Escrito por Juan Gabriel Caro Rivera
Rússia e Cuba possuem uma longa história de amizade que precede a Revolução Cubana, mas que foi se aprofundando ao longo do século XX por conta da Guerra Fria. Agora, quando ambos os países seguem sob cerco dos EUA, não por razões ideológicas mas por razões geopolíticas, acadêmicos cubanos e russos organizaram uma conferência para debater os rumos das relações entre os seus países.
Em 24 de março de 2021, o Movimento Internacional Eurasiano organizou, juntamente com várias universidades e intelectuais cubanos, uma reunião para avaliar as relações bilaterais entre Cuba e a Rússia. O encontro, que é o terceiro evento deste tipo a ser realizado por intelectuais russos junto com acadêmicos latino-americanos, focalizou especialmente os problemas que ambas as nações enfrentam devido ao surgimento do mundo multipolar e as contínuas agressões que tanto a Rússia quanto Cuba sofrem por parte dos Estados Unidos.
Muitos dos oradores enfatizaram as origens das relações bilaterais entre Cuba e Rússia, que datam de muito antes da Revolução Cubana. Entretanto, estas relações foram fortalecidas como resultado da cooperação entre as duas nações, uma vez que o domínio americano da ilha foi abandonado.
O professor Santiago Pérez Benites observou que as relações entre os dois países foram mantidas apesar da mudança na política russa desde a Glasnost e da mudança no sistema econômico e político da Rússia. Pérez Benites argumentou que as relações diplomáticas entre Cuba e Rússia conseguiram resistir ao teste do tempo porque existe um “tipo de afeto” entre os dois povos que os faz permanecer unidos além de qualquer lógica de natureza econômica: “As relações entre Cuba e Rússia são mantidas não por interesse no petróleo ou pela proximidade da ilha com os Estados Unidos, mas por outras razões. Há um tipo de afetividade nas relações internacionais. As relações internacionais são feitas por povos e indivíduos. Penso que existe uma visão antiliberal inata que une cubanos e russos contra o individualismo liberal. O senso de resistência e o resgate de valores são característicos de nossos povos. Há uma simpatia que une ambas as sociedades, já que ambos os povos resistem contra o liberalismo global”. Além disso, é bem conhecido que “muitos patriotas cubanos que estudaram na Rússia ocupam atualmente cargos importantes dentro do Estado. Muitos deles sentem respeito e amor pelos russos”. O professor Pérez também disse que “a visão de criar uma grande Eurásia unida é fundamental para os interesses de Cuba”. Percebemos que, do ponto de vista geopolítico, uma Eurásia unida é a chave para o equilíbrio mundial. E embora “na Rússia existam setores oligárquicos e financeiros que vêem Cuba como devedora, existem também setores patrióticos que defendem a soberania da ilha”, portanto esta linha de pensamento deve se tornar a dominante quando se trata de aprofundar as relações entre as duas nações. O professor Santiago Pérez também explicou que a Rússia não tem interesse em mudar o sistema político da ilha e isso a diferencia dos países da Europa e dos Estados Unidos que pretendem transformar radicalmente a política interna de Cuba.
Por sua vez, o professor Pablo Guadamarra Gonzalez expôs a necessidade de fazer mudanças na ideologia socialista de Cuba a fim de manter a validade do socialismo no século XXI. “Os fatores ideológicos são mais sutis do que os problemas econômicos, mas muito importantes. As ideologias são um conjunto de pensamentos e idéias que servem para reformar ou subverter os sistemas”. O professor Guadamarra deixou muito claro em sua apresentação que “Cuba nunca foi um satélite da URSS. A URSS desapareceu, mas Cuba continuou a ser socialista… Isto porque o socialismo era intrínseco ao curso político da ilha. O socialismo nunca foi uma corrente predominante de pensamento na ilha, mas sua importância estava subjacente e presente”. É por isso que é importante entender que “toda a geração centenária cubana estava imbuída das idéias das gerações anteriores. Fidel Castro vinculou o pensamento de José Martí ao socialismo. Com sua ação política, o socialismo deixou de ser uma ideologia para se tornar uma práxis social. O anti-imperialismo tornou-se um elemento importante e por isso se tornou necessário apoiar os movimentos anti-imperialistas em várias partes do mundo. Che Guevara considerou que era necessário criar um, dois, três Vietnãs”. Segundo o professor Guadamarra, Cuba cometeu vários erros na implementação do socialismo, especialmente em suas teorias sobre a divisão internacional do trabalho ou a estatização de todas as empresas privadas. No entanto, o socialismo não é uma teoria construída, mas algo que se desenvolve.
