Todos sabemos que o liberalismo é o pensamento hegemônico de nossa época, mas qual é seu fundamento filosófico e metafísico? De onde ele surgiu? O filósofo russo Aleksandr Dugin aborda, aqui, uma das raízes filosóficas medievais do liberalismo: o nominalismo.
Muitas pessoas que se consideram intelectuais ocasionalmente repetem a frase “não dupliquemos as essências” e olham em volta triunfantemente, esperando que outros apreciem sua “inteligência”. Parece realmente estúpido, e o próprio conteúdo desta afirmação, que pertence ao fundador do nominalismo, o filósofo medieval Guilherme de Occam, é simplesmente criminoso. É uma blasfêmia grosseira e imunda, uma espécie de profanação metafísica – falsa e insultuosa. E é frequentemente repetida de forma irrefletida. Tal prática deve ser interrompida.
A chamada para “não duplicar essências” é o slogan do materialismo radical e grosseiro. Para Occam e seus seguidores, na realidade existem apenas coisas materiais separadas individuais, apenas uma multidão quantitativa. Esta multidão é percebida pelos sentidos e está sujeita à medição. E tudo o mais – o espírito, a alma, as ideias universais – simplesmente não existem. Elas são apenas sombras e projeções da mente humana.
Esta é a famosa navalha de Occam – ela corta a vertical espiritual do ser. É um instrumento de castração, a ferramenta do assassino maníaco.
Enquanto o próprio Occam ainda reconhece Deus como o criador desta multidão material, seu papel não é muito diferente do Big Bang da física moderna. Tal “Deus” é apenas a causa da existência material. E seguindo a lógica de “não duplicar essências” tal “Deus” desaparecerá gradualmente da ciência moderna da Europa Ocidental. Deus desaparece precisamente porque “não há necessidade de dobrar as essências”, os materialistas desenvolverão a ideia de Occam até o seu fim lógico. A própria multidão material é suficiente. E tudo o mais é apenas um puro jogo do intelecto, tentando desesperadamente lidar com a multidão que a cerca. E o portador do intelecto também é apenas um indivíduo material, outro átomo adicionado a um número infinito de partículas. Não partes, pois apenas um todo pode ter uma parte, mas partículas, ou seja, partes que não têm um todo, sendo partes de algo que não existe.
“Não duplicar essências” significa que não há alma, nem espírito, nem ideias e, afinal de contas, nem Deus. Há a terra, mas não há o céu. E “o reino, que não é deste mundo”, também não existe neste caso. Nem o próprio Rei – o Senhor Jesus Cristo. Só existe “este mundo”, que é concreto, tangível, mensurável, compreensível. Mas não há outro. Não há nada de transcendente…
Não pensamos nisso, mas durante os últimos séculos temos vivido no mundo de Guilherme de Occam. Temos essa ciência, essa educação, essa cultura, essa sociedade, essa filosofia, essa política. Tudo é unidimensional, este-mundista. E qualquer referência ao Outro, àquilo que não é deste mundo, evoca apenas um sorriso de desprezo. É “não moderno”; é “obscurantismo medieval”.
Pois aqueles que viviam em tempos pré-modernos “ainda não entendiam” a necessidade de “não duplicar as essências”, assim o fizeram. Passo a passo, o nominalismo destruiu essas “essências desnecessárias” – religiões, impérios, hierarquias, estamentos – tudo o que buscava elevar o homem, a cultura, a sociedade até os céus. Afinal de contas, o céu foi abolido.
Depois, os Estados nacionais foram tomados de assalto: eles apenas duplicavam a sociedade civil. Portanto, vamos aboli-los! Depois vem a política de gênero – por que dividir as pessoas em homens e mulheres? Deixemos cada indivíduo (uma partícula sem um todo) escolher seu próprio sexo opcionalmente, “não dupliquemos as essências”…
E, finalmente, o conceito coletivo de homem – afinal de contas, ele presume uma dupla essência. Então, onde está esse homem – o homem enquanto essência? Em nenhum lugar. É apenas palavra, flatus vocis.
Há apenas o indivíduo. E ele (ele?) pode escolher por si mesmo o que ser – humano ou não.
Assim, seguindo o convite inicial de Occam, chegamos ao pós-humanismo. Cada indivíduo escolhe por si mesmo o que quer ser: um homem, uma besta, um ciborgue, uma máquina, ou um molde.
Toda a história da degeneração filosófica da civilização ocidental está embutida nesta maldita fórmula “não duplique essências”. Enquanto a seguirmos, estaremos condenados.
Então, qual é a conclusão? É simples. Temos que voltar imediatamente à duplicação de essências. Há tempo e eternidade, há o mundo e Deus, há ideia e objeto, há realidade e sonho, há homem e mulher, há este mundo e há outro mundo. Assim que paramos de dobrar, tudo se desmorona. Daí o declínio fatal e imparável da civilização.
Vamos dobrar. – Façamo-lo de forma dura, intransigente, platônica, desesperada, medieval. Dobremos e dobremos impiedosamente.
É o único caminho para a salvação.
Fonte: Geopolitica.ru