O que é a Geopolítica? Seu objeto de estudo e por que devemos nos importar

Após longos anos de proscrição a geopolítica voltou à moda. Mas do que se trata, exatamente, a geopolítica e de que forma ela se distingue da geografia política e das relações internacionais? Ademais, por que a geopolítica é fundamental?

A geopolítica parece estar na boca de todos, ainda que não há muito tempo tenha sido repudiada por ter sido identificada com o nacional-socialismo. Ela foi apresentada como uma pseudociência que procurava encobrir objetivos de dominação, ou como uma mera ideologia que procurava legitimar conquistas territoriais. Hoje as coisas mudaram e a geopolítica encontra pregadores, porta-vozes e analistas em todos os lugares, a tal ponto que podemos afirmar que estamos diante de uma situação abusiva, já que muitas vezes eventos que não estão relacionados de forma alguma com o objeto de estudo da disciplina são rotulados como “geopolíticos”. As variáveis e teorias desta ciência são frequentemente ignoradas e parece que qualquer evento internacional, pelo simples fato de ser assim, já é geopolítico; e generalizar desta forma é incorreto. Mas então, o que é a geopolítica? Estas linhas têm como objetivo ajustar os conceitos.

Da geografia humana à geopolítica

Argumentamos que a geopolítica tem um antecedente fundamental no século XIX, quando alguns geógrafos estudaram os fatores condicionantes que o ambiente espacial[1] exercia sobre a vida humana. Estudiosos como Humboldt, Ritter e Ratzel, na Alemanha; ou Vidal de la Blache, Camille Vallaux e Élisée Reclus, na França, investigaram fatores como clima, solo, tempo, até mesmo a paisagem[2], e como eles influenciavam o homem; assim, a geografia humana nasceu como um ramo particular da geografia geral. Entretanto, isto não é suficiente para identificar o objeto de estudo da geopolítica. Para esta ciência é necessário ter um ator específico da vida social, o Estado, entendido como a organização territorializada de uma coletividade para ordenar suas relações sociais. Embora o Estado não seja o único ator que pode ter interesses territoriais, para a geopolítica ele é o fundamental, pois como ciência ela nasce com o objetivo de alcançar propósitos políticos ligados à geografia.

Neste ponto, podemos dar uma definição precisa: a geopolítica é a ciência que estuda a influência dos determinantes espaciais sobre a vida e os objetivos dos Estados. É uma ciência, pois tem seu próprio objeto de estudo e utiliza métodos, variáveis e conhecimentos verificáveis para se aproximar dele. Em sua evolução, como em qualquer ciência, nasceram teorias, escolas, paradigmas e autores clássicos.

Agora, se o que estamos estudando é como o ambiente espacial influencia os objetivos nacionais, devemos explicar a utilidade do território para um Estado. Foram identificadas principalmente quatro funções: (a) proteção; (b) fonte de recursos; (c) mobilidade de pessoas; e (d) intercâmbio de bens e ideias. Com relação ao primeiro ponto, é lógico que os seres humanos buscam uma área para se protegerem de outras pessoas, do tempo inclemente ou de animais selvagens. A busca de segurança é mais complexa no caso de coletividades organizadas; assim, cidades foram fundadas em áreas elevadas ou protegidas por alguma característica geográfica, e a fim de estabelecer populações, pântanos e solos difíceis foram evitados. No caso das capitais, era natural que elas estivessem localizadas longe das costas para evitar possíveis ataques – as capitais são geralmente os centros de gravidade políticos de um Estado -, mas também para evitar as lógicas econômicas que normalmente prevalecem nos portos.

A provisão de recursos decorre da necessidade de alimentos e de acesso a elementos úteis em termos econômicos ou técnicos, tais como metais, madeira, hidrocarbonetos, etc. Conforme a vida coletiva se tornou mais complexa, a questão dos recursos tornou-se fundamental na competição posicional de vários atores internacionais, já que não apenas os Estados desfrutam dos benefícios gerados pelos recursos, mas também as empresas em sua busca pelo lucro. A empresa pode ser outro ator com interesses geopolíticos, tais como organizações terroristas, entidades estatais subnacionais, movimentos separatistas, etc. Onde quer que haja objetivos relacionados ao espaço e à busca do poder (político, econômico ou o que quer que seja), há necessariamente geopolítica.

A mobilidade no espaço é para o transporte e as comunicações. As pessoas precisam de rotas eficientes que liguem pontos no menor tempo possível, e precisam que essas rotas sejam seguras, o que relaciona essa função com o primeiro ponto. O comércio prosperou com recursos que poderiam ser explorados de forma estável, transportados com segurança e, uma vez fabricados, distribuídos em todo o mundo.

Um sistema como o capitalismo não poderia ter florescido sem essas suposições, independentemente das reticências que os empresários demonstram em relação à geopolítica. Ou devemos lembrar que o Império Britânico alcançou sua hegemonia ao criar uma ordem internacional baseada no mar livre? A mobilidade também está relacionada com o último ponto, a troca de bens e idéias. Novidades, bens de consumo e idéias políticas utilizam rotas territoriais para se mover, e assim os portos, sendo um ponto de chegada do exterior, têm sido historicamente mais permeáveis às culturas estrangeiras, como as cidades mediterrâneas mais conservadoras. Como podemos ver, o espaço é um meio para a influência de fatores materiais, assim como de aspectos simbólicos e culturais.

