É fundamental sempre reafirmar os vários aspectos do conflito: religioso, histórico, econômico, geopolítico, cultural, etc, para se ter uma visão completa da questão Israelo-Palestina.
O genocídio de décadas do sionismo judaico contra o povo palestino, a humilhação, o horror, a destruição, a morte e o exílio de milhares de milhares de palestinos na Faixa de Gaza neste mês é apenas um exemplo de um conflito que está além de qualquer tipo de lógica, mesmo que a mídia de massa ocidental tente vender ao mundo que se trata apenas de uma resposta lógica e justa ao ataque terrorista do grupo Hamas no início de outubro deste ano.
Um elemento por excelência da manipulação das causas reais desse massacre permanente e do extermínio planejado pelos sionistas é o “pertencimento territorial”. Em primeiro lugar, porque ele não é apenas desconhecido e difícil de entender a ponto de poder ser esclarecido e revertido, mas também porque milhões de pessoas se submetem a acreditar nele de forma alienante, religiosa e inquestionável. Portanto, entender o conflito árabe-palestino-israelense envolve voltar no tempo e explorar a história, a cultura, a religião e a geografia dos diferentes povos que habitam a região há milênios.
A partir de uma perspectiva antropológica e etnológica, que exige uma análise geopolítica, podemos observar que a base do conflito nos remete ao surgimento dos cananeus, filisteus e hebreus, bem como de outros povos da região, e entender como isso é manipulado religiosamente a seu favor.
Povos e Territórios
Os cananeus:
Um dos grupos mais antigos a habitar a região hoje conhecida como Palestina/Israel. Eles surgiram na região há milhares de anos, por volta do terceiro milênio a.C. Eram um povo semita que se estabeleceu em uma terra fértil e estrategicamente localizada, com acesso ao Mar Mediterrâneo. Um “povo semita” refere-se a grupos étnicos e culturais que compartilham uma herança cultural e um idioma comuns, conhecidos como línguas semíticas. Essas línguas incluem o hebraico, o árabe, o aramaico, o acádico e outras.
O termo “semita” é derivado de Sem, um dos três filhos de Noé (Sem, Cam e Jafé) que, na narrativa bíblica, após o Dilúvio, Noé e seus filhos se tornaram os ancestrais da humanidade. Esses, pelo fenótipo racial, dividiram e povoaram a África (Cam), o Oriente Médio (Sem) e a Europa Oriental (Jafé).
Os povos semitas se originaram e viveram em várias regiões do Oriente Médio, norte da África e partes da Península Arábica. Esses povos compartilharam características linguísticas, culturais e, em alguns casos, religiosas ao longo da história. E, como é básico nas relações humanas, os conflitos por territorialidade, crenças religiosas e poder moldaram seu desenvolvimento histórico.
Alguns dos grupos étnicos e culturas semitas mais conhecidos incluem:
Árabes: O maior grupo étnico que fala línguas semíticas, especialmente o árabe.
Arameus: Estavam localizados em áreas que incluíam a região de Aram-Damascus, na Síria.
Acádios: Antigo povo semita que vivia na região da Mesopotâmia.
Fenícios: Eles viviam na região costeira do Levante, no que hoje é o Líbano. Eram conhecidos por seu comércio e navegação.
Religiosamente, os cananeus adoravam uma variedade de deuses e deusas, incluindo Baal e Astarte. Suas crenças e práticas religiosas incluíam sacrifícios rituais e adoração em altares sagrados. Sua cultura estava intimamente ligada à terra e à agricultura, e eles se viam como um povo escolhido por seus deuses para habitar essa terra fértil.
Essa é uma das primeiras fontes de conflito religioso com os hebreus (judeus), pois esses deuses são mencionados em várias passagens da Bíblia hebraica (Antigo Testamento), em um contexto em que os profetas hebreus condenam a adoração dessas divindades como idolatria. A luta contra a adoração de Baal e Astarte se tornou a primeira tentativa de impor crenças religiosas de um povo a outro.
Os filisteus: Os filisteus, também conhecidos como “pelezeth” nas inscrições egípcias antigas, eram um povo do mar que se estabeleceu na costa sudoeste da região, dentro e ao redor do que hoje é Gaza. Os filisteus apareceram na região por volta do século XII a.C., muito antes dos hebreus.
