Quarta Teoria Política e Socialismo na América Latina

Por Carlos Salazar, Presidente do CPECI

A ascensão de Pedro Castillo ao primeiro lugar no primeiro turno das eleições presidenciais do Peru exemplifica a fórmula que a NR tem defendido: “Esquerda do trabalho, direita dos valores”, “socialismo conservador”, “comunitarismo”. Este artigo, embora não seja sobre as eleições presidenciais peruanas, aponta a exequibilidade de um socialismo autóctone em nosso continente, como demonstram a insurgência dos chilenos contra o modelo neoliberal imposto goela abaixo ao Chile, bem como a ascensão de Castillo. 

Nos últimos dois meses de 2020, nós participamos de varias instâncias de colaboração com intelectuais e ativistas da luta anti-imperialista ao redor do mundo. No dia 19 de novembro, como um representante do Círculo, eu participei da conferência internacional “Alternativa Multipolar para a América Latina: Geopolítica, Ideologia e Cultura” (Alternativa Multipolar para América Latina: La Geopolítica, La Ideologia, La Cultura). Nessa ocasião, e expondo os tópicos que eu já havia abordado no meu texto: “A Quarta Teoria Política ou um Pensamento para a América Latina”, eu fui capaz de apreciar muitas boas palestras como as de Vicente Quintero (Venezuela), Pavel Grass (Brasil), Nino Pagliccia (Canadá/Venezuela), Valerii Korovin (Rússia) dentre muitos outros, concordando com elas em muitos pontos de vista. Destaca-se a palestra de Alexander Dugin, em que ele fez um convite imperdível aos povos da Nossa América a fim de abordar seus problemas a partir da Quarta Teoría Política (QTP), dessa vez propondo que pensemos um novo tipo de Socialismo, que seja distinto tanto do antigo socialismo quanto da esquerda liberal (“bolcheviques-liberais”, como eles estão sendo chamados com uma pitada de sarcasmo).

Esse novo socialismo, segundo a ideia de Dugin, deveria buscar suas raízes no Populismo Integral (anti-liberalismo radical), tomando para si os melhores aspectos do velho socialismo, como a luta de classes do proletariado contra a exploração capitalista, mas ele também deveria resgatar esses aspectos da direita (hoje em dia, liberais e globalistas) que foram abandonados, ou que são meramente aproveitados com o objetivo de defender interesses de oligarcas, como a defesa da Pátria e certas tradições ligadas à identidade dos povos.

Essa proposta é algo que nós temos desenvolvido já há bastante tempo no Círculo Patriótico de Estudos Chilenos e Indo-Americanos (CPECI). De um lado, o Nacionalismo da Praxis¹, e do outro, o Revisionismo da Tradição². O primeiro toma o alicerce da Guerra de Classes como uma luta por liberação nacional³ e o segundo é baseado no princípio da Tradição Popular Viva, que significa pensar o passado a partir do futuro e não o contrário, como os reacionários costumam aspirar fazer. Ambas as tendências passaram a constituir o corpus de um Pensamento Chileno e Indo-Americano Autêntico que se interliga com a proposta geopolítica da QTP, contra a unipolaridade atual, chefiada por nosso maior opressor, o Império dos Estados Unidos da América e seus colaboradores na oligarquia local (anti-)chilena.

Sem dúvidas, a QTP é controversa, pois propõe tanto uma superação do já morto fascismo/nacionalismo de terceira posição, como do velho socialismo real, a fim de criar uma nova força que possa opor o liberalismo. Mais além do indivíduo, da classe, da nação ou do Estado, ela propõe que o sujeito da nova teoria política deve ser o Dasein (Ser-aí). Na filosofia Heideggeriana, esse “Ser-aí”, é o homem (ou mulher) que é lançado no mundo e, como tal, pode existir de diversas formas na medida em que seja uma entidade (como trabalhador, estudante, profissional, desempregado, amigo, habitante, cidadão, etc.) mas ao perguntar “Quem sou eu?” ele busca desvendar seu próprio sentido de “Ser”. Ou seja, o “Ser-aí” é a entidade que faz a pergunta pelo “Ser”. E é a única entidade a fazer essa pergunta. Todas as outras entidades têm seu próprio “Ser”, ou seja, elas “são”, elas existem como entidades, mas elas não formulam essa pergunta pelo “Ser”. O “Ser-aí” é proeminente no ôntico em comparação a outras entidades na medida em que ele é consciente de sua própria existência e, partindo daí, pode escolher se existe como si mesmo ou não (existência autêntica e existência inautêntica). No entanto, ele também é proeminente no ontológico visto que ele é quem formula a questão de seu próprio “Ser”.

