Em resposta às tensões entre a Rússia e a OTAN pelas operações militares na Ucrânia, a União Européia declarou guerra econômica e financeira contra a Rússia. Apesar dos fortes efeitos dessa medida o resultado pode ter efeitos contrários.
Por Andrew Korybko, em 03/03/2022
Isso deve preocupar os países que estão resistindo à reimposição da hegemonia unipolar estadunidense em decadência, mas isso pode sair pela culatra se eles cooperarem com mais proximidade na aceleração da transição sistêmica em curso para a Multipolaridade enquanto seus líderes continuarem a resistir com sucesso à pressão dos EUA.
Não há de haver enganos sobre o armamento dos instrumentos econômicos e financeiros do Ocidente após o ministro das finanças francês declarar que a UE travará uma “guerra econômica e financeira total” contra a Rússia. Isso pode assustar o mundo pois significa que os países comparativamente menos poderosos que a Superpotência Eurasiana inevitavelmente também se tornarão alvos com o passar do tempo. Serão mirados assim como a Rússia está sendo se ousarem desafiar as demandas hegemônicas do Ocidente.
O presidente Putin anunciou a operação especial russa na Ucrânia no final da semana passada sob o pretexto imediato de proteção ao povo nativo russo da República de Donbass, reconhecida por Moscou dias antes, porém o objetivo estratégico é de garantir a integridade da ‘linha vermelha’ nacional que a OTAN ultrapassou nesta região. A omissão de ação a respeito disso poderia eventualmente levar à neutralização da capacidade de retaliação nuclear russa e um próximo ataque convencional da OTAN contra si.
A Rússia não é o único país ameaçado pelo Ocidente já que a China e o Irã também estão entre os alvos principais. Porém, esses países há muito vêm sido reconhecidos como ameaças para a hegemonia decadente estadunidense, por isso foi surpreendente para muitos quando a Etiópia recentemente também passou a ser alvo. Esse país costumava ser um aliado forte do Ocidente mas foi punido pelo ato pragmático de equilíbrio do seu governo entre a superpotência estadunidense e a chinesa.
Os EUA tentam reimpor a sua hegemonia decadente de qualquer maneira, logo a Etiópia não será o último país do Sul Global a ser mirado, sem mencionar o até então último aliado da América. Qualquer país que resistir às tentativas de Washington de dividir o mundo nos blocos ditos como o “chinês autoritário”e o “estadunidense democrático” enfrentará o impacto das Guerras Híbridas multidimensionais do Ocidente, especialmente a econômica, financeira e a de informação.
A UE já caiu em completo alinhamento com os EUA quando se trata da Rússia, o que implica que por demanda em breve fará o mesmo em relação à China. Os Estados do Golfo Pérsico, que recentemente se aproximaram bastante das duas Superpotências Eurasianas, podem em breve se encontrar na mira do Ocidente, porém, a sua influência crucial no mercado de energia global poderá fazer Washington repensar sobre provocá-los demais.
A ASEAN terá que caminhar sobre uma linha tênue entre os EUA e a China, já que não pode se dar o luxo de dispensar a República Popular, com quem seus países-membros negociam bastante. Esse bloco do sudeste asiático também é membro da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP) junto da China e diversos outros países, então resta saber qual efeito a pressão estadunidense terá sobre essa plataforma. Se esses países não se submeterem aos EUA possivelmente serão alvos de uma guerra de informação.
Todos da África testemunharam o que aconteceu à Etiópia, então alguns dos países mais fracos que estão sob uma relação neocolonial com o Ocidente obviamente não tentarão desafiar seus patrões, mas aqueles com mais confiança em flexionar a sua autonomia estratégica poderão apostar que será melhor tentar replicar o ato de equilíbrio feito por Addis Ababa em favor de seus interesses nacionais. Afinal, a Etiópia deu um exemplo brilhante de que nações africanas podem de fato resistir à pressão da Guerra Híbrida Ocidental.
O princípio de neutralidade da Índia e do Brasil diante das tensões entre Rússia e OTAN pode fazer com que ambas as Superpotências e parceiros membros do BRICS sejam os próximos alvos das campanhas de pressão do Ocidente. Isso vem acontecendo mesmo antes disso quando a mídia estadunidense começou a reportar de forma muito crítica sobre questões de dentro desses países, que seus governos consideram seus assuntos puramente internos e que estrangeiros não deveriam sequer comentar a respeito.
Sempre esteve entre as prioridades estratégicas estadunidenses romper o BRICS, logo esse cenário é de ser esperado. As consequências do seu sucesso, o que aparenta ser mais provável no caso brasileiro do que no indiano, podem ser de longo alcance e por isso é importante que se mantenham firmes diante dessas pressões.
Isso não quer dizer que Bolsonaro é o melhor líder para o Brasil, mas para apontar que os legisladores por trás dele que são os verdadeiros responsáveis pelo princípio de neutralidade de seu governo, nessas circunstâncias devem garantir que não serão substituídos se ele for deposto por vias democráticas (embora que provavelmente apoiadas indiretamente pelos EUA) após a próxima eleição. O cenário ideal é que Lula, ou quem quer que venha a assumir o cargo, mantenha esses especialistas a todo custo.
No entanto, voltando ao tópico principal desta análise, a declaração da UE de guerra econômica e financeira total contra a Rússia é também uma declaração do mesmo contra o mundo inteiro. Isso deve preocupar os países que estão resistindo à reimposição da hegemonia unipolar estadunidense em decadência, mas isso pode sair pela culatra se eles cooperarem com mais proximidade na aceleração da transição sistêmica em curso para a Multipolaridade enquanto seus líderes continuarem a resistir com sucesso à pressão dos EUA.
Fonte: One World