O que Aleksandr Dugin, o “Filósofo Mais Perigoso do Mundo”, realmente pensa do Ocidente?

Entrevista por Zachary Emmanuel

Aleksandr Dugin é acusado de fascista, nazbol e diversas outras coisas, bem como de conspirar para destruir a “civilização ocidental”, mas em vez de nos atermos a campanhas difamatórias pode ser mais interessante ouvir o que, de fato, pensa o filósofo russo considerado o pensador mais perigoso da atualidade.

A primeira frase da página da Wikipédia em inglês sobre Alexander Dugin diz que ele é um “analista político e estrategista russo conhecido por suas opiniões fascistas”. Dugin tem sido chamado de muitas coisas – “o filósofo mais perigoso do mundo”, “o cérebro de Putin”, um Rasputin dos tempos modernos, cujo livro Os Fundamentos da Geopolítica, de 1997, estabeleceu a escola moderna de geopolítica eurasiática e tornou-se leitura obrigatória para os oficiais militares russos – mas fascista não se encaixa muito bem. De fato, Dugin coloca seu trabalho seminal de 2009, A Quarta Teoria Política, como alternativa às três ideologias anteriores do comunismo, do fascismo e do liberalismo. Ele descreve sua filosofia como antifascista, antirracista e, no entanto, esmagadoramente antiliberal.

A dissonância entre a página da Wikipédia em inglês de Dugin e suas próprias crenças atinge o cerne de seu trabalho. (Também reforça as críticas do próprio fundador da Wikipedia à suposta neutralidade do site, e é a razão pela qual nós usa a Everipedia). Dugin defende a multipolaridade, num sentido geopolítico e metafísico: que não existe uma “verdade” ocidental, mas uma verdade russa, uma verdade africana, e assim por diante. Isto não significa que a verdade não exista. Pense sobre isso de uma perspectiva física: a velocidade de um trem no Japão é diferente dependendo se você a mede a partir da Terra ou de Marte. Ambos os planetas podem estar corretos em suas medições – a verdade absoluta existe – mas a verdade absoluta depende de seu quadro de referência.

Isso parece razoável – ramos da direita e da esquerda americanas podem até mesmo concordar – mas as teorias de Dugin se tornam muito mais ameaçadoras na prática. Elas foram usadas como a justificação metafísica para a intervenção russa na Síria: simplesmente para provar, argumentou Dugin, que os Estados Unidos não são o “único chefe no mundo”.

Basicamente, Dugin criou o enquadramento filosófico para o antiamericanismo em todo o mundo. Ele conclama as sociedades a rejeitarem o individualismo ocidental, redescobrir seu ethnos e se tornarem confiantes nas verdades de sua civilização. Os americanos de esquerda e direita não ficariam tão entusiasmados após aprenderem que Dugin acredita que suas visões de “progresso” – seja a promoção da democracia ou dos direitos LGBTQ+ – são racistas para as sociedades que não querem essas coisas, um insulto à natureza cíclica da vida e das civilizações, e um terrível desrespeito às sociedades de nossos antepassados.

Assustador. Há um grande documentário sobre Dugin, The Wolf in the Moonlight, que entrevista o filósofo entre as estepes varridas pelo vento e as cerimônias fumegantes de sua terra natal. De resto, a maior parte da cobertura midiática ocidental é histérica e condenatória, cheia de rótulos endêmicos ao nosso paradigma político, questionando constantemente sua relação com Putin. (Em relação a isso, Dugin insiste que nunca serviu como conselheiro de Putin, mas Putin tem seguido os planos de Dugin à risca nas últimas duas décadas). A entrevista de Dugin com a BBC se rebaixou com o entrevistador insistindo que, ao contrário de seus pares globais, a mídia ocidental pelo menos tenta dizer a verdade (e se você acredita nisso, meu amigo, você está no site errado).

Nós, aqui na revista Countere, decidimos adotar uma abordagem diferente. Decidimos deixar o homem falar por si mesmo, e permitir que nossos leitores julguem o mérito de sua filosofia. Perguntamos a Dugin sobre suas visões do futuro, se ele acha que o Ocidente está condenado, e sobre a próxima coleção de 24 volumes que ele chama de seu magnum opus. Ele também nos deu uma mensagem para os jovens da América. Aproveitem.

Em um mundo multipolar harmonioso, existe espaço para uma civilização liberal individualista como o Ocidente? Ou você acredita que o liberalismo está destinado a ir para a lata de lixo da história, assim como o fascismo e o comunismo?

