Nesse texto veremos como organizações transnacionais são manipuladas para implantar agendas de governos estrangeiros e de ONG’s em países membros sem passar por nenhum consentimento popular.
“Eles contribuem para o fundo da Corte e, portanto, o obrigam a destinar os fundos para projetos que eles decidem”, diz María Anne Quiroga, diretora de pesquisa do Global Center for Human Rights (GCHR) e coautora, junto com Sebastián Schuff, nesta entrevista, do relatório “Balance del financiamiento de la CIDH y la Corte Interamericana 2009-2021. Opacidades e influencias en una financiación condicionada”.
O estudo realizado pelo GCHR durante um período de 13 anos com base nos relatórios da própria organização – mostra como grupos de interesse, empresas e até governos de países que não são membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), desenvolvem uma ação de lobby por meio de contribuições para o financiamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), formado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
O resultado é chocante: muitos relatórios da Comissão e, mais grave ainda, decisões do Tribunal mostram uma correlação alarmante com os recursos recebidos para uma destinação pré-determinada: ou seja, com uma finalidade específica no algo que o doador tem interesse.
Tanto a Corte quanto a Comissão contam com um orçamento orgânico, pode-se dizer oficial, que provém das contribuições dos membros da OEA. Mas há vários anos uma outra modalidade foi habilitada: contribuições “extraordinárias” de fundações, ONGs, governos e empresas. Freqüentemente, essas contribuições têm um título, ou seja, especificam o tema que se espera que a Comissão e a Corte tratem. Isso pode definir um viés em organizações que deveriam ser imparciais.
Por exemplo, o trabalho de Quiroga e outros cita expressamente um parágrafo muito contundente de um relatório emitido pela CIDH: “As sociedades nas Américas são dominadas por princípios arraigados de heteronormatividade, cisnormatividade, hierarquia sexual, binarismo de sexo e gênero e misoginia. (…) Os estados-membros têm a obrigação de elaborar e implementar projetos que busquem mudanças culturais para garantir o respeito e a aceitação de pessoas cuja orientação sexual, identidade de gênero – real ou percebida -, ou cujas características sexuais diferem dos padrões geralmente aceito pela sociedade”.
Claramente, o parágrafo citado é um abuso da Comissão, porque a condição de Estado membro da OEA não implica de forma alguma “obrigação” de promover “mudanças culturais”. Nada disso consta na carta que dá origem e sustentação ao sistema.
A costumeira confusão entre a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana, e o amálgama entre sentenças e relatórios contribuem para a instalação desses pareceres como “vinculantes”, quando não o são.
O GCHHR mostra que esse financiamento interessado produz coisas como um relatório sobre “Violência contra lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexuais (2015)”, sendo publicado com o apoio do Chile, Dinamarca, EUA, Arcus Foundation, UNAIDS, Holanda e Reino Unido. Outro, em 2019, sobre “avanços” e “desafios” na área de “Reconhecimento dos direitos das pessoas LGBTI”, pelo qual a CIDH agradeceu o “apoio do Wellspring Philanthropic Fund, Trust of the Americas e Fundación Arcus”. E em 2020, outro relatório sobre “Pessoas trans e de gênero diverso e seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais”, com menção ao “apoio financeiro fornecido pelo Trust of the Americas, Wellspring, Arcus Foundation e o governo dos Países Baixos”.
Este sistema de financiamento fez com que as contribuições extraordinárias representem atualmente a metade do orçamento total da Corte e da CIDH, como se pode observar nas tabelas que ilustram esta nota. Essa abertura para recursos extra-orgânicos gera curiosidades como o fato de dois dos principais contribuintes serem países que não pertencem à OEA: Espanha e Noruega. Sem contar o Canadá, também muito generoso, que está na OEA, mas não reconhece a jurisdição da Corte sobre seu território. “Eles não querem que a Corte tenha poder sobre eles, mas querem que ela tenha sobre outros países e é por isso que a financiam”, diz Quiroga.
A CDDH conclui que “as organizações criadas pelos países para proteger e promover os direitos humanos cometeram numerosos abusos, excessos e violações dos próprios tratados que lhes deram origem e significado, ao mesmo tempo em que sofreram processos de prestação de contas transparentes e imparciais”, o que, na opinião dos autores, leva a uma “distorção” daquilo que deveria ser “uma autêntica interpretação dos direitos humanos”.
María Anne Quiroga é franco-argentina e graduada em Direito pela Sorbonne e pela Universidade de El Salvador, onde também é professora associada de filosofia do Direito.
