Entendendo as Manobras Militares Russas na Ucrânia: Nova Fase da Operação

A informação de negociações entre Rússia e Ucrânia simultaneamente com a informação de redução nas hostilidades nos arredores de Kiev com deslocamento de uma parte das tropas russas para o sudeste da Ucrânia deixou muitas pessoas confusas e achando que se tratava de sinal de cessar-fogo ou de retirada russa. Na verdade, não é nada além de uma nova fase na operação, seguindo as regras da guerra de manobra, de maneira muito semelhante à Operação Tempestade no Deserto.

Para todos aqueles que estão coçando a cabeça ou tirando o pó de seus uniformes para uma parada da vitória ucraniana em Kiev, por causa das notícias sobre a ‘mudança estratégica’ russa, talvez seja necessário se refamiliarizar com conceitos militares básicos.

Guerra de manobra é um bom lugar para começar. Entendam que a Rússia começou sua ‘operação militar especial’ com um imenso déficit de homens – 200 mil atacantes contra 600 mil (ou mais) defensores. Um conflito de atrito clássico nunca esteve na mesa. A vitória russa exigia manobras.

A guerra de manobra é mais psicológica do que física, e se concentra mais no nível operacional do que no tático. A manobra é um movimento relacional – como você distribui e movimenta suas forças em relação ao seu oponente. A movimentação russa na primeira fase da operação demonstra isso.

Os russos precisavam moldar o campo de batalha segundo seu interesse. Para fazer isso, eles precisavam controlar como a Ucrânia empregava suas forças numericamente superiores, ao mesmo tempo distribuindo seu poder de combate menor de uma maneira a alcançar esse objetivo da melhor maneira possível.

Estrategicamente, para facilitar a capacidade de manobra entre os fronts sul, centro e norte, a Rússia precisava garantir uma ponte terrestre entre a Crimeia e a Rússia. A tomada da cidade costeira de Mariópolis era fundamental nisso. A Rússia alcançou esse objetivo.

Enquanto essa operação complexa se desdobrava, a Rússia precisava impedir a Ucrânia de manobrar suas forças numericamente superiores de uma maneira que atrapalhasse a operação em Mariópolis. Isso envolvia o uso de diversas operações estratégicas de suporte – fintas, operações de fixação e ataque profundo.

O conceito de uma finta é simples – uma força militar ou é vista se preparando para atacar uma posição ou efetivamente conduz um ataque, com o propósito de enganar um oponente em comprometer recursos em resposta a ações percebidas ou concretas.

O uso da finta desempenhou um grande papel na Operação Tempestade no Deserto, onde forças anfíbias ameaçaram a costa do Kuwait, forçando o Iraque a se defender de um ataque que nunca veio, e onde a 1ª Divisão de Cavalaria efetivamente atacou Wadi Al Batin para segurar a Guarda Republicana.

Os russos fizeram amplo uso de fintas na Ucrânia, com forças anfíbias na costa de Odessa congelando forças ucranianas ali, e uma grande ataque simulado na direção de Kiev obrigando a Ucrânia a reforçar seus números ali. A Ucrânia jamais foi capaz de reforçar seus grupos no leste.

Operações de fixação também foram críticas. A Ucrânia havia reunido de 60 mil a 100 mil homens no leste, às portas do Donbass. A Rússia empreendeu um amplo ataque de fixação projetado para segurar essas forças em engajamento total e incapaz de manobrarem em resposta a outras operações russas.

Durante a Tempestade no Deserto, duas divisões dos fuzileiros navais receberam ordens de realizar ataques de fixação parecidos contra forças iraquianas posicionadas na fronteira kuwaiti-saudita, segurando quantidades significativas de homens e materiais que não puderam ser usadas para responder ao ataque estadunidense principal a oeste.

O ataque de fixação russo prendeu a principal concentração ucraniana no leste, e as expulsou de Mariópolis, que foi engajada e reduzida. Operações de apoio saindo da Crimeia e de Kherson expandiram a ponte terrestre russa. Essa fase estáagora completa.

A Rússia também empreendeu uma campanha de ataques estratégicos profundos projetada para romper e destruir a logística, comando & controle e poder aéreo e suporte de fogo de longo alcance ucranianos. O combustível e munição da Ucrânia estão acabando, eles não conseguem coordenar manobras e não possuem mais uma força aérea significativa.

A Rússia está redistribuindo algumas de suas unidades mais importantes de onde elas estavam em operações de finta no norte de Kiev para onde elas podem apoiar a próxima fase das operações, ou seja, a libertação do Donbass e a destruição da principal força ucraniana a leste.

Trata-se de guerra de manobra clássica. A Rússia agora vai segurar a Ucrânia no norte e no sul enquanto suas forças principais, reforçadas por unidades vindas do norte, pelos fuzileiros e pelas forças liberadas pela captura de Mariópolis, buscam envolver e destruir os 60 mil homens no leste.

Isso é Guerra da Grande Seta de forma exemplar, algo que os estadunidenses costumavam conhecer, mas esqueceram nos desertos e montanhas do Afeganistão e Iraque. E também explica como 200 mil russos conseguiram derrotar 600 mil ucranianos. Assim termino essa aula sobre guerra de manobra, no estilo russo.

Fonte: DailyKos

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Scott Ritter

Ex-oficial de inteligência dos Fuzileiros Navais dos EUA, inspetor de armas da ONU.

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