Antes de mais nada, penso que o mundo multipolar deve ser considerado de forma realista. Não se trata de um conceito utópico. Não é um sonho de rosas, com pessoas vivendo pacífica e amigavelmente, sem qualquer conflito ou disputa. A multipolaridade é apenas a mudança do ponto principal das decisões globais de um lado, o Ocidente, para vários lados.

A multipolaridade poderia ter suas próprias contradições, conflitos e oposições, mas seriam de outra natureza do que ter uma hegemonia no Ocidente, estabelecendo o liberalismo de esquerda dos tempos modernos como uma ordem global com verdades absolutas. A unipolaridade está ligada a este novo liberalismo de esquerda, e todos que desafiam os valores de LGBT, BLM, “progresso”, “tecnologia” e “desenvolvimento científico” são considerados como nazistas, comunistas, e assim por diante.

A ordem hegemônica unipolar global deveria ser substituída por um mundo multipolar mais realista, com diferentes conjuntos de ideologias e valores. Valores chineses para os chineses, valores africanos para a África, valores muçulmanos para o mundo muçulmano, valores europeus para os europeus. Se você se tornar russo – por favor, torne-se russo! Você compartilhará conosco a tradição, a sociedade conservadora, a monarquia, o autoritarismo, para o bem ou para o mal. E, em resposta à sua pergunta, se a civilização americana ou europeia prefere ser uma democracia capitalista liberal, cabe absolutamente a vocês basearem sua sociedade nesses princípios.

Neste mundo multipolar, não existe uma verdade universal. Não existe tal coisa. Alguma grande civilização poderia propor algo como universal, mas isso não deveria ser imposto. Ninguém pode ser o juiz universal absoluto. Isso é multipolaridade. Não é ideal, é apenas algo que é absolutamente necessário em nossa situação.

Parece que tanto para americanos como para russos, pensamos que nossa sociedade tem os melhores valores. Mas tentar impô-los, ou torná-los universais, vai contra o caminho da natureza.

Sim, mas acho que tudo isso é bastante compreensível. Se você acredita séria e sinceramente em seus valores, você não poderia aceitá-los como algo relativo. É normal – é ingênuo, mas é normal. A única coisa que você deve reconhecer é que alguma outra sociedade discorda de sua compreensão. Você ainda poderia considerar seus próprios valores como os mais altos, e ainda assim aceitar que o Outro pode pensar diferente. Isso é multipolaridade.

Você deve permanecer com sua verdade absoluta. Mas você não deve negar ao Outro a capacidade de ter seu próprio absoluto. Nem pior, nem melhor, apenas o Outro. Penso que quando os liberais, os verdadeiros liberais, mostram esta capacidade de aceitar o Outro, devemos ir com eles: falar com eles, trocar com eles. Mas quando eles dizem que você é obrigado a ser liberal, senão você será considerado como nazista, ou comunista, ou putinista, ou terrorista muçulmano, que você deve ser destruído e aniquilado em nome da liberdade, isso é totalmente diferente.

O problema da unipolaridade moderna é que a América e o Ocidente não aceitam o direito do Outro de ser “diferente de si”. O Ocidente de Biden, o Ocidente do Partido Democrata, ainda quer impor as crenças da metade da população americana como algo universal para toda a humanidade. Isso é perversão total. Não é liberalismo. Isso é um novo tipo de totalitarismo.

Quando penso em suas ideias do ponto de vista teológico, eu, é claro, penso que meus valores americanos são os melhores – mas impô-los como absolutos a outras pessoas seria desempenhar o papel de Deus. Estou me perguntando quais são seus pensamentos em termos de como Deus se relaciona com A Quarta Teoria Política e a multipolaridade.

Isso é o principal. A relação com os Deuses não depende do Deus, mas da cultura ou da sociedade. Não porque o Deus é diferente, mas porque a cultura ou a sociedade é diferente.

Por exemplo, nós somos russos. Pensamos que nossa civilização cristã ortodoxa – igreja, religião, sociedade, história, tradição – é algo universal. Temos certeza de que estamos certos, que temos a verdade absoluta, mas poderíamos admitir que existem outras culturas que têm seu próprio caminho para esta verdade. E não tentamos impor nosso caminho para esta verdade absoluta. Não se trata de relativismo, nem de universalismo. É uma questão de equilíbrio.