Culturalmente, os filisteus eram diferentes dos cananeus e dos hebreus. Eles tinham suas próprias divindades e práticas religiosas. Um de seus deuses mais conhecidos era Dagon. Além disso, os filisteus eram conhecidos por suas proezas na guerra e na metalurgia, e é atribuída a eles a introdução da tecnologia do ferro na região. Os filisteus são bem conhecidos por seu confronto com os hebreus na Bíblia.
Nem os cananeus nem os filisteus existem hoje como um grupo étnico ou cultural; seu nome perdurou ao longo da história e eles foram absorvidos por outros grupos e civilizações que conquistaram a região.
Os hebreus: Praticavam uma forma primitiva de monoteísmo, adorando o Deus Jeová. Eram um grupo étnico e religioso, que surgiu na região no início do segundo milênio a.C. muito depois dos cananeus e filisteus e “fazem crer”, por meio da bíblia, que são descendentes de Abraão, que descendia de Sem. Mas, se observarmos bem, Abraão veio da cidade de Ur (localizada no Iraque) dos caldeus e, vindo de Sem, ele era de raça semita e fenótipo árabe semita do tipo iraquiano, iraniano ou saudita.
Os caldeus eram um antigo grupo étnico originário da região caldeia da Baixa Mesopotâmia, que corresponde principalmente ao sul do atual Iraque. Cananeus, filisteus ou hebreus eram grupos diferentes com suas próprias identidades e territórios distintos. A relação dos caldeus com esses grupos era principalmente geográfica. Sua influência na região da Babilônia e seu papel na criação do Império Neobabilônico, que incluiu a conquista de Jerusalém e a deportação dos hebreus do Reino de Judá em 586 a.C. pelo rei Nabucodonosor II.
De uma perspectiva histórica, os hebreus habitaram a região em vários estágios e períodos, estabelecendo o Reino de Israel e o Reino de Judá antes de serem conquistados e exilados por potências estrangeiras, como os assírios e os babilônios. Vale ressaltar que na região conhecida como “Terra de Canaã” (A Terra Prometida), além dos cananeus, filisteus e hebreus, viviam vários grupos étnicos e culturas, tais como os:
Amorreus: habitavam várias partes da Terra de Canaã.
Jebuseus: habitavam a cidade de Jebus, que mais tarde se tornou Jerusalém. Os hebreus, sob a liderança do rei Davi, capturaram Jebus e fizeram dela a capital de seu reino, Jerusalém.
Hititas: embora originários da Anatólia (atual Turquia), os hititas tinham uma grande presença nessas terras.
Fenícios: viveram principalmente na costa do Mediterrâneo, no que hoje é o Líbano. Eram conhecidos por sua habilidade em navegação e comércio e fundaram colônias comerciais em toda a região do Mediterrâneo.
Arameus: falavam a língua aramaica e viviam nas áreas vizinhas, como Aram-Damasco. O aramaico tornou-se um idioma importante na região e era falado em todo o Oriente Próximo.
Edomitas e moabitas: esses grupos viviam a leste da Terra de Canaã, no que hoje é a Jordânia e partes do deserto de Negev.
Filonitas: habitavam a região da Filístia.
Cada um desses grupos étnicos tinha sua própria cultura, idioma e tradições, e sua interação na região de Canaã ao longo dos séculos influenciou a história e a diversidade cultural da região. Foi a presença árabe semita que mais se dispersou pelo Oriente Médio, e não a hebraica. No caso da Palestina, isso pode ser entendido como uma identidade que é um produto da diversidade étnica e religiosa dos povos mencionados acima e dos lugares que eles originalmente habitavam.
Isso explica tacitamente que o território da Palestina não pode ser inteiramente de Israel, mas amplia o espectro do conflito palestino-israelense e, portanto, eleva-se ao nível de um conflito árabe-israelense devido às origens dos povos originais.
Bases religiosas do conflito:
A base religiosa do conflito sobre o território palestino-israelense é profunda e complexa. Para os judeus, a terra de Israel é vista como sua herança histórica e espiritual, prometida por Deus (Jeová) a Abraão, mas como Abraão era descendente de Sem, a terra prometida não era para os judeus jafetitas ou cametitas, mas para seus descendentes semitas.
Para os palestinos, portanto, a terra também tem um profundo significado religioso. A Cidade Velha de Jerusalém é o lar de importantes locais sagrados muçulmanos, como a Mesquita Al-Aqsa. Além disso, os cristãos consideram Jerusalém um lugar de significado religioso por causa de sua associação com a vida de Jesus, que também era semita. É por isso que os próprios judeus o condenaram a ser crucificado? É por isso que os judeus não o reconhecem como o messias?
