A identidade brasileira e a doutrina dos 3 Poderes

O anseio por um Poder Moderador parece remontar ao próprio modo de ser do brasileiro. Porém, não superamos o debate institucional a respeito e nada indica que o superaremos porque estamos diante de uma característica psicológica e cultural nossa. Melhor seria reconhecê-la publicamente e institucionalizá-la.

O anseio por um Poder Moderador parece remontar ao próprio modo de ser do brasileiro. Porém, não superamos o debate institucional a respeito e nada indica que o superaremos porque estamos diante de uma característica psicológica e cultural nossa. Melhor seria reconhecê-la publicamente e institucionalizá-la.

O Brasil nunca aceitou o dogma liberal dos Três Poderes e sua separação. Não só não o adotamos na Independência, como seguimos rechaçando-o mesmo com o modelo já formalmente instituído no ordenamento. Sempre tentamos recorrer ao Poder Moderador (talvez se trate de um elemento de nossa identidade).

Hoje a doutrina de Montesquieu parece universal,vmas ela é apenas uma de teorias surgidas à época para explicar, legitimar e organizar o poder. No lugar de Montesquieu, preferimos outro francês: Benjamin Constant e sua teoria dos Cinco Poderes.

Para Constant, o Estado deveria se especializar em: um Judiciário, um Representativo da Tradição (Senado Aristocrático); um Poder Representativo da Opinião (Câmara popular); um Executivo e um Moderador. Nós adaptamos essa teoria para nossa realidade e ela nos serviu bem. A função do Poder Moderador era supervisionar, fiscalizar e harmonizar os outros poderes e, nisso, o Imperador era auxiliado por um Conselho de Estado de dez membros. Este Conselho tinha até mesmo a atribuição hermenêutica de dar a interpretação correta das leis e, com isso, garantir a ordem constitucional.

Porém, se engana quem acha que o Poder Moderador morre com a Proclamação da República. No papel, talvez. Mas nas reflexões político-jurídicas se continuou a apelar ao Poder Moderador e a reivindicar a legitimidade de seu exercício, com as necessárias “gambiarras” para adaptar a ideia aos dogmas de Montesquieu. Nos anos 30, por exemplo, tanto Oliveira Vianna como Góis Monteiro defendiam a institucionalização do Poder Moderador — fosse para controlar as oligarquias regionais, fosse para garantir a integridade territorial e a segurança nacional, sendo a primeira prerrogativa acumulada com o Executivo, e na segunda destacando a importância dos militares.

O conceito aparece também no projeto constitucional de Borges de Medeiros, para o qual o presidente deveria ser como um monarca constitucional. João Mangabeira, por sua vez, apesar de “socialista”, assume a posição liberal-positivista inspirada por Hans Kelsen de defender que a suprema corte exercesse o Poder Moderador.

Morto Vargas, setores pró-militares e setores pró-judiciários continuaram se digladiando pela legitimidade para atuar como instituição “supervisora” da República e de seus poderes. Para os militaristas, a função deveria ser exercida pelos militares porque só eles poderiam garantir a segurança do país em um mundo bipolar. Já para os juristocratas, o ordenamento político-jurídico tinha de contar com a Constituição em seu cume e, para proteger a Constituição, como órgão técnico e alheio à política, o STF. Tal debate informou desde a postura dos militares perante Jânio Quadros e o golpe de 64 até a redação da Constituição de 88 e o crescente acúmulo de poderes do STF nos últimos 20 anos.

Não superamos este debate e nada indica que o superaremos porque estamos diante de uma característica psicológica e cultural nossa. Melhor seria reconhecê-la publicamente e institucionalizá-la. O exercício do Poder Moderador pelo STF é ruinoso. Ele se apoia institucionalmente na americanização de nosso Direito com a importação de elementos da tradição anglo-saxã (como o ativismo judiciário). Ele também se apoia no judicial review neoconstitucionalista, cujo fundamento é a fé na ideologia dos direitos humanos. Neste sentido, no exercício do Poder Moderador, o STF atua como comissariado tecnocrata com a finalidade de garantir a submissão do Brasil aos organismos internacionais e à ideologia dos direitos humanos. Ele representa a ruptura entre liberalismo e democracia, com os Senhores do Mundo não mais confiando na “vontade popular” — já que se descobriu que o povo é “reacionário” demais.

Os generais, por sua vez, não possuem hoje a consciência histórica necessária para exercer o Poder Moderador segundo os interesses nacionais. Eles querem assumir uma postura “apolítica” positivista, mas a apoliticidade não passa da submissão inconsciente à ideologia hegemônica, daí o americanismo e o liberalismo que ainda existem nesses meios.

Restaria a alternativa da elevação de um Caudilho, autêntico tribuno da plebe, como César de nossa República Imperial. Mas nos falta o material humano até o momento.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 26

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