Estamos agora em condições de fazer um importante esclarecimento: geopolítica não é o mesmo que geografia política. A primeira serve para atingir objetivos políticos e, portanto, tem uma tarefa prescritiva e dinâmica. Isto ocorre porque na tarefa de alcançar objetivos, as soluções devem ser prescritas dentro da estrutura da ação política, onde os cenários estão mudando e as alianças, as ameaças e os próprios objetivos políticos podem variar. A geografia política, por outro lado, tem uma tarefa descritiva e estática, já que trata de dados mensuráveis sobre o território de um Estado, tais como descrever seus aspectos climáticos: mede o tamanho de um país e a extensão de seus limites, descreve os tipos de solo e os ventos que atuam em seu território, etc. A geopolítica se insere na órbita da ciência política e, mais precisamente, das relações internacionais; a geografia política, por outro lado, é atribuída à geografia[3]. A confusão foi espalhada por autores que demonizaram a geopolítica como “ideologia nazista” e preferiram falar de geografia política, cometendo um abuso semântico que forçou o significado de outra disciplina.

Da geopolítica às relações internacionais

Como vimos, há uma relação entre geopolítica e relações internacionais, embora possamos afirmar que a geopolítica como disciplina é anterior. Os primeiros pesquisadores do que viria a ser chamado de relações internacionais tiraram conhecimento da geopolítica e o integraram com elementos da história, do direito internacional ou da sociologia para explicar a política internacional. Com ênfase particular após a Segunda Guerra Mundial, e como resultado do confronto entre os Estados Unidos e a União Soviética, os estudiosos voltaram aos conceitos da geopolítica clássica como área de influência, zona de fricção, área pivô, contenção, fronteira natural e assim por diante. Nas relações internacionais, os autores do chamado “realismo” foram os primeiros a integrar variáveis territoriais.

Entretanto, se falarmos de política internacional[4] , a importância da geopolítica será condicionada pelo que é entendido como o político. Uma coisa é estar no mundo acreditando que o principal ator da realidade social é o homem como um ser-átomo que compete com outros para benefícios individuais, e outra bem diferente é entender que certas unidades políticas são aquelas que têm a possibilidade de condicionar a história e que tais unidades agem motivadas pelo poder, entendido como o meio que garante a liberdade de ação na busca de objetivos. A primeira visão, típica do liberalismo, considerará a geopolítica como algo secundário ou mesmo prejudicial, já que esta ciência serve para aumentar o poder do Estado, o que parece pernicioso para o liberal, já que ele prefere maximizar as liberdades individuais. Por outro lado, para um governo a geopolítica é (ou deveria ser) uma ciência útil para atingir objetivos nacionais, e foi assim que os autores da escola realista a entenderam, que incluíram o território dentro dos chamados “atributos do poder nacional”. Vamos ver algo sobre isto.

Um Estado tem atributos – qualidades materiais e imateriais de uma unidade política – que nos permitem avaliar aproximadamente seu potencial. Alguns desses atributos são mais ou menos mensuráveis, como o tamanho das forças armadas, o tamanho da população, o tamanho do território ou o tamanho da economia; outros, como a qualidade da liderança política, o nível de profissionais, a vontade nacional ou o desenvolvimento da ciência, são mais difíceis de medir. Mais atributos poderiam ser nomeados, mas estes são basicamente os clássicos. Juntos eles nos dão uma imagem do quantum de poder que um Estado possui e, se ele tem muito poder, tanto melhor ele deveria atuar na política internacional.

Cada um desses atributos é tratado por várias disciplinas e, entre elas, a geopolítica tem sua própria tarefa, que é lidar com a valorização do espaço nacional, a fim de maximizar as funções que o atributo-território tem para um Estado. Em outras palavras, e voltando ao que foi dito acima sobre as funções do espaço: a geopolítica está principalmente preocupada em como a geografia deve ser aproveitada para aumentar a segurança, garantir o fornecimento de recursos e agilizar a mobilidade que opera através de rotas de comunicação.

Uma nação com um território com poder e segurança pode se tornar um ator significativo com capacidade de participar ativamente no sistema internacional. Sem o poder nacional não há liberdade de ação e, neste caso, a defesa da soberania torna-se meramente declamatória. Devido às funções que o espaço tem para um Estado, conclui-se que os problemas geopolíticos estão diretamente relacionados aos objetivos estratégicos nacionais e intimamente ligados tanto ao perfil produtivo de um país quanto a suas políticas de defesa nacional. É por isso que a geopolítica deve integrar conhecimentos multidisciplinares, utilizando a geografia, claro, mas também a economia e a sociologia, entre outras ciências auxiliares.