Bases culturais do conflito:
Essas bases remontam aos tempos antigos e evoluíram ao longo dos séculos, sendo integradas a partir de: Língua e Cultura, Arte, Música e Literatura, Educação e Mídia, História do Conflito e Identidades Religiosas, que geram três grandes temas que sustentam o conflito.
Patrimônio cultural e territorial: ambos os grupos, judeus e israelenses, de um lado, e palestinos, de outro, reivindicam direitos históricos e uma conexão ancestral com a terra. Esses direitos se baseiam em narrativas culturais com milhares de anos.
Narrativas de exílio e retorno: Exílio assírio (722 a.C.) Quando o Reino do Norte de Israel foi conquistado pelo Império Assírio em 722 a.C., isso resultou na dispersão das tribos do Norte de Israel. Essas tribos são conhecidas como as “Dez Tribos Perdidas” apenas em termos da narrativa bíblica.
Exílio babilônico (586 a.C.), que ocorreu após a destruição do Primeiro Templo em Jerusalém pelo rei babilônico Nabucodonosor II em 586 a.C. Durante esse exílio, grande parte da população judaica foi levada cativa para a Babilônia.
Exílio romano (70 d.C. e 135 d.C.): após a destruição do Segundo Templo em Jerusalém, em 70 d.C., durante a Grande Revolta Judaica, muitos judeus foram levados cativos pelos romanos. Além disso, após a revolta liderada por Bar Kohba em 135 d.C., os romanos proibiram os judeus de viverem em Jerusalém e nos arredores, resultando na dispersão da população judaica por todo o Império Romano.
Diáspora judaica e Palestina: Ao longo da história, os judeus se dispersaram pelo mundo, estabelecendo comunidades judaicas em todos os lugares. Isso manteve a ideia de um retorno à terra ancestral de Israel, conhecida como a “Terra Prometida”, que foi fundamental para o movimento sionista, que defendia a criação de um Estado judeu na Terra de Israel.
Eventos traumáticos, como a Nakba em 1948 (o banimento dos palestinos), resultaram em um número total de mortes de árabes palestinos estimado em cerca de 13.000 pessoas. Cerca de 750.000 árabes palestinos foram expulsos e banidos de suas casas, tornando-se refugiados. A maioria deles se estabeleceu em campos improvisados na Cisjordânia (Transjordânia ocupada). Ou o campo de concentração de mais de 2 milhões de palestinos em Gaza, que não podem entrar ou sair por causa do cerco sionista.
De tal forma que: a) A criação de Israel em 1948 foi percebida como um “retorno ao lar” para muitos judeus. b) Da mesma forma que a não conformidade com a criação do Estado palestino gerou uma enorme diáspora no exílio por causa do roubo de suas terras, eles mantiveram a demanda pelo “direito de retorno” dos refugiados palestinos a seus lares.
Os interesses das potências no conflito
Esses são muito mais fáceis de explicar e acreditar, pois não são narrativas de fé religiosa, mas ações políticas, militares e econômicas de atores internacionais à luz de seus interesses econômicos e especulativos privados, que, juntamente com grupos sionistas da Grã-Bretanha e dos EUA, são os verdadeiros culpados pelo horror desse conflito e pela barbárie aplicada ao povo palestino.
Os interesses geopolíticos da Grã-Bretanha no Oriente Médio durante os séculos XIX e XX estavam relacionados a objetivos estratégicos, econômicos e políticos de manutenção e expansão de seu império colonial, que até hoje têm um impacto significativo na formação da região e de sua história moderna.
- O controle de rotas comerciais estratégicas terrestres e marítimas para garantir o fluxo de recursos e matérias-primas para o Reino Unido: A região do Oriente Médio, com sua localização geográfica entre a Europa, a Ásia e a África, foi e continua sendo de importância fundamental nesse sentido. O Canal de Suez, por exemplo, que conecta o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, tornou-se uma rota de trânsito vital também para o envio de forças militares e a projeção do poder britânico na região e fora dela.
- Controle e apropriação de recursos naturais estratégicos: da indústria do petróleo, de minerais em países como Iraque, Irã e Arábia Saudita e de produtos agrícolas na região.
