“Um espectro ronda o Brasil – o espectro do duginismo!” A escalada nas tensões ucranianas e a impulsão do nome de Alexander Dugin na mídia brasileira desenterraram velhas críticas e reações sobre o filósofo, suas ideias e a presença destas em solo brasileiro. Cordialmente enterraremos essas questões.
Com os últimos movimentos bélicos realizados em solo ucraniano e a eclosão da multipolaridade, as mídias brasileiras tem requentado a já antiga narrativa de Alexander Dugin como uma espécie de guru para Putin, um Rasputin contemporâneo. Do mesmo modo, isso converge com a expansão midiática da Nova Resistência como uma organização brasileira igualmente guiada pelo filósofo russo. Como consequência, também são revitalizadas algumas incompreensões acerca da nossa organização e um suposto caráter russófilo, ou pior, de “braço” russo em território brasileiro. A esfera olavética, hoje órfã e se digladiando em torno da sucessão do mestre, chega a considerar-nos uma espécie de contra-inteligência do imperialismo russo destinada a comunizar o Brasil. A esquizofrenia tem tratamento.
Já tratamos deste assunto de diversas maneiras ao longo do tempo, mas a dinâmica da história permite mais facilmente que as mentiras continuem a se espalhar à revelia de suas refutações. Portanto, parece oportuno que retomemos rapidamente estes pontos.
A Nova Resistência é duginista?
Em certo sentido, sim. Dugin é um filósofo russo de abrangência muito mais consistente e potencial do que o seu universo particular e, conquanto suas responsabilidades práticas digam respeito ao cosmos russo, sua teoria e a própria defesa de sua pátria implicam a construção de um universo mais amplo e distinto. Suas ideias de uma quarta teoria política, do mundo multipolar e o perspectivismo construído na Noomaquia são esforços filosóficos que contemplam o aspecto da unidade na multiplicidade, um conceito universalizante de leitura dum novo paradigma geopolítico e existencial para os povos.
Estas categorias nos são, de fato, queridas, porque não se aplicam a um contexto particular, possuem profundidade suficiente para serem lidas e aplicadas sob novas formas, com formatações adequadas. Isto é, é possível pensar um modelo íbero-americano de civilização, com imagens e categorias particulares que se apoiam na visão metafísica e antropológica de Dugin.
Por consequência, dizer que somos duginistas não implica que Dugin seja nosso guru no sentido da seita olavete, que beijava as fezes do mestre onde quer que elas estivessem. Divulgamos e nos entusiasmos com a obra de Dugin conforme a percebemos como uma vera luz sobre os horizontes da contemporaneidade, ao passo que tampouco excluímos a presença de inúmeros outros pensadores de nosso arcabouço teórico, seja universal, no que compete aos nossos esforços filosóficos de leitura do mundo, seja particular, em nossa leitura dos patriotismos carnal, histórico e civilizacional (vide nosso manifesto) do Brasil.
A NR é uma organização de vanguarda na divulgação e aplicação da obra e do pensamento de Alexander Dugin no Brasil. O que nos auxilia e legitima diretamente a construir uma visão concreta e grandiosa para a Nova Roma que Darcy Ribeiro primeiro idealizou.
A Nova Resistência é eurasiana?
Não. O eurasianismo é uma corrente filosófica e antropológica especificamente aplicada ao cosmos eurasiático, sendo hoje propagada por Dugin sob as estruturas fundamentais de suas teorias. Dito isso, nossa leitura do autor não pode ser considerada eurasiana pois este não é nosso horizonte prático. Não somos eslavos e não estamos engajados na construção deste universo.
Não obstante, o apoio ao projeto eurasiano dentro da esfera eurasiana nos é caro enquanto representa um esforço na construção de um mundo multipolar, a cooperação na construção das noções de soberania em outros espaços é uma forma legítima e fundamental de resistência à unipolaridade que nos consome desde o fim do século XX.
Dugin é o guru de Vladimir Putin?
Essa comparação surge essencialmente da equivocada leitura de um suposto “movimento” tradicionalista que englobaria de forma conjunta as operações de Olavo de Carvalho como guru bolsonarista, Steve Bannon como guru trumpista e Dugin como guru putinista. Esta sendo uma interpretação muito limitada e cega destes autores e da sua limitada conexão, hiperbolizada por Teitelbaum e outros na pressa de assumirem a vanguarda da contrainformação anti-duginista.
Afora algumas confluências intelectuais destes nomes, seus projetos políticos são completamente desalinhados e sua própria interpretação do dito tradicionalismo e da sua aplicação são muito distintas. Dugin e Olavo debateram no passado e jamais tiveram um contato que possa ser considerado amistoso, ainda que possa ter havido algum grau de respeito como adversários.
Sobre a influência de Dugin dentro do Kremlin, nosso camarada Lucas Leiroz já tocou neste assunto em entrevista para a Folha de São Paulo:
Há um fundo de verdade nisso, mas uma parte é exagero. O nível de influência dele sobre Putin hoje é menor do que já foi. E ele concorre com outros conselheiros do presidente, que têm mais acesso a ele.
O próprio Dugin já fez críticas abertas à algumas decisões políticas de Putin, especialmente sua reticência a certos movimentos considerados por Dugin como essenciais para a reconstrução da Rússia ancestral e tradicional. Em artigo do início deste mês, Dugin chegou a sugerir que Putin só agiu sobre a Ucrânia por não ter outra alternativa, que poderia ter agido antes e não almejava, verdadeiramente, um apartamento completo do mundo ocidental.
Concluindo…
Em retrospectiva, nos parece que a maioria destas críticas e tendências de afastamento, temor sobre o impacto de certos autores e sua influência são fruto de um não reconhecimento dos verdadeiros inimigos e tampouco de si. A fobia é, grosso modo, um articulador peçonhento da neblina mental, que nos impede de apontar o dedo para o ladino que age desavergonhadamente sob nosso olhar.
Conhece-te a ti mesmo.