A Linha Surovikin

Após 45 dias de ofensiva, pode-se afirmar com tranquilidade que o último esforço ucraniano de derrotar a Rússia e de forçá-la à mesa de negociações foi um fracasso retumbante. Isso graças às linhas defensivas montadas pelo General Surovikin.

A melhor maneira de verificar o fracasso da atual ofensiva ucraniana, pelo menos até agora, é a discrição e o silêncio da mídia. Se a operação tivesse ocorrido de forma diferente, ela teria sido o centro de todas as manchetes. Mas a triste realidade é outra: os temíveis leopardos alemães se tornaram uma espécie em extinção e uma recompensa de um milhão de rublos é dada ao militar russo que capturar um desses vermes. As ações da Rheinmetall despencaram quando as fotos da sucata alemã transformada em fosfatina nas estepes da Nova Rússia começaram a ser publicadas. Mas a culpa não é das máquinas ou dos corajosos ucranianos que ousam tripulá-las, mas de seus patrocinadores – aqueles que planejaram uma ofensiva para satisfazer a necessidade de vitórias dos investidores ocidentais. Porque essa aventura não foi planejada com base em critérios militares, mas em marketing.

Nas últimas semanas, a prestigiosa imprensa ocidental descobriu que os russos não lutam tão mal assim, que parecem saber algo sobre artilharia e fortificação e que não são apenas a horda de bêbados e incompetentes que nossos “especialistas” nos descrevem.

Além disso, ficou provado que os bárbaros moscovitas têm um domínio aéreo avassalador e são muito eficazes na guerra eletrônica, ainda mais do que os invencíveis americanos. O general Sergei Surovikin, que assumiu a liderança da linha de frente da Operação Militar Especial em setembro do ano passado, é o culpado por tudo isso. Quando esse general assumiu o comando, os objetivos da intervenção russa na Ucrânia foram parcialmente alcançados: o essencial, que era impedir a limpeza étnica do Donbass, e alguns secundários, como a ligação terrestre entre a Crimeia e o restante da Federação Russa, o controle do Mar de Azov e a destruição da força aérea ucraniana e de boa parte de seu exército. Mas o regime de Maidan não caiu e o Ocidente conseguiu impedir um acordo de paz em março e abril de 2022. Outro sucesso da OTAN foi o rearmamento acelerado do exército abatido de Zelensky. As poucas tropas russas que guardavam a frente não foram reforçadas após o fracasso político de abril e, em agosto e setembro, ocorreram as ofensivas ucranianas em Kharkov e Kherson.

A primeira foi um sucesso devido à cobertura deficiente dessa frente, mas os russos conseguiram se retirar sem grandes perdas e após brilhantes batalhas de retaguarda em Krasniy Liman, onde romperam o cerco ucraniano duas vezes. O exército de Kiev pagou por seu sucesso militar com um número muito alto de baixas, porque a superioridade aérea russa compensou em parte a baixa densidade de suas forças terrestres. Em Kherson, a ofensiva ucraniana foi um fracasso sangrento, especialmente em Ingulets, onde o vau desse rio custou milhares de mortos em frente a uma linha russa que permaneceu imóvel. Foi o medo de Surovikin de que a represa de Nova Kakhovka estourasse e deixasse seus trinta mil homens sem comunicação que o levou a tomar a decisão mais difícil da intervenção russa: abandonar Kherson e retirar-se para a margem direita do Dnieper. Derrota política, e não militar, para a Rússia e sucesso espetacular de propaganda para Zelensky.

Surovikin anunciou decisões difíceis, e a Operação Militar Especial mudou de rumo: trezentos mil reservistas com experiência em combate foram mobilizados, a frente foi fortificada, o destacamento militar ganhou profundidade e densidade, e teve início uma guerra de atrito na qual os mísseis russos danificaram gravemente a rede elétrica inimiga e destruíram armazéns, campos de aviação e dispositivos militares ucranianos. Em agosto, teve início a libertação de Artyomovsk (Bakhmut) pelos wagneritas, e Zelensky encarou a defesa da cidade como um desafio pessoal. Após nove meses de luta e repetidas recusas de retirada, a “Stalingrado de Zelensky” foi conquistada pelos russos em maio, depois de causar setenta mil baixas ao exército de Kiev. Outro fato importante: de cada dez ucranianos mortos em Artyomovsk, oito foram mortos por fogo de artilharia russa. Também não é insignificante o fato de que, ao contrário do que normalmente acontece, as baixas dos atacantes foram menores (cerca de quarenta mil, dos quais cerca de vinte mil mortos) do que as dos defensores.

