduo, mas no coletivo, na irmandade, na fraternidade, na comunidade, na corporação, na Divindade.

Tudo isso deixa bastante claro o quanto o Cristianismo e a Quarta Teoria Política estão intimamente ligados entre si, e o quanto Dugin foi influenciado por uma cosmovisão cristã ao sistematizar e propor as bases da Quarta Teoria Política.

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Marden Samuel
Artigos: 54

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