Nesta entrevista, ela explica como o financiamento condicional permite que agentes fora da organização tenham controle sobre sua atividade; algo que fere os pactos firmados pelos países que a compõem.
— O trabalho que realizou no Global Center for Human Rights permitiu confirmar a suspeita de que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos têm um viés em algumas de suas resoluções, julgamentos ou opiniões determinadas pela origem do financiamento que eles recebem?
— Exato. Tanto a Comissão quanto a Corte, que são os dois organismos que compõem o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), recebem dois tipos de financiamento. A primeira é aquela que provém dos fundos ordinários da OEA, os fundos que todos os países-membros contribuem por meio de uma cota anual. Mas o segundo tipo de financiamento é o das contribuições voluntárias ou extraordinárias. Esses recursos podem vir de organizações, empresas e também de países. Com o qual temos uma porta aberta para qualquer um contribuir. O risco, e o que vimos ao pesquisar todos e cada um dos relatórios anuais da Comissão e da Corte, é que essa contribuição é condicionada. Que países ou ONGs façam uma contribuição sem um propósito definido, que não possam decidir para quais projetos esses fundos vão, não seria um problema. Ou talvez sim, mas muito menos. O que está acontecendo agora é que essas empresas, países, organizações financiam o sistema e o obrigam a alocar os recursos em projetos que eles definem.
— Em outras palavras, que uma quantia de dinheiro é destinada à Corte ou à Comissão, deixando claro que o dinheiro deve ir para uma agenda que geralmente é a agenda LGBT ou a agenda feminista?
— Na verdade nem sempre é tão explícito. Muitas vezes os projetos simplesmente têm, digamos, um nome genérico, mas têm o tema. E isso já define a agenda. Em linhas gerais, essas influências têm impacto na definição do tema para o qual os recursos devem ser alocados e é o tema que define a agenda. A OEA e o sistema interamericano deveriam centrar-se nas prioridades de nossa região e não o fazem porque simplesmente há uma agenda que é imposta.
— Estamos em um continente onde abundam as violações dos direitos humanos, situações de injustiça, pouco acesso à justiça, desigualdade; muitas situações de violência social, mas o viés que aparece é o de uma agenda de setores minoritários e não a essencial proteção dos direitos humanos que deveria ser função dessas organizações.
— Completamente.
— Quais são os países e ONGs que mais contribuem com a CIDH e a Corte?
— São muitos. Entre os países, o primeiro, na Corte, é a Espanha por meio de sua Agencia de Cooperación Internacional para el Desarrollo Exterior. Depois temos a Noruega que financia muitos projetos. Finlândia, Holanda, Suécia, Suíça e Reino Unido. Quanto às ONGs, temos a Fundação Arcus, altamente especializada nos direitos das comunidades LGBT, que financia muitos projetos. Temos a Freedom House, a Fundação Ford, a Oxfam. Também ao Open Society que nem apresentamos mais por ser tão conhecida. E depois em termos de empresas vemos, por exemplo, Google, Microsoft e Facebook, entre outras.
— Qual é a diferença entre a Comissão e o Tribunal? Quem são eles e que papel desempenham nesses projetos e nas próprias sentenças?
— É importante ter em mente que essas duas organizações compõem o sistema quase judicial que a OEA tem, e isso faz da OEA uma entidade muito importante, muito mais importante, por exemplo, do que a ONU. Muitas vezes o conteúdo ideológico vem da ONU, mas quem o baixa para os países é a OEA e o sistema interamericano e acaba por impô-lo. Quanto às suas diferenças, a Comissão não tem poder para impor nada aos países. Embora tenha um orçamento de 10 milhões a mais que a Corte, o artigo 41 da Convenção Americana define muito explicitamente que as funções da CIDH são consultivas: promover os direitos humanos na região, elaborar relatórios, consultar os países sobre a situação dos direitos humanos, mas nunca terá o poder de impor qualquer tipo de diretriz aos países. A CIDH é quem recebe os casos, faz uma primeira análise, define se o caso é admissível. Em seguida, publicará um relatório e fará recomendações ao estado do caso concreto. Depois de certo prazo, se o estado não cumprir com essas recomendações, a Comissão poderá decidir remeter o caso à Corte. Nenhum caso vai diretamente ao Tribunal; passa sempre pela Comissão. A Corte recebe os casos em segunda instância e pode ou não seguir as orientações da Comissão, pode fazer audiências, tem todo um intercâmbio entre as vítimas, os países. E então formula uma frase que é a que mais impacto tem no país. Uma coisa importante é que as sentenças da Corte são inter pares, não são erga omnes. Isso é importante porque muitos pensam que as sentenças da Corte têm efeito para todos os países-membros, o que não é verdade. O artigo 68 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece que os Estados se comprometem a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que sejam partes.
