Um chamado à virilidade

Mircea Eliade apela para um abraço resoluto de esperança e ação diante da decadência e da escuridão, acendendo a chama do triunfo da vida em meio aos desafios da era moderna. Um verdadeiro ode ao otimismo escatológico.

Acho que não há mais necessidade de nos descrevermos. O mundo inteiro sabe que estamos vivendo um momento triste e sem esperança, que somos servis e impotentes, que estamos afogados pela decadência, covardia e cinismo. Para onde quer que se vire a cabeça, não se ouve nada além de gritos, fofocas, críticas e tristeza. Nós nos lamentamos sem nenhum orgulho, perdemos nosso tempo reclamando, desperdiçamos nosso tempo em críticas, negações e discussões. Se um extraterrestre investigasse nossas palavras – e não investigasse também nossa vida -, pensaria que somos o povo mais derrotado por Deus, que estamos à beira de uma catástrofe definitiva, que tudo está perdido e perdido para sempre. Somos realmente pessoas sem orgulho de sofrer; ou, mais precisamente, perdemos completamente esse orgulho.

Em meio a essa decadência total, em meio a esse pântano social em que vivemos, um único grito merece ser exclamado: alegria, louvor, esperança profética. Um único gesto merece ser realizado: o gesto da criação, o gesto da Vida que sabe retomar tudo desde o início, o gesto furioso de um pedreiro que lança todos os dias um alicerce, que o destino da noite desmorona. Em meio a esse inferno moderno, com suas fumaças decadentes, com suas luzes de fosforescência cadavérica, com sua miséria humana, com seu colapso ético, com seu caos espiritual – uma única virtude deve erguer os braços: a virilidade, o orgulho de seu sofrimento, o orgulho de sua miséria, o orgulho de sua esperança sem esperança. Quando tudo ao seu redor está apodrecendo, por que você deveria ter medo? Sua vida sempre pode começar de novo. Quando tudo perde o sentido, tudo se torna vazio e fútil, por que você deveria chorar? Sua simples presença viva atropela todo o nada do mundo, toda a futilidade da criação.

É verdade; somos estúpidos e réprobos; somos pequenos e pecadores; somos incapazes, servis, triviais, medíocres, tudo isso. Diante dessas verdades, eu gostaria que uma dúzia de jovens gritasse: e daí? Que gritassem seu desprezo pelo destino, pela hora triste que estamos fadados a viver, pela nossa miserável condição humana, por tudo o que é medíocre, lamentável e inerte em nossa tradição europeia e cristã. Gritar todos os dias, na frente de cada homem, na frente de cada evento: e daí? E DAÍ? Tudo o que você diz é verdade; tudo o que está acontecendo é verdade; nossa trágica limitação também é verdade, e nossa decadência e a evanescência de nossas ações são verdadeiras. É verdade; é verdade; é verdade!

E ainda assim, gritar “E daí?” Enquanto eu estiver vivo, enquanto a Vida estiver do meu lado, enquanto o milagre da Criação estiver em minha carne, em meu sangue, em meu espírito – que poder das trevas poderia me engolir? Que miragem do vazio poderia me desmoronar? Que caos é tão grande que possa se comparar àquele imensurável pingo de Vida que me foi dado?

Não, senhores, tudo o que está apodrecendo ao nosso redor não foi feito para nos deprimir; pelo contrário, é um convite da Vida para imitarmos seu gesto inicial, a criação; o nascimento; o renascimento. É um convite à boa vontade, à coragem, à ação. Ação que nem sempre significa esforço exterior, mas nossa própria vida, sua realização triunfante, seu crescimento e organicidade vitoriosos. Nossa vida – que essa seja nossa ação. Vamos iluminá-la, exaltá-la, mantê-la inalterada e bela em meio a tantas forças das trevas. Nossa vida, por si só, é a resposta sobre a qual nenhuma negação, nenhuma crítica, nenhuma dinamite metafísica pode passar. A morte só existe para aquele que a aceita. A derrota não existe, a não ser para aquele que não retorna à batalha. Tudo poderia ser destruído, tudo poderia se desfazer em pó, tudo passa – exceto pelo gesto da Vida. E esse gesto está em nós, sua justificativa é a nossa própria existência.

Todas as objeções que encontro ultimamente em meu caminho me parecem tão absurdas; tão absurdas e ineficazes. Um deles me diz: o homem moderno é atenuado e medíocre. Talvez isso seja verdade. E se for verdade? Esse é um motivo para sermos ainda mais duros em nosso sofrimento e em nossa criação… Para gritarmos ainda mais alto nossa alegria de sermos homens modernos. Para ter a certeza de que, por meio de nosso gesto de Vida, superaremos nossos limites atuais.

Outro me diz: vivemos em uma hora trágica, uma hora que cancela qualquer tentativa de criação, qualquer ímpeto espiritual. E o que isso prova? Quanto mais trágica a hora, quanto mais perversa, quanto mais sombria ela for, mais precisamos nos endurecer em esperança, em esforço, em virilidade. Há nações inteiras que sofreram muito mais do que nós. Há pessoas que passaram por uma tragédia muito mais perversa do que a nossa. Acho que Prometeu, Édipo, Antígona, Fedra – sofreram um inferno interior mil vezes mais árduo do que o nosso. E se eles se deixaram derrotar, fizeram isso porque não conheciam a Esperança. Mas nós, que conhecemos tanto a Vida quanto a Esperança, que verificamos diariamente nossa desesperança por meio de nossa esperança – ainda temos o direito de reclamar, de criticar, de nos resignar?

Tudo isso prova a falta de virilidade. Fico com vontade de gritar quando vejo tantas pessoas inteligentes se desesperando com nossa condição humana e social e se lamentando aos quatro ventos que estão sofrendo, que tudo é vazio, que tudo é fútil. Tudo isso é trivial. Tudo isso não prova nada. Você poderia gritar por mil anos que a vida é inútil – ela não vai parar nem por um momento de crescer, de jorrar em tudo, de proclamar sua vitória em todos os lugares. Toda crítica é inútil, toda negação é ineficaz diante da Vida. Vida que pode fazer tudo – a despeito de qualquer caos ou catástrofe. A própria Terra poderia se rachar e isso ainda não significaria nada. Se eu fosse o último homem que restasse na Terra, ainda assim gritaria: “E DAÍ?” diante de qualquer cataclismo. O que a morte pode fazer contra o milagre de nossa vida?

Mas para estas simples coisas – ninguém está atento. Há um pânico de desespero, uma mania coletiva diante do mal, uma histeria diante do efêmero, um medo sugerido diante do nada. Todas essas pessoas olham para a escuridão e o caos com paixão. Elas têm medo da luz, porque a luz significa resistência absurda contra qualquer eventualidade, superação contínua, vida contínua. É muito mais confortável sentar-se na escuridão e na negação. É muito menos responsável. É muito menos corajoso se desesperar do que ter esperança contra qualquer evidência e qualquer desesperança.

Vamos lá, senhores, desacelerem a choradeira, diminuam o ritmo do desespero. Procurem em seu ser interior aquele pingo de loucura e ação divinas, tragam à luz aquele ridículo E DAÍ? e joguem-no corajosamente no coração da podridão que nos cerca. Há tanta morte ao meu redor que não sei como comprimir minha alegria selvagem de que um dia um novo mundo crescerá em cima de todos esses cadáveres.

Fonte: Arktos
Tradução: Augusto Fleck

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Mircea Eliade

Professor, cientista das religiões, mitólogo, filósofo e romancista romeno.

Artigos: 597

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