Algumas reflexões sobre nosso país

A Argentina tem muitos desafios em matéria territorial, já que possui o oitavo maior território do mundo, mas com um espaço nacional desintegrado; sua região patagônica está vazia, suas posses no Atlântico Sul foram arrebatadas e seu objetivo é se projetar para a Antártida. Neste ponto é legítimo nos fazer duas perguntas: a liderança política de nosso país tem algum treinamento em geopolítica? Por outro lado, as partes chegaram a algum acordo sobre quais são os objetivos geopolíticos da nação? Acreditamos que há um grave déficit em ambas as questões, particularmente no que diz respeito à segunda questão.

Em nossa opinião, não é que os objetivos não sejam identificados ou que faltem estratégias. Acreditamos que o problema reside no fato de que a Argentina tem objetivos e estratégias, mas que estas são conseqüência de transferências ideológicas que atribuem à Argentina um papel periférico em termos de seu perfil produtivo e fraco em relação aos atributos do poder nacional. Nossos políticos adotaram roteiros elaborados por outros e agem como se o melhor fosse ter pouco poder e poucas exigências, já que isso nos transformaria num país “sério e previsível”, sem reivindicações incômodas para os atores mais significativos do sistema internacional. Para os decisores políticos nativos, tudo se resume a “inserir-se inteligentemente no processo de globalização”, um discurso que promove uma política externa “de consenso” que procura sistematicamente evitar qualquer conflito com outros atores, muitas vezes à custa da defesa de nossos próprios interesses; mas esta atitude não erradica a natureza agonal da práxis política. Este papel de “bom aluno” que adotamos foi consolidado com ênfase particular após a guerra das Malvinas, e é por isso que acreditamos que a questão do Atlântico Sul vai além da geopolítica: a causa das Malvinas deve se tornar um símbolo de nossa revigoração nacional.

Por outro lado, devemos superar essa colonização mental que legitima nossa dependência através de uma “pedagogia da fraqueza” que nos faz acreditar que ter pouco poder e não antagonizar os poderosos é virtuoso, assim como é virtuoso praticar sempre e em todas as circunstâncias o pacifismo, a solidariedade “global” e o humanitarismo. Vejamos algumas conseqüências práticas desta mentalidade: não temos uma política de defesa ativa, porque a Grã-Bretanha tem peso nos mercados financeiros aos quais nossos líderes normalmente vão mendigar dinheiro; não consolidamos a unidade geopolítica da América do Sul, porque este seria o “quintal” dos Estados Unidos; não produzimos alimentos para uma dieta saudável, porque isso corta os negócios das multinacionais que nos envenenam com seus OGMs e fertilizantes… e poderíamos continuar sem parar.

Para reverter esta situação, teremos que mudar nossa lógica: temos que entender que não vivemos em um mundo de cordeiros, mas em um onde os atores com mais poder se comportam como lobos, porque querem manter sua posição hegemônica. Este sempre foi o caso, mas devido à nossa localização geográfica particular, longe dos tradicionais focos de conflito, o mito da Argentina como uma “ilha de paz” tornou-se profundamente enraizado na imaginação coletiva de nossos compatriotas. Entretanto, este mito não pode mais ser sustentado e é um grave erro fingir que ele existe, ainda mais em cenários progressivamente integrados e complexos. Devemos construir o poder nacional, fortalecer o território e modernizar a economia dando prioridade ao conhecimento e às tecnologias de ponta; devemos proteger nossos recursos naturais modelando um projeto para um país que promove o cuidado com o meio ambiente, e onde os espaços de convivência permitem uma vitalidade psicofísica saudável. Mas, acima de tudo, teremos que nos encarregar dos conflitos potenciais que necessariamente surgirão desta mudança de rumo, para os quais a sabedoria política terá que planejar estratégias que nos permitam lidar com eles. Se realmente queremos consolidar uma nação independente, tais são os desafios e riscos que devemos assumir.

Notas

1 – Ver Pierre Gallois, Geopolítica. Los caminos del poder, Ediciones Ejército, Madrid, 1992, em particular os capítulos II, IV e X.
2 – Estes quatro fatores, e como eles influenciam os povos, foram estudados pelo psicólogo Willy Hellpach, em seu livro Geopsique de 1911, que teve alguma repercussão entre os geopolíticos alemães. Ver Willy Hellpach, Geopsyche. El alma humana bajo el influxo de tiempo y clima, suelo y paisaje, Espasa Calpe S. A., Madrid, 1940.
3 – Ver Jorge Atencio, Qué es la geopolítica, Pleamar, Buenos Aires, 1982, 4ª edição, pp. 41-52. O livro de Atencio é um clássico do pensamento geopolítico argentino. Como o leitor pode ver, parafraseamos seu título para o presente artigo.
4 – Uma análise recente (embora pré-pandêmica) das tendências geopolíticas pode ser encontrada em Robert D. Kaplan, A Vingança da Geografia. Como os mapas condicionam o destino das nações, RBA, Barcelona, 2015.

Fonte: Revista Nomos

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Andrés Berazategui

Formado em Relações Internacionais pela Universidade Argentina John F. Kennedy e mestrando em Estratégia e Geopolítica na Escola Superior de Guerra do Exército.

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