O Brasil e a multipolaridade

Somente o Brasil poderá sustentar e levantar o Brasil enquanto potência nacional e ibero-americana, e para que isso seja possível, é preciso que o poder internacional esteja descentralizado em vários polos civilizatórios dos quais o Brasil é vocacionado a ser um deles

No século XXI, o ideal de autodeterminação dos povos, consagrado na Conferência de Bandung, de 1955, torna-se realidade dentro do sistema internacional designado multipolaridade. Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, a hegemonia estadunidense estabelecida na Conferência de Bretton Woods, de 1944, não mais orienta o destino da maior parte da humanidade, não porque a elite do poder dos Estados Unidos tenha abrido mão do poder exorbitante que exerce através do dólar e do seu poderio militar, mas em razão do ressurgimento dos tradicionais polos geoeconômicos e geopolíticos eurasiáticos. Sim, tradicionais, pois, ao contrário do que supõem os cânones da historiografia ocidental, a maior parte da história mundial se passou na Eurásia, epicentro telúrico e demográfico planetário onde se concentravam, até meados do século XIX, as mais exuberantes civilizações e os principais núcleos manufatureiros e rotas comerciais do mundo.

As revoluções industriais ocorridas então no Atlântico Norte representaram uma ruptura no cenário internacional, pois a vanguarda técnica propiciada pela moderna industrialização permitiu às oligarquias ocidentais prevalecer militar e economicamente sobre civilizações que, sabiam elas bem, muito lhes eram superiores. Os não-ocidentais aprenderam a lição da história: a defesa das suas próprias tradições somente seria possível se escorada na dianteira tecnológica, razão pela qual, desde o processo de descolonização, em meados do século XX, esses países dedicaram-se a construir dinâmicas desenvolvimentistas internas, paradoxalmente com a colaboração dos próprios capitalistas ocidentais, que, em sua busca de lucro, aceitaram os termos mutuamente vantajosos oferecidos pelos governantes do então Terceiro Mundo para migrar as suas fábricas e em muitos casos transferir tecnologias, e, assim, agilizar a construção de economias nacionais autocentradas.

Diferentemente do que supunham os teóricos da modernização, a modernização econômica subsequente não foi acompanhada de ocidentalização cultural, pelo contrário, foi dirigida para proporcionar aos não-ocidentais meios materiais superiores de defesa e projeção, sendo a multipolaridade o amadurecimento desse processo histórico.

No caso do Brasil, a inserção na multipolaridade é o único caminho para o nosso País realizar a sua vocação de liderança iberoamericana, lusófona e católica, elementos marginalizados pela cúpula do poder ocidental, reivindicativa não da antiguidade greco-romana, da Reconquista e do Renascimento, caudal genético brasileiro, mas da Reforma Protestante e do Iluminismo, antagônicos aos valores formadores do Brasil.

Dentro da falida unipolaridade estadunidense, onde hoje se inscreve o chamado Ocidente, nada seremos além de colônias; nossa soberania somente será possível na multipolaridade, cuja descentralização permitirá substituir a anarquia internacional engendrada pelo imperialismo ocidental-capitalista pelo diálogo de civilizações no qual, em função de sermos os maiores representantes da latinidade, poderemos nos posicionar de forma altiva e vantajosa. Somente o Brasil poderá sustentar e levantar o Brasil enquanto potência nacional e ibero-americana, e para que isso seja possível, é preciso que o poder internacional esteja descentralizado em vários polos civilizatórios dos quais o Brasil é vocacionado a ser um deles

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Felipe Quintas
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