Porque o Outro tem um ponto de partida diferente. Talvez o ponto final, o ponto de destino, coincida. Talvez não. Mas se não chegarmos ao fim, não poderemos julgar se existe um Deus ou não, ou se é o nosso Deus ou não. Poderíamos afirmar isso desde o início. Mas devemos provar isso. E não podemos prová-lo convencendo um ao outro. Deveríamos realizar nossa fé dentro de nós. Portanto, devemos nos tornar santos. Deveríamos nos tornar verdadeiros cristãos. Não apenas principiantes.

Devemos chegar mais perto do ponto de destino final, e somente a partir desse ponto, devemos julgar o Outro. E talvez julgar a nós mesmos, ao invés de julgar o Outro. Porque quanto mais nos aproximamos de Deus, menos desejo temos de julgar o Outro, e quanto mais divinos nos tornamos: menos agressivos, menos vontade de poder. Isso é muito importante! Ao chegar ao cerne de nossa religião, nos tornamos de alguma forma universais – mas não ao impor nosso ponto de partida ao Outro.

No caso do liberalismo, os liberais não podem dizer que defendem seu Deus. Eles defendem sua verdade única: o puro relativismo, a atitude totalmente niilista. Sua sociedade poderia ser niilista, mas a decisão é sua. Pode ser do seu jeito, para Deus ou para o diabo, mas cabe a você decidir. A única coisa que insistimos é que todos têm o direito de ser diferentes.

Se a América está feliz com sua sociedade, aí é com vocês. O presidente é seu. Mas tenho quase certeza absoluta de que metade do povo americano também rejeita estas interpretações do liberalismo. Porque é antiliberalismo em sua essência: obrigar o Outro que não quer aceitar seus pontos de vista. O bom do liberalismo é aceitar as diferenças. O liberalismo de esquerda dos tempos modernos não aceita as diferenças. Ele nos obriga a pensar à sua maneira. Dizer uma coisa e nunca outras coisas. E nós rejeitamos isso. É puro totalitarismo. É algo perigoso e devemos lutar contra isso.

Alguns dizem que o liberalismo estava condenado desde o início, e outros apontam o efeito corrosivo da tecnologia sobre a democracia. Qual você acredita ter sido o erro fatal do liberalismo?

Eu acompanhei a história do liberalismo até suas raízes. E quanto mais investigo, mais estou convencido de que desde o início – ou pouco antes do início – o liberalismo tinha o conceito metafísico errado.

Estou falando da fonte do liberalismo. Duns Scotus (um frade franciscano considerado um dos mais importantes filósofos-teólogos da Idade Média), afirmou que a coisa mais geral é a matéria. O indivíduo é o ponto mais alto, a coisa mais espiritual, a coroa. Haecceidade em latim. Sua coisidade (ou quididade). Deus não criou ideias ou espécies, ele criou indivíduos.

Isso estava totalmente oposto ao realismo de Tomás de Aquino e Platão e Aristóteles. Porque, segundo Platão e Aristóteles, o espiritual era algo que pertencia ao gênero da espécie: a coisa mais geral ou ideia geral. A matéria serve apenas para separar. Esta influência da matéria separadora sobre a ideia geral cria o indivíduo. O indivíduo é o nível mais baixo.

Assim, desde o início – antes do liberalismo, antes do capitalismo – havia uma espécie de base metafísica que considerava a cosmologia clássica, a ontologia e a antropologia de cabeça para baixo. O liberalismo tem suas raízes precisamente nesse individualismo: que tudo é matéria, e no topo da matéria há apenas o indivíduo. Este indivíduo. Não a humanidade.

O liberalismo hoje é o estágio terminal do desenvolvimento histórico deste individualismo. É por isso que ele está errado em minha opinião, mas se você pensa o contrário, por favor! Eu não vou insistir nesse ponto. É assim que eu leio a história do liberalismo. Eu comparo isso com a tradição cristã ortodoxa, a filosofia russa, o socialismo russo, e entendo perfeitamente porque o rejeitamos no passado. Nós o rejeitamos na [Idade Média com a Igreja], nos tempos soviéticos, e agora, rejeitamos Joe Biden, Kamala Harris, os globalistas, o “Grande Reset”, o capitalismo, e o liberalismo. Porque pertencemos ao Outro entendimento da ideologia.

Para nós, a coisa mais importante é a realidade intelectual, espiritual e interior. Não a realidade externa. Nós descemos à individualidade. Não ascendemos a ela. É por isso que rejeito tudo no liberalismo, de uma forma metafísica. Mas se eu considero diferentes estágios do liberalismo, concordo que o liberalismo inicial parece algo mais normal. Mais humano. O liberalismo tardio é apenas uma perversão do mesmo: a dissolução final de todos os erros embutidos na filosofia liberal.