— Como é formada a Comissão? Todos os países estão representados?
— Não. Tanto a Comissão quanto a Corte têm sete membros. Na Comissão, os comissários, na Corte, os juízes. Na Comissão, eles têm um mandato de 4 anos, no Tribunal são de 7 anos. Não há representação nacional por país. Os membros da Comissão e da Corte são eleitos durante a Assembléia Geral da OEA. Cada país tem um voto. Mas uma vez que um comissário está na Comissão, ele não representa seu país. No caso da Corte, eles podem ter que lidar com casos referentes a seus países.
— Existe uma tendência a confundir Tribunal e Comissão, e também a confundir o tipo de documentos. Isso também acontece com a ONU. Diz-se “a ONU diz” ou “a CIDH diz”. E é tomado como força de lei. Mas muitas coisas que a ONU emite não são da Assembléia de todos os países, mas de organizações secundárias ou ONGs que têm status de observadores. Isso é usado para criar um falso princípio de autoridade. É por isso que é importante esclarecê-lo, como você faz.
— Sim, é muito importante diferenciar o que é soft law de hard law. Hard law são os tratados que os países assinaram. É o caso, por exemplo, da Convenção Americana. A propósito, protege a vida desde a concepção, protege a família, a liberdade religiosa. Temos uma convenção americana muito boa. Essa é a hard law, a Convenção, que deve ser distinguida da soft law; e essas serão as recomendações e também as decisões da Corte nos casos em que um país não seja parte no caso. E não é que a soft law não deva ser levada em conta. Obviamente é valioso. Especialistas trabalharam nisso. Mas ainda é uma opinião que os países não têm obrigação de cumprir. E não podem ser usados como justificativa para qualquer decisão porque não são obrigatórios. Eles podem ajudar, por exemplo, a ter uma ideia de como um direito é interpretado. Mas tem que ter muita liberdade na hora de usar esses documentos porque eles não são obrigatórios. Eles não podem contradizer a lei interna.
— É aí que você aponta que já houve excessos por parte da CIDH, tem até um texto que você cita em que se diz que a América Latina está sujeita a uma heteronormatividade, como se isso fosse algum tipo de falha que existe, que tenha que ser modificado através de mudanças culturais. Que tipo de documento é esse?
— É um relatório da CIDH sobre o reconhecimento dos direitos das pessoas LGBT. Nada mais é do que uma análise feita pelo relator da CIDH para pessoas LGBT, mas nunca pode ser considerada obrigatória. Será o parecer, o pronunciamento, daquele relatório em um momento específico, mas não poderá ser utilizado ou considerado como algo que tenha qualquer grau de obrigação.
— Você também aponta que uma das razões para o aumento desta contribuição orçamentária extra-OEA foi devido ao fato de que a Comissão e a Corte estavam sobrecarregadas de trabalho, sem recursos suficientes para realizar seu trabalho, com vários problemas não sendo atendido. Uma demora processual. Mas esses problemas atrasados não são exatamente os alvos do financiamento externo, certo?
— Exato. Se a CIDH e a Corte se concentrassem e se limitassem aos temas de sua competência, não acredito que teriam um atraso processual tão grande como agora. O que acontece é que tentaram resolver todos os problemas, mesmo os inexistentes, do continente, e por isso obviamente estão absolutamente sobrecarregados de casos. O atraso processual é um problema muito grave, mas o que queremos é que questões importantes sejam levadas em conta e que a diretriz seja realmente uma vontade de caminhar para um sistema que funcione melhor e que foque nas suas competências. Que não quer ir longe demais e também receber uma pauta ideológica imposta de fora. Bem, por exemplo, há muitas questões muito importantes em relação à liberdade de expressão, até mesmo à liberdade religiosa, que continuam demorando muito.
— Outra característica marcante é que o Canadá, um dos últimos países a ingressar na OEA na década de 1990, não reconhece a jurisprudência da Corte e, no entanto, é um dos países que mais contribui com dinheiro para seu funcionamento. É assim?
— Sim, é assim. Na realidade, os países-membros da OEA podem decidir não se submeter à jurisdição da Corte. É o caso dos Estados Unidos e Canadá e alguns outros países. Eles são a minoria, mas se opõem à jurisdição da Comissão, que, recordemos, não tem poder real sobre os países, e não aceitam a jurisdição da Corte. No entanto, eles estão promovendo isso. Portanto, são países contra os quais o Tribunal nunca poderá tratar de nenhuma questão, nem reprovar, nem publicar qualquer sentença.