Havia sinais óbvios de que lançar uma ofensiva contra a Linha Surovikin era uma loucura. Mas, nos últimos meses, a Ucrânia passou por um misterioso eclipse: O general Zaluzhny, o verdadeiro herói nacional daquele país, desapareceu do cenário público e só foi visto em fotos de autenticidade duvidosa. Seu papel na vida política e militar da Ucrânia diminuiu repentinamente, o que é muito importante porque, sem dúvida, ele é o melhor substituto que resta para Kiev no caso de colapso do regime de Zelensky, que é cada vez menos popular entre seus patrocinadores americanos, que estão em crescente desacordo com os britânicos, os melhores aliados do atual líder. Zelensky nunca deu muita atenção aos conselhos militares ou ao custo humano de suas iniciativas. Se seu coração não tremeu em Ingulets ou em Artyomovsk, também não tremeu em Orekhovo, nem nos vilarejos da zona cinzenta: As brigadas de elite ucranianas, armadas e treinadas pela OTAN, como a famosa 47ª, foram sacrificadas em uma ofensiva que mal tocou a linha de frente russa.

Mais de duzentos e cinquenta veículos blindados enferrujam diante da inamovível Linha Surovikin, que nos recorda a excelente tradição dos engenheiros militares russos, a de Totleben em Sevastopol ou as defesas soviéticas em Kursk. Há apenas uma diferença: Totleben enfrentou um inimigo que tinha um armamento muito superior ao da Rússia atrasada de Nicolau I. Os homens de Zhukov em Kursk tinham a Wehrmacht de Manstein do outro lado de suas linhas. Surovikin enfrentou um exército armado e treinado pela Europa progressista, incapaz de igualar os números de produção de armamento da Rússia. O arsenal das democracias está sendo esticado até o limite e o tempo está correndo cada vez mais para o lado do Kremlin. 2024 é um ano eleitoral nos Estados Unidos e o senil Biden está se apresentando ao seu eleitorado com uma guerra que ele não pode vencer e que nem a Rússia nem a China estão interessadas em “congelar”. Eles não têm pressa.

A “Sanjurjada” de Prigozhin

Quando os hierarcas nazistas estavam vivendo sua véspera particular do apocalipse em Berlim, chegaram a eles as notícias da morte de Roosevelt, que Goebbels imediatamente identificou com o Milagre da Casa de Brandemburgo em 1761, quando a czarina Elizabeth morreu e foi sucedida no trono por Pedro III, um idiota coroado, mas um admirador devotado de seu tio Frederico. O velho Fritz, que estava pensando em cometer suicídio, fez as pazes com seu parente e conseguiu tirar a Prússia da pior situação de sua história. Algo semelhante aconteceu atualmente com a Sanjurjada de Prigozhin, produto de uma luta pelo poder com Shoigu e Gerasimov, que o peculiar condottiero do Grupo Wagner perdeu. Possivelmente, ele já sabia disso há muito tempo e seu movimento absurdo teve a ver com uma solução pessoal para a inevitável absorção de seus tercios pelo comando russo.

Algumas horas foram suficientes e a tempestade se dissolveu na brisa quente da estepe. Apesar da popularidade dos wagnerianos, toda a Rússia cerrou fileiras com seu presidente, desde o patriarca até os comunistas. Esse não seria outro fevereiro de 1917. Mas foi fantástico ver as manchetes da imprensa ocidental: Putin já estava nas últimas; a guerra civil havia estourado na Rússia; o Kremlin estava mostrando sinais de fraqueza; um golpe de Estado completo; um golpe como o de Pugachev.

Não houve milagre para a Casa Zelensky, o ditador ucraniano não recuperará sua luxuosa vila na Crimeia, nem o ministro das Relações Exteriores tcheco irá no próximo verão para suas praias (a menos que seja como prisioneiro de guerra). A Rússia, assim como a Linha Surovikin, é mais forte do que tudo isso.

Fonte: The Postil

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Quinto Sertorio

Analista político espanhol.

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