O conflito que se desenrola na Ucrânia possui natureza eminentemente geopolítica e envolve a disputa entre Talassocracia e Telurocracia pelo controle do Heartland como chave para o status de potência global. As duas forças, ademais, são animadas por princípios espirituais e filosóficos absolutamente antitéticos.
Eu comecei a desenvolver a geopolítica há 30 anos. Quando a Rússia apenas começava a se sentir parte da Civilização Global, do Ocidente Global, e todos estavam otimistas se tornando a parte desta Humanidade: Teoria dos Direitos Civis, Teoria dos Direitos Humanos, o Mundo Global. Entramos neste processo, aceitamos a identidade ocidental, abandonamos a identidade soviética, esquecemos totalmente a identidade pré-soviética czarista e tentamos ser como todos os outros. E naquele momento, não estando muito engajado neste sistema soviético, nem no sistema liberal, descobri a geopolítica formulada por autores britânicos como Halford Mackinder, que tentou explicar o Grande Jogo entre o Império Britânico e o Império Russo em termos de Potência Marítima e Potência Terrestre.
Talvez fosse em seu tempo apenas uma parte da agenda imperialista britânica, sua maneira de pensar o mundo, mas aos meus olhos aquela era a explosão da verdade real e profunda eterna. Desde então, segui Mackinder e descobri que tivemos o Movimento Eurasiático nos anos 20 no Ocidente, entre os emigrantes brancos com posições semelhantes. Havia também a escola alemã de geopolítica. Portanto, a geopolítica, aos meus olhos, tornou-se a ferramenta para decifrar o mundo. Estávamos então no início dos anos 90. A partir daquele momento comecei a desenvolver a Escola Eurasiana de Geopolítica, a principal e única escola geopolítica russa. A partir deste ponto de vista, com base na visão anglo-saxã britânica do mundo onde os princípios principais eram de Sea Power vs Land Power, formulei uma estratégia simétrica: Potência Terrestre contra Potência Marítima. A Potência Terrestre, o Heartland, a Eurásia nessa teoria era considerada como Sujeito, não como Objeto.
O que é a Potência Marítima segundo Mackinder? Não é apenas o Ocidente, é a Modernidade, é tecnologia desenfreada, é o capitalismo, é a sociedade de mercado, é uma Cartago contra Roma ou Atenas contra Esparta ou Veneza contra o Império Bizantino. Portanto, essa era uma civilização (Cartago) baseada na abordagem materialista do mercado econômico, e estrategicamente no domínio sobre os mares, nas atitudes coloniais contra a outra civilização (Roma), com valores totalmente diferentes. Na Potência Terrestre a dignidade, o poder militar, a tradição, o conservadorismo, os interesses nacionais, a família, a religião (a partir de certo momento o Cristianismo) foram colocados no centro da vida. A geopolítica é sobre esse par: a Modernidade contra a Tradição inscrita no espaço. Assim, após a descoberta da geopolítica, eu apliquei esta metodologia à Rússia. Assim, cheguei à conclusão de que a geopolítica explica tudo o que temos agora e tudo o que virá. Assim, a partir desse momento, aplicando este método à análise da Federação Russa na fase inicial, deduzi desta aplicação que haverá uma Grande Guerra dos Continentes, confronto inevitável entre Mar e Terra. O Land Power representado pela Rússia, pelo Heartland, o Sea Power representado pelo Ocidente liberal moderno globalista ou pós-moderno.
Isso ia radicalmente contra tudo o que o governo russo nos anos 90 pensava, mas fui ouvido pelos militares russos desde o início dos anos 90, comecei a fazer lições de geopolítica na Escola do Estado-Maior russo e para eles isso era absolutamente necessário porque eles haviam a explicação do que estava acontecendo em termos ideológicos e precisavam muito de algo como alternativa. Eles não conseguiam entender porque a OTAN estava se aproximando cada vez mais de nossas fronteiras, mesmo com o abandono de nossa ideologia comunista. Eles sinceramente não conseguiam entender o porquê. Mas com a geopolítica apresentada ao Estado-Maior tudo era teoricamente, pelo menos logicamente, colocado no contexto. Era o início da ascensão secreta do sr. Putin ao poder. Putin tentou concretizar a reafirmação da soberania da Potência Terrestre e do Heartland e da Eurásia de forma pacífica por 20 anos, ninguém se importou. Ele disse que ninguém escutou, ele tinha tentado colocar isso em alguns passos geoeconômicos, ninguém entendeu o que ele estava tentando fazer.
Finalmente, há apenas uma explicação do que estava acontecendo no Maidan na Ucrânia no espaço pós-soviético em geral: a Potência Marítima tomou o impulso da queda da União Soviética – e agora estamos nos aproximando do discurso de nosso presidente, mas no contexto – a Potência Marítima tomou o impulso da queda da União Soviética para tomar os mares, para controlar o espaço liberado. Não se trata de ideologia, raça, etnia ou religião, mas sim daquele jogo geopolítico, do Grande Jogo renovado mais uma vez. Nessa situação Putin, quando chegou ao poder, começou a reverter a queda da União Soviética. Claramente para ele era uma catástrofe geopolítica. “Geopolítica” – é a palavra-chave: “Catástrofe Geopolítica” não ideológica, nem nacional, nem racial ou religiosa, catástrofe geopolítica. Esta catástrofe consistia em um fato bruto ou rude: impor o controle do Sea Power sobre os territórios ao redor da Rússia que logicamente pertenciam à Telurocracia. Não há neutralidade na geopolítica e Putin começou a retomar o controle sobre o espaço pós-soviético seguindo a linha de Brzezinski.
Brzezinski havia dito: A Rússia não voltará à soberania sem readquirir a influência sobre o espaço pós-soviético e, em primeiro lugar, sobre a Ucrânia. Assim, a partir daquele momento, a batalha pela Ucrânia se aproximava da escolha de Putin como líder histórico da Rússia, tentando defender nossos interesses geopolíticos. Esta é uma explicação do que está acontecendo, mas a Potência Marítima prosseguiu, eles continuaram a tentar tirar de nós uma parte do espaço pós-soviético. E quando um líder neutro ou um líder pró-russo ou não tão antirrusso quanto necessário para o Ocidente – como Yanukovych, por exemplo – eles começaram a derrubá-los e a derrubá-los por meio de uma operação de mudança de regime, chamada Maidan. Putin respondeu ao Maidan recuperando a Crimeia e uma parte da Ucrânia Oriental, mas isso não foi suficiente, foi apenas uma ação defensiva do Heartland contra a Potência Marítima, mas as fronteiras eram tão críticas para a Rússia, que a próxima etapa do conflito era absolutamente inevitável pela pura lógica geopolítica.
Fonte: Geopolitica.ru