— Os Estados Unidos não se submetem a nenhum tribunal supranacional. Nem ao Tribunal Penal Internacional. Nenhuma potência faz isso.
— Claro. É uma política que eles têm de proteger sua soberania, mas eles, principalmente o Canadá, entendem que o ISHR é um instrumento de controle dos países, porque senão não investiriam nesse sistema. Eles não querem que o Tribunal tenha poder sobre eles, mas querem que o Tribunal tenha poder sobre outros países e é por isso que o financiam.
— Há exemplos no relatório de anos em que o aumento do financiamento coincide com uma destinação específica e a resolução de casos relacionados. Você poderia mencionar algum?
— Tem um caso que foi muito sério. Uma agência espanhola destinou um total de mais de 4 milhões de dólares ao Tribunal. Mas, em 2016, financiou especificamente um projeto intitulado “Proteção de vítimas e pessoas pertencentes a grupos vulneráveis por meio de medidas provisórias e resolução de casos contenciosos sobre discriminação por orientação sexual”. Isso é muito grave porque “resolução de casos contenciosos” é basicamente uma sentença. O mais grave é que a agência espanhola estava financiando um projeto cujo objetivo era chegar a uma sentença que determinasse a questão da discriminação por orientação sexual. Nesse mesmo ano, no mesmo período, tivemos a publicação de duas sentenças – Duque contra a Colômbia e Flor Freire contra o Equador -, os dois casos mais emblemáticos da história da Corte de direitos LGBT. Antes de 2016 não havia casos tão importantes sobre o assunto. Obviamente, é muito marcante que um projeto tenha aquele título com aquele financiamento e que no mesmo ano, ano correspondente ao período do projeto, sejam publicadas essas duas decisões, que foram jurisprudências realmente muito importantes.
— Acontece também com pareceres consultivos…
— Sim, embora não tenham efeito vinculante para os países, também são muito importantes. São documentos nos quais a Corte interpreta um direito e isso é feito a pedido dos países. A mesma agência espanhola financiou um projeto em 2016, denominado “Mantenimiento de las capacidades de la Corte Interamericana de Derechos Humanos para resolver casos y opiniones consultivas que contribuyan a la protección de grupos vulnerables a través de la emisión de estándares – derecho blando – sobre medioambiente, derechos de los pueblos indígenas, de protección de las niñas y los niños, y discriminación por orientación sexual y por identidad de género”. Em 2017 e 2018, ao longo de um ano e meio, foram três pareceres consultivos que tiveram exatamente os mesmos temas: meio ambiente e direitos humanos, parecer consultivo 23; identidade de gênero, igualdade e não discriminação contra casais do mesmo sexo, 24/17. E uma importantíssima, que não para de ser citada em diversas áreas e na mídia, o parecer consultivo 25/18, que é a instituição do asilo e seu reconhecimento como direito humano. Deve-se entender que a Corte nunca publicou três pareceres consultivos em um ano e meio. Desde a sua criação, havia publicado menos de vinte pareceres consultivos, mas em um ano e meio publicou três que tinham exatamente os mesmos temas do projeto financiado pela Espanha. É obviamente muito suspeito. Em qualquer país, isso desencadearia uma investigação muito minuciosa. Muita desconfiança no judiciário. Mas estamos deixando passar no plano interamericano simplesmente porque ninguém está prestando atenção no que a Corte está fazendo. Então, temos muitos relatórios publicados principalmente pela CIDH que têm diretamente o logotipo de alguma organização. “Graças a uma determinada organização que tornou este relatório possível”. Isso também é muito problemático: como podemos confiar na independência de um órgão se vemos que o relatório que ele publica é patrocinado por agentes externos?…
— As reportagens têm patrocinadores, é incrível. O mais incrível é que eles nem tentam esconder. Ou seja, dizem “agradecemos o contributo dessa organização para a elaboração deste relatório…”
— Sim, exatamente. Um dos relatórios que mais me impressionou foi o da CIDH sobre protestos e direitos humanos. Foi financiado pela Open Society e publicado três meses antes do início dos protestos no Chile. Que foram muito importantes e seguidos de protestos em muitos outros países. Este relatório serviu de argumento para proteger manifestantes muito violentos que causaram muitos danos. Há outro relatório bastante semelhante a este sobre protestos sociais no Peru.
— O que o relatório disse?
