Dominância fiscal? uma resposta a Afonso Celso Pastore

Em entrevista recente, o ex-presidente do Banco Central, Afonso Celso Pastore, resgata o temor que atinge periodicamente certos círculos de economistas brasileiros quanto à possibilidade da economia brasileira entrar em “dominância fiscal”. Mas até onde essa preocupação faz sentido? O economista Deivid Jorge comenta.

Em entrevista publicada no Brazil Journal, o ex-presidente do Banco Central, Afonso Celso Pastore, resgata o temor que atinge periodicamente certos círculos de economistas brasileiros quanto à possibilidade da economia brasileira entrar em “dominância fiscal”. Não é, portanto, a primeira vez que essa preocupação é aventada por essas terras. Mas até onde essa preocupação faz sentido?

Em 2004, ainda no clima da fuga de capitais devido à eleição do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, Olivier Blanchard [1], defendeu a tese de que a economia brasileira vivia um tipo específico de dominância fiscal [2]. O argumento, em linhas gerais, procurava demonstrar que em uma economia aberta, com dívida pública líquida alta em relação ao PIB, grande proporção da dívida em moeda estrangeira e com alto grau de aversão ao risco por parte do investidor estrangeiro, a política monetária contracionista para controlar a inflação seria contraproducente, uma vez que o aumento dos juros levaria ao aumento do serviço da dívida, o que seria interpretado pelo investidor estrangeiro como um risco de default, incorrendo em fuga de capitais, depreciação cambial e consequentemente, num aumento do nível de preços. Repare o leitor que, nessa linha de raciocínio, a política monetária se torna passiva da política fiscal, uma vez que um aumento da taxa de juros elevaria a inflação e não diminuiria, como convencionalmente é ensinado.

Ainda houve outros episódios subsequentes em que a tese de dominância fiscal foi levantada no debate econômico: na crise de 2015 com Monica de Bolle e André Lara Resende; no final de 2020 com os índices de inflação se elevando; e agora, atualmente, com Pastore. No entanto, se no passado não tivemos a materialização da “dominância fiscal”, com os atuais fundamentos da economia brasileira é difícil crer que isso se concretize. O país possui altos níveis de reservas (cerca de US$350 bilhões de dólares) para fazer frente a flutuações na taxa de câmbio, além de sermos credores internacionais. Desta forma, uma depreciação do câmbio diminuiria a dívida líquida denominada em dólar.

Outra questão é o alto grau de ociosidade pelo qual a economia brasileira passa. Explico: numa situação de dominância fiscal, os agentes passam de ativos financeiros para ativos reais para proteger seu patrimônio, uma vez que nesse contexto de descredibilidade da política fiscal e expectativa de inflação, os títulos públicos se desvalorizam. A migração para bens de capital pode pressionar a demanda e aumentar a inflação, no entanto, é improvável que isso ocorra dado o alto grau anêmico da economia brasileira. Portanto, a tese de dominância fiscal é absurda!

Para finalizar: na entrevista, Pastore se mostra temeroso em relação à ideia do Banco Central diminuir a taxa de juros no segundo semestre, o que revela uma incoerência de sua parte, uma vez que em uma situação de dominância fiscal (como mostrado acima), juros altos pioram a dinâmica fiscal, retroalimentando a inflação (preocupação tão cara ao Pastore). Proponho então um desafio ao economista: que passe a defender menores taxas de juros no país que tem uma das maiores taxas do mundo, caso contrário, correndo o risco de estar sendo incoerente com a tese que ele mesmo está defendendo.

Referências

[1] BLANCHARD, O. Fiscal dominance and inflation targeting: lessons from Brazil. Cambridge, MA: MIT Press, 2004. (Working Paper 10389)

[2] A tese original é dos economistas Sargent e Wallace (1981), cuja diferença da passividade da política monetária está no custo de senhoriagem (emissão de moeda).

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Deivid Jorge

Deivid Jorge é membro da NR- GO e mestre em economia.

Artigos: 26

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