- Enfraquecimento do Império Otomano: na IGM, sua posição geográfica, que abrangia grande parte do Oriente Médio, era crucial para o controle do comércio e das rotas marítimas. Além disso, a proteção dos interesses econômicos na região otomana, incluindo investimentos em ferrovias, empresas petrolíferas e comércio, estendia-se até a Índia.
Daí o apoio disfarçado aos movimentos árabes contra o Império Otomano. Um exemplo proeminente foi o apoio ao líder árabe xarife Hussein bin Ali e sua Revolta Árabe, que buscava libertar os territórios árabes do domínio turco-otomano. A Grã-Bretanha estabeleceu alianças e acordos políticos com líderes e governos da região para garantir o estabelecimento de mandatos da Liga das Nações em territórios como a Palestina e a Mesopotâmia após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Portanto, o apoio da Grã-Bretanha às organizações sionistas e seu apoio ao estabelecimento do Estado de Israel no final do século XIX e início do século XX está relacionado aos interesses geopolíticos que mencionei anteriormente no Oriente Médio. As organizações eram vistas como um meio de ganhar influência na região e garantir o controle estratégico de áreas importantes. A Declaração Balfour de 1917, emitida pelo então Secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, Arthur Balfour, expressou o apoio britânico à criação de “um lar nacional para o povo judeu” na Palestina, que é a pedra angular do conflito.
A fusão do capital e da dominação judaica anglo-saxônica na política e na economia americanas
Após a Segunda Guerra Mundial, a estratégia de domínio e controle britânico continuou. Os EUA desenvolveram seus interesses geopolíticos no Oriente Médio, que também influenciaram sua política na região até hoje.
O petróleo tornou-se um recurso estratégico fundamental no período pós-guerra. Garantir o acesso a essas reservas e controlar os preços do petróleo era de interesse primordial. A formação de alianças com países produtores de petróleo, como a Arábia Saudita, tornou-se uma parte importante da política dos EUA na região.
A contenção do comunismo e da influência soviética no Oriente Médio incluiu a criação de aliados estratégicos, como Israel, Arábia Saudita, Irã e Turquia, que forneceram bases militares, recursos estratégicos e apoio às políticas dos EUA na região.
Isso envolveu alimentar conflitos que levaram a rivalidades entre Estados, como Iraque x Irã, Paquistão x Índia, Arábia Saudita x Irã ou a criação de grupos terroristas, como a Al-Qaeda e outros. A construção desses elementos desestabilizadores para controlar o equilíbrio de poder permitiu que eles exercessem uma liderança regional ameaçadora. Como no caso da posse de armas nucleares por Israel, sem permitir que outros as possuíssem.
Por esse motivo, nem os persas (Irã), nem os turcos, nem os árabes conseguiram destruir Israel. Pelo contrário, eles foram penetrados pelos serviços de inteligência ocidentais e israelenses para dividi-los e enfraquecê-los de sua posição de unidade árabe em apoio à Palestina. O exemplo mais grosseiro de operações de inteligência foi o assassinato de Yasser Arafat e a criação do grupo Hamas para minar a unidade palestina e o prestígio de sua luta em sua forma radical.
Se observarmos atentamente todas as vezes que o Hamas age contra Israel, a resposta do governo sionista é assimétrica em termos de destruição da infraestrutura e de vidas humanas, especialmente de crianças palestinas. Essas ações servem como desculpa para o genocídio e o banimento dos palestinos e para o aumento de uma força militar cada vez mais destrutiva. Especula-se amplamente que, desta vez, os serviços de inteligência não previram o ataque deste mês, mas, em resposta, o governo sionista ameaçou que, se 1,5 milhão de seu povo não deixasse Gaza, eles se arrependeriam pelo resto de suas vidas, dando continuidade à sua estratégia de ocupação e usurpação do território palestino.
Concluindo, foram a Grã-Bretanha, os EUA e o capital judaico global que forneceram a “Terra Prometida” a Abraão à custa do martírio e do extermínio do povo palestino. Eles o armaram até os dentes e permitiram que ele cometesse os níveis de genocídio impunemente contra eles. É por isso que até hoje Israel tem o prazer e o capricho de não cumprir 95% das resoluções da ONU a favor de permitir o retorno à sua terra de milhões de palestinos espalhados por todo o planeta, muito menos a construção de um Estado palestino. O holocausto palestino continua, assim como sua resistência.
Fonte: Geopolitika.ru