— O relatório justifica todos os tipos de manifestações e não protege nenhum direito das pessoas afetadas por essas manifestações. Ou seja, não reconhece o respeito ao patrimônio caso haja destruição de lojas, carros, o que for. Justifica todos e absolutamente todos os tipos de protestos, mesmo os violentos, explicando que vêm de violações de direitos, que as empresas superexploram o território, que existem injustiças e, portanto, para a CIDH, os protestos violentos são uma resposta compreensível e legítima a esses protestos. Violações de direitos, que obviamente devem ser resolvidas, mas não pela violação de outros direitos. Porque é isso que o relatório acaba dizendo.
— Esse relatório tem o logotipo e os agradecimentos à Open Society?
— Sim, na página 3 e que está publicada no site da CIDH.
— Você também aponta que existe um conflito de interesses porque muitas vezes essas organizações financiam tanto o Tribunal quanto os demandantes. Ou seja, às organizações que se apresentam perante a Comissão e a Corte, para exigir reparação. É pagar o juiz e o…
— Exato. Exato. Isso também é muito grave e vimos, por exemplo, no caso de Manuela e outros contra El Salvador, um caso em que o aborto foi debatido apesar de os fatos não terem absolutamente nada a ver com o aborto. Mas, por exemplo, a Fundação Ford financia a CIDH e também o Agrupación Ciudadana por la Despenalización del Aborto Terapéutico, Ético y Eugenésico, que foi um dos peticionários do caso, ou seja, patrocinou a vítima. Então, nós temos uma ONG que financia os juízes e uma das partes. A Fundação Böll, cuja receita vem dos impostos alemães, também financia o Tribunal, inclusive fizeram um curso sobre direitos humanos juntos, e também apoia o mesmo grupo no caso Manuela, defendendo explicitamente o aborto. É mais um caso de organização que trabalha em conjunto com juízes e vítimas.
— Que impacto teve o relatório que você preparou? Você abriu alguma discussão?
— Sim. O que queríamos era sistematizar as informações e comprovar com números o que intuíram muitas pessoas que trabalham de perto com o sistema. Portanto, este relatório primeiro teve um efeito na opinião pública. Foi replicado na imprensa em muitos artigos e meios de comunicação em que algum ato da CIDH, da Corte, foi criticado. Também vimos um impacto nos próprios atores do sistema. Por exemplo, os embaixadores de países junto à OEA, que conhecem o sistema, ficaram muito surpresos com isso, porque em geral não têm um conhecimento tão próximo do que se passa nos bastidores. E quando foi apresentado o relatório anual da Corte, há cerca de um mês, o presidente, Juiz (Ricardo Pérez) Manrique, mencionou que era muito importante destacar que a Corte não recebia fundos para a atividade judicial. Intuímos que foi uma resposta ao nosso relatório porque nossa acusação é justamente que eles recebem financiamento para a atividade judicial. Eles queriam fazer essa menção para se defender, mas fica claro até no próprio relatório que o presidente da Corte estava apresentando que eles continuam recebendo financiamento para esse tipo de atividade.
— Claro, porque as informações que você usa, os dados, são publicadas pelo próprio sistema.
— Exatamente. A Comissão e a Corte publicam um relatório anual de 1.000 páginas a cada ano, mas pouquíssimas pessoas se sentam para lê-lo, para analisá-lo. É o que estávamos fazendo para realmente ter provas do que afirmamos.
— Qual é a razão desta vontade de interferir por parte de alguns países europeus, essencialmente Espanha e países nórdicos, no sentido de influenciar desta forma as decisões de uma organização num continente que não é o deles?
— É muito difícil saber quais são as intenções. O que sabemos é que há muito trabalho para mudar as leis de países que ainda são, digamos, tradicionais ou conservadores. E vemos isso, por exemplo, com El Salvador. Porque é um dos países que tem leis mais protetoras da vida desde a concepção. Também tem políticas públicas importantes para as gestantes, para a proteção dos recém-nascidos. E bem, vimos que nos últimos anos muitos casos chegaram ao sistema interamericano contra El Salvador sobre este assunto. Depois tem outra questão que é a questão da metodologia. Em muitos países, lobbies e organizações percebem que não podem vencer democraticamente, no Congresso, porque os representantes do povo e o próprio povo que vota ainda têm esses valores, de proteger a vida, a família, a liberdade religiosa. Então eles querem seguir outro caminho que não seja democrático e impor esses direitos por meio de sentenças. Evitam o caminho democrático, mas passam pelo sistema judiciário e tentam impor todas essas decisões de forma erga omnes, o que, reitero, não é o que está previsto na Convenção. Em muitos países da região, eles avançaram com essas questões por meio de Tribunais Constitucionais, Cortes Supremas, não por representantes legítimos do povo.
Fonte: KontraInfo.com