Você acredita que é possível que a civilização ocidental volte a uma forma de liberalismo clássico? Ou você acredita que estamos inevitavelmente nos encaminhando para a autodestruição?

Se considerarmos o caminho ocidental e sobretudo anglo-saxão da humanidade, vindo de Duns Scotus e da ordem franciscana a Joe Biden e esta visão totalitária globalista do liberalismo pós-humano, é chocante. É muito estranho ver como isso foi consequente. Havia uma espécie de lógica de ferro nisso.

Talvez a parte ocidental da humanidade tenha feito um pacto com o liberalismo, com este individualismo, e é por isso que vemos tal lógica em sua história. Portanto, ela irá na mesma direção com alguma hesitação, mas sempre em direção ao seu destino. Trump foi uma hesitação, a rejeição europeia da pressão americana é hesitação, o populismo é hesitação. Mas é a lógica da queda d’água. Se você estiver caindo, pode abrandar um pouco, agarrar-se a alguma pedra. Depois disso, a água corre para baixo e para baixo, para o fogo.

Acho que é destino cultural para o Ocidente chegar lá. Mas eu acredito firmemente na liberdade da pessoa humana. Se o homem diz “não!” ao seu próprio destino escolhido, ele sempre pode mudar tudo. Portanto, se vocês permanecerem fortes e disserem: “Não Biden! Saia! Nada de liberais! Saiam! Nada de BLM, nada de intelectuais artificiais! Somos orgulhosos de ser americanos, como nação, como povo!” Você sempre poderia mudar seu destino. Mas vocês devem entender como esta decisão deve ser séria. Não é apenas mudar de partido ou de líder para dizer sim ou não aos abortos. De modo algum. É uma grande decisão para reverter a lógica do tempo.

Isso é sempre possível. Não é muito provável. É muito, muito raro que isso aconteça. E a morte está muito próxima. Porque a morte seguirá da atitude pós-humanista que é quase inteiramente aceita no Ocidente. Tudo estará perdido quando não houver mais seres humanos. Mas eu acredito no livre arbítrio da sociedade americana de dizer “não” ao abismo.

Parece que nós americanos temos nosso próprio ethnos a redescobrir – para descobrir quem somos como um povo. Não conseguimos nem mesmo concordar se devemos estar orgulhosos de nosso país ou de nossos vizinhos.

Na minha opinião, a América não é um ethnos. A América não é um povo. A América não é uma nação. Desde o início, foi uma espécie de sociedade civil baseada na identidade individualista. Tudo foi criado em torno desta norma individualista. É a base da Constituição, da Revolução Americana; não foi uma continuação da história europeia feita pelo ethnos, pelos povos, pelas religiões, pelas nações. Foi algo criado a partir do ponto zero. Uma espécie de sociedade do futuro criada artificialmente, baseada em um princípio que excluía qualquer tipo de identidade coletiva.

Mas, como os americanos eram e ainda são humanos, não se podia perceber isto [visão pós-humana] totalmente. Vocês ainda tinham alguns laços com o Outro. Portanto, vocês tinham um simulacro de comunidade, de identidade nacional. Mas o elemento individualista na própria fundação da sociedade americana foi a força que erodiu mais e mais estes princípios, até seu ponto mais extremo hoje. Penso que amanhã falar sobre alguma identidade americana comum será considerado como um discurso de ódio! Já é um crime contra o politicamente correto.

Portanto, na minha opinião, o povo americano foi, desde o início, colocado nesta situação para ser um pós-povo. A América é uma sociedade civil pós-étnica baseada no consenso mutável dos indivíduos. Essa não é uma boa base para criar um ethnos. É uma base muito boa para destruir qualquer tipo de solidariedade.

Penso que a divisão da sociedade americana em duas partes é o resultado lógico disso. Como o individualismo divide; ele não pode unir. E, para criar um ethnos, para se tornar um povo, é preciso uma reviravolta em sua história.

Talvez vocês a encontrem nas guerras, nas catástrofes, nas revoluções. Como russos, nossa história está cheia disso. Durante todas essas guerras, desastres e revoluções, nós nos perguntamos “Quem somos nós? O que nos une? O que nos divide?”. Essa é uma enorme experiência histórica sobre o significado de nossa identidade.

