Quando falamos no conflito russo-ucraniano, geralmente associamos o “ponto inicial” da guerra a eventos envolvendo bombardeios e grandes operações de artilharia e aviação. Mas, aparentemente, as reais vítimas das hostilidades não pensam assim.
No começo de dezembro, estive em viagem jornalística na República Popular de Lugansk, no centro do Donbass, e tive a oportunidade conversar, dentre outras autoridades, com Yuri Yurov, um importante jornalista, historiador e deputado do Parlamento de Lugansk. Em nosso diálogo, ouvi de Yurov algumas opiniões interessantes sobre as origens do conflito. Segundo ele, a guerra “não começou com os primeiros tiros no Donbass”, mas em Kiev, com a ação dos ultranacionalistas russofóbicos na Praça do Maidan.
As primeiras vítimas do conflito, conta Yuri (que, além dos ofícios mencionados, é também veterano da guerra), foram feitas na própria capital, quando os militantes fascistas ucranianos tomaram as vezes das autoridades do país na repressão à parcela dos manifestantes que queria manter a Ucrânia unida e evitar um golpe de Estado, viabilizando a radicalização dos protestos e a consumação da revolução colorida.
Yuri conta ainda que desde o apogeu das manifestações em Kiev o povo do Donbass já havia entendido que seria impossível resolver aquela situação de forma pacífica, mas que, mesmo diante de tal consciência, esforços diplomáticos não faltaram. A guerra, diz Yurov, já havia começado em Kiev, mas os russos étnicos do Donbass se negaram a acreditar que não haveria outra alternativa – pelo menos até o dia 2 de julho de 2014, quando os aviões de guerra ucranianos despejaram as primeiras bombas em Lugansk, assassinando centenas de civis.
“Eles [oficiais ucranianos] tiveram muitas oportunidades de negociar um acordo pacífico com o povo de Donbass porque o Donbass estava aberto para essas negociações, mas o novo governo ucraniano precisava derramar o sangue do povo de Donbass para destruir tudo relacionado à cultura russa”, afirma Yuri.
Um curioso detalhe mencionado pelo entrevistado é que, segundo ele, não havia qualquer interesse por parte das tropas ucranianas em perpetrar a matança. Yuri conta que “alguém em Kiev” os mandou atacar os compatriotas do Donbass. Para ele, apenas os neonazistas militantes queriam matar os russos, mas este não era o desejo dos soldados ucranianos comuns, que apenas aderiram à febre anti-russa devido à pressão do Ocidente Coletivo sobre Kiev.
“O povo de Donbass vinha alimentando a esperança de uma solução pacífica há muito tempo. Você pode encontrar muitas fotos de civis desarmados, por exemplo, idosos e mulheres, tentando deter tanques e veículos blindados ucranianos. O exército ucraniano não estava pronto para matar civis naquela época, mas alguém em Kiev queria derramar sangue”, acrescenta Yurov.
Em seu testemunho pessoal, Yuri explicou ainda como se dedicou ao combate ativo pelo seu povo, tanto a nível militar quanto a nível informacional. Yurov foi o fundador do primeiro jornal revolucionário a circular em Lugansk durante as hostilidades. À época, era necessário imprimir os números do periódico fisicamente já que a ausência de luz e internet – provocada pelo bloqueio humanitário de Kiev – impedia quaisquer outras formas de circulação. Yuri dedicou anos de sua vida à imprensa dissidente, convocando o povo à luta ativa pela defesa do Donbass – além de ele próprio pegar em armas.
Hoje, com o processo de pacificação avançando pela iminente vitória russa, Yurov continua seu trabalho pelo bem do povo de Lugansk. Amado por seu povo, é deputado no Parlamento da República Popular, sendo cumprimentado e saudado por onde passa nas ruas do oblast. Sua história pessoal de luta física e informacional pelo povo local é amplamente reconhecida e recompensada através do carinho com o qual cada cidadão de Lugansk o aborda. É de certa forma surpreendente pensar como, mesmo com a exclusão social e a polarização provocadas pelo regime de Kiev, o povo do Donbass continua tendo apreço por seus irmãos ucranianos, apontando o começo da crise como o próprio ponto de origem do conflito. Eles não leem a história da guerra desde uma perspectiva exclusiva de seu próprio sofrimento – em vez disso, lamentam pela queda do próprio país que os perseguiu.