Esse tópico foi abordado na entrevista que Luis Bozzo fez ao professor Dugin, em 4 de dezembro de 2020, em que ele perguntou uma explicação mais compreensível do “Dasein” ou “Ser-aí”, e Dugin afirmou que no quadro geral da Quarta Teoria Política, o “Dasein” é o Povo. Intuição da qual eu compartilho, pois na política é o Povo em si quem pergunta “Quem sou eu?” e é o Povo quem afirma sua forma de existir e reafirmar a si mesmo (confira “Uma Filosofia para a América Latina” de Feinmann). Ambos José Pablo Feinmann e Dugin afirmam que a forma de saber “Quem sou Eu” é através da negação de “quem eu não sou”, em outras palavras, o Povo se rebela em frente a imposições daquilo que é estranho a seu “Ser”, e isso se tornou claro com a Revolta Social de 2019 e o seu lema “O Chile despertou”. O Chile que por tantos anos foi vendido como um produto para o mercado internacional (o Chile inautêntico), como um “exemplo do triunfo dos princípios neoliberais”, e como “um filho pródigo de Milton Friedman”, subitamente se levantou para quebrar suas correntes ideológicas e afirmar sua forma autêntica de existência (Dasein).

Cada civilização tem sua própria maneira de existir autenticamente, seu próprio “Dasein” por assim dizer. Do mesmo modo, por exemplo, se no Ser Europeu, a autenticidade está no tradicionalismo e nas raízes pagãs da cultura, e o Ser Eurasiático se encontra no Cristianismo Ortodoxo, no Xamanismo Siberiano, ou até no Patriotismo Soviético e Pós-Soviético; na América Latina, o Ser é reafirmado em oposição à dominação imperialista (anteriormente do Império Espanhol, e hoje em dia do Império dos Estados Unidos) e em oposição ao sistema do império, o capitalismo. Sem dúvidas, a vontade da Nossa América está orientada para o socialismo e o patriotismo na luta pela soberanidade. A diferença entre o velho socialismo e o novo socialismo que a QTP propõe, é que este último leva em consideração o Povo como o seu sujeito político, ou seja, o “Ser-aí” da América Latina e do Chile. É uma proposta para superar um certo sentido, o dogmatismo de analisar tudo como exclusivamente um assunto de “luta de classes”. Isto implica um abandono ou uma negação do Marxismo. De modo nenhum. O próprio Dugin afirma que:

O Marxismo é relevante pela sua descrição do liberalismo, sua identificação das contradições do capitalismo, sua crítica ao regime burguês e a revelação da verdade por trás da política democrática burguesa da exploração e escravidão que se apresentam como ‘progresso’ e ‘liberdade’. ‘O potencial crítico do Marxismo é muito útil e aplicável, sendo capaz de ser incluído no arsenal da Quarta Teoria Política.’ (A. Dugin, A Quarta Teoria Política, p.64).

Em princípio, em sua análise da luta de classes, ele permanece válido como sempre, mas reduzir toda análise política à cosmogonia entre a burguesia e o proletariado pode acabar limitando nosso panorama, especialmente se nós levarmos em consideração a realidade da globalização e como ela gerou o grupo humano pós-proletário chamado de “precariado“, ou as relações geopolíticas intrínsecas de nossos tempos atuais. É aí que o pensamento existencial de Heidegger pode nos ajudar com o “Ser-aí” ou sua aplicação na política que traduz o “Ser-aí” como “o Povo”.

O Povo pode ser definido como: “o grupo humano estruturado organicamente, ciente de seu destino histórico, cujos componentes estão ligados entre si por ideais comuns, mais ou menos bem definidos” (Ver a definição de Povo em nosso website³). O povo preenche um papel político e soberano, identificando-se como uma classe social, ou seja, a “Classe Popular”, enfrentando o despotismo e a tirania, exercendo seu direito de rebelião com o fim de consolidar uma vida integral, montando sua própria história. Daí a fórmula: “contra o horror do tirano, terror popular”. Esse Povo ou Classe Popular, ainda que não seja exatamente o que o Marxismo identifica como o Proletariado, está estritamente ligado ao último, dado que o coração do Povo é a classe trabalhadora, posteriormente também inclui os setores da pequena burguesia que tendem à proletarização.

Um socialismo que coloca em seu centro a luta pela soberania do povo é exatamente o Nacionalismo da Práxis ou Patriotismo Popular, ou seja, um populismo integral, uma ideia que vai além do velho socialismo e do velho nacionalismo, mas que integra os aspectos mais avançados de ambos. Apenas desta forma a QTP pode ser compreendida em nosso amado Chile e na nossa amada América Autêntica.

Notas:

“Stalin e o Nacionalismo da Praxis” (em inglês) por Luis Bozzo. https://therevolutionaryconservative.com/articles/culture/stalin-and-nationalism-of-the-praxis/#.YGkG-WRKiRs

“Revisionismo da Tradição” (em inglês) por Carlos Salazar. https://therevolutionaryconservative.com/articles/civil-rights/revisionism-of-tradition/#.YGkHFWRKiRs

“As classes sociais, o Povo e a Oligarquia” (em espanhol) por CPECI. https://praxispatria.cl/2020/12/17/clases-sociales-pueblo-y-oligarquia/

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Nova Resistência
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