Os Estados Unidos não tiveram isso. Só em parte, na Guerra Civil – mas até mesmo esse [resultado] ainda não está decidido agora. A linha divisória ainda está ali, com o sistema bipartidário e as identidades dos brancos e dos negros e assim por diante.

Hoje, a América está em uma situação muito, muito crítica. Se alguma unidade do povo americano é possível, não é óbvio como poderíamos chegar lá. Ao contrário, cada sinal mostra que a sociedade americana está cada vez mais dividida. Esse é o pior momento para sonhar com povo, com a nação, com o ethnos. Mas talvez seja a melhor situação, pois, caso contrário, não haverá mais americanos. Pelo menos americanos que sejam humanos.

Você já ouviu falar do “Bronze Age Mindset”, do Bronze Age Pervert?

Alguma coisa, mas não muito.

Certo. No documentário The Wolf in the Moonlight, você falou sobre terminar seu magnum opus. Sobre o que é seu magnum opus, e por que é o seu magnum opus?

É um trabalho de 24 volumes. Alguns destes volumes são muito grandes, mais de 1000 páginas. É o meu magnum opus porque lá eu concentrei todas as minhas principais ideias nestes livros. Ele contém o resumo de minha filosofia e minha visão das civilizações humanas.

Dediquei um volume a cada grande civilização. A ideia principal era provar que cada sociedade tem seu próprio tempo, espaço, natureza e destino, e que a humanidade é composta por estes mundos. Não há uma humanidade, um mundo, uma história ou um destino; há muitas humanidades, muitos mundos, muitas histórias e muitas culturas.

Não podemos criar uma hierarquia de civilizações: por exemplo, afirmar que de uma “sociedade arcaica” necessariamente se desenvolverá uma “sociedade bárbara”, e de uma “sociedade bárbara” se desenvolverá uma “civilização”. Isso é o que as pessoas no século XIX acreditavam, e nisso é o que os universalistas e materialistas ainda acreditam: que existe uma única humanidade passando diretamente pelos estágios de desenvolvimento para o mesmo objetivo.

Eu nego isso. E tento provar em 24 volumes a natureza cíclica e independente de diferentes civilizações. Temos muitas humanidades, e cada humanidade está vivendo em um ciclo diferente, com diferentes condições e diferentes lógicas internas. Por exemplo, descobri que os indianos têm uma compreensão totalmente diferente do tempo. Os chineses têm sua própria atitude totalmente diferente em relação à natureza, cultura, sociedade, e para organizar o diálogo entre estas civilizações, precisamos primeiro estudá-las cuidadosamente.

Quando estudamos uma civilização, devemos abandonar totalmente nossa própria identidade. Devemos esquecer o que sabemos sobre o homem, a mulher, a física, o cosmos, a religião, a sociedade, a família. Devemos tentar entrar em sua visão das coisas e nos libertar de nossos preconceitos universalistas – não apenas americanos, mas russos. Quando tentei estudar os africanos, não havia nada em comum com meu mundo russo, bizantino, eurasiático e monarquista. Mas eu não deveria projetar minhas opiniões, meus julgamentos, no continente africano. Caso contrário, eu não conseguiria entender nada. Nada!

Utilizei este método em meus livros. Estou chamando o método que desenvolvi de “O Método dos Três Logos”. Estou seguindo mais ou menos Nietzsche em sua distinção sobre os logos apolíneo e dionisíaco, mas cheguei à conclusão de que isso não é suficiente. Eu introduzi o terceiro logos de Cibele, ou “Grande Mãe”. Mas o que é interessante é que encontrei os três logos em todas as civilizações. Não poderíamos dizer que “Esta é a civilização de Apolo, esta é a civilização de Dioniso, esta é a civilização de Cibele”. Às vezes prevalece um logos e outras vezes, na mesma cultura, prevalece o outro logos.

Quando comecei a aplicar este método à civilização norte-americana, descobri muitas coisas interessantes. Cheguei à conclusão de que a mente americana é muito diferente da europeia. Ela se baseia em um paradigma muito particular: o pragmatismo. E o pragmatismo é totalmente oposto a algo como o utilitarismo.

O pragmatismo da mente americana é a abertura total do que deve ser o sujeito e o que deve ser o objeto. É o encontro entre sujeito totalmente livre com objeto totalmente livre, sem prescrições normativas, e esta é a realidade. É muito engraçado. Na verdade, eu me apaixonei pelo pragmatismo. Ele explica os piores e melhores aspectos da civilização americana.

Lidar com a civilização [norte-americana] foi totalmente diferente da civilização latino-americana ou sul-americana. Descobrir uma civilização atrás da outra, isso para mim foi uma espécie de jornada metafísica. Uma prova metafísica através de mundos diferentes. E a partir disso, tracei um mapa mundial multipolar da humanidade.

Não são apenas 24 volumes que escrevi e publiquei. É um convite para continuar meu trabalho. A ir mais longe. Rússia para os russos, Eurásia para os eurasiáticos, África para os africanos – todos devem interpretar este convite de diferentes perspectivas. Esta é apenas a primeira aproximação para estabelecer a multiplicidade e a dignidade de cada sociedade, pequena ou grande, “arcaica” ou “desenvolvida”.

É por isso que meu trabalho está sendo explorado na América Latina – eles entenderam meu convite e começaram a enriquecer meu esboço do logos latino-americano. Na África, [estudiosos] do Chade, Benin e do Saara Ocidental começaram a desenvolver esta ideia do logos africano – para melhorar e corrigir minhas aproximações sobre ele. O mesmo para a China, para a Oceania, para o mundo islâmico, e isso é extremamente proveitoso.

As palestras introdutórias a estes 24 volumes já foram publicadas em muitos idiomas. Penso que algum dia a tradução em inglês aparecerá. Isso é muito importante, eu acho. Não se trata de mim mesmo. É muito mais sobre vocês mesmos, e sobre todos os outros.

Isso se vincula à minha última pergunta. Qual é a sua mensagem para os jovens da América?

Antes de tudo, concordo com as palavras de Martin Heidegger, citando Hölderlin: “Onde há risco máximo, ali há salvação. Com o perigo extremo, vem a salvação extrema”.

Penso que os jovens nos Estados Unidos estão em maior perigo. Estão à beira da inexistência. E, de alguma forma, a culpa é sua. Portanto, vocês não são apenas uma vítima. Vocês são os autores disso. Portanto, vocês devem assumir a responsabilidade por vocês mesmos. Vocês devem assumir a responsabilidade do abismo que estão abrindo. Talvez vocês sejam os primeiros a cair nele. Mas a responsabilidade é de vocês.

Isso é muito sério. Vocês não devem apenas dizer que há elite uma pervertida, Pizzagate, alguns répteis, conspiração. Como disse Nietzsche, “Deus está morto”. Nós o matamos. Você e eu. Portanto, trata-se da responsabilidade europeia pela morte de Deus. Essa é a sua civilização. Vocês fizeram isso. E se nós pertencemos a essa civilização, nós o fizemos.

Esse é o ponto de partida. Vocês devem ser responsáveis por todas as consequências niilistas da imposição da cultura liberal individualista. Não se trata de culpa; trata-se de destino. Se é seu destino, sigam-o conscientemente até o final. O fim está muito próximo.

Mas se vocês não concordam com isto, se sentem que não é seu destino – se sentem que o Velho Joe e o LGBT+ e o globalismo e a tecnociência não são vocês – então bem-vindos ao martírio. Bem-vindos ao velho martírio cristão. Não é fácil combater isto. Não se trata de mudar “um pouquinho” algo na sociedade. Vocês devem se revoltar contra vocês mesmos.

Vocês chegaram primeiro ao ponto terminal. Vocês já estão alguns passos na frente de todos os outros durante a noite. E cabe a vocês dizer: “A noite acabou. A manhã está chegando”.

Mas vocês podem fazer isso. Cabe a vocês decidir. A maior responsabilidade é colocada sobre a sociedade americana. Mais do que de qualquer outra nação. Vocês estão em posição de decidir por toda a humanidade: ser ou não ser.

É difícil esperar algo das gerações mais velhas. Elas perderam tudo o que podiam. Somente a juventude americana pode fazer esta mudança, esta virada em sua história. E isso é voltar às raízes. Ao logos. Ao logos americano. É algo muito difícil e perigoso, o logos norte-americano, mas é o seu destino. É seu dever redescobri-lo, reafirmá-lo e assumir a responsabilidade por ele.

Fonte: Countere

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Aleksandr Dugin

Filósofo e cientista político, ex-docente da Universidade Estatal de Moscou, formulador das chamadas Quarta Teoria Política e Teoria do Mundo Multipolar, é um dos principais nomes da escola moderna de geopolítica russa, bem como um dos mais importantes pensadores de nosso tempo.

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