O professor Guadamarra sustenta que “para considerar um país socialista, as seguintes premissas devem ser cumpridas: 1) Predomínio da propriedade social, não necessariamente propriedade estatal, mas propriedade comunal. Existem formas de propriedade comunal diferentes da propriedade privada. 2) Distribuição eqüitativa da riqueza. 3) Democracia participativa, que é muito diferente da democracia burguesa representativa. 4) Assegurar a saúde social. Os doentes não são clientes, como dizem os neoliberais, mas pacientes. Saúde, esporte e educação são elementos necessários para manter uma qualidade de vida integral. 5) A defesa dos valores humanistas: o socialismo é, acima de tudo, uma criação social. O socialismo não pode ser reduzido à satisfação das necessidades primárias dos homens, mas deve criar um Homem Novo”. Todos estes elementos devem levar a uma reorientação da luta social em Cuba e ao estabelecimento de um mundo que desafie a natureza unipolar do sistema internacional.
O professor Alexander Dugin apresentou então sua visão das relações Cuba-Rússia como um passo importante para desafiar a unipolaridade e criar a multipolaridade. “Hoje existem dois campos: o campo da globalização liberal e capitalista, que criou um novo sistema capitalista tecnocientífico que se apropriou de alguns dos elementos da esquerda. Entretanto, não é mais uma esquerda que defende os trabalhadores, mas uma nova esquerda que é pró-capitalista. O liberalismo pós-moderno quer unir as idéias econômicas da direita liberal com as idéias sociais e culturais do liberalismo de esquerda, é uma síntese do liberalismo. É uma forma de liberalismo integral… Biden é a representação desta tendência”. Diante desta nova estratégia de unipolaridade globalista, “um pólo inimigo se manifesta que não é mais representado pelo socialismo: é sobretudo um bloco de diferentes civilizações que coincidem em sua luta contra o liberalismo. São eles a civilização islâmica, a China (um modelo nacional-comunista que enfatiza sua identidade milenar e confucionista), a civilização ortodoxo-eurasiática russa, e a América Latina, que ainda não é um território totalmente socialista, mas que rejeita e protesta contra o capitalismo. Creio que devemos unir estas identidades, estes grandes espaços culturais e civilizacionais que se opõem à unipolaridade. A geopolítica é o método para entender as relações internacionais e entender como o multipolarismo se opõe ao unipolarismo. É uma forma de entendimento que é mais pragmática do que ideológica… O novo confronto que está ocorrendo entre Biden e Putin não é simplesmente uma declaração de guerra. É uma guerra que não é mais ideológica, mas uma guerra que é entre civilizações”. O professor Dugin também enfatizou que “para desenvolver nossas relações com a América Latina, é necessário ver que está se desenvolvendo uma luta entre o mundo unipolar e o mundo multipolar. Biden é o retorno à unipolaridade. Biden ataca Cuba, Irã, China, Turquia, Rússia… ele considera todos eles como inimigos da sociedade aberta. Mas a sociedade aberta é uma forma de ditadura. Ela rejeita todos aqueles que são críticos. Devemos fazer um esforço para pensar em que novo tipo de diálogo a civilização russa e a civilização da América Latina podem se engajar. Cuba representa a libertação e a dignidade dos povos da América Latina que lutam por sua libertação. Creio que este deve ser o princípio que permite o desenvolvimento de nossas relações internacionais como povos, não princípios econômicos… As relações entre Cuba e Rússia não são apenas entre países soberanos, mas entre civilizações. A história é a luta contra os Mestres que querem escravizar o mundo inteiro. Nesta luta devemos entender quem são nossos amigos e irmãos, devemos pensar e reavaliar nossos pensamentos. Cuba é parte do povo que luta por todos aqueles que são oprimidos. Cuba deve continuar sendo socialista e não repetir o exemplo dos soviéticos, porque a Rússia deixou de ser socialista e isso significou que adotamos os piores aspectos do capitalismo liberal… Creio que devemos criar um socialismo diferente do passado. Há um grande perigo para Cuba e isso é desviar-se de seu caminho socialista. O liberalismo de esquerda não é tão crítico do socialismo, mas é muito perigoso. O socialismo é uma ontologia da sociedade que Cuba deve preservar”.
O professor russo Andrei Afanasiev, especialista em mídia e informação, enfatizou que “a hegemonia não é mais algo que podemos atribuir apenas aos Estados Unidos, mas é um atributo global e internacional. A hegemonia hoje se baseia em dinheiro e informações. No mundo global todos estão acostumados a acreditar que a informação é neutra, mas isso é falso… A informação é muito importante e hoje é a tecnologia que molda as comunidades globais em todas as partes do mundo…”. O professor Afanasiev comparou informações com mísseis nucleares, onde o conteúdo é a ogiva nuclear e a mídia são os motores do míssil. Ele também disse que “se pensarmos onde estão as maiores empresas que produzem conteúdo e que criam computadores, podemos entender que todas essas empresas têm suas sedes nos Estados Unidos e na Califórnia… Portanto, hoje perdemos nossa soberania não pela ação das armas, mas através da informação. Eles tentam mudar nosso pensamento… Há duas maneiras de lutar contra isso: produzir nosso próprio conteúdo, mas ele deve ser da mesma qualidade que o de nossos inimigos… Algo que nem sempre é possível. A outra maneira de lutar é desconstruindo as mensagens… É por isso que devemos entender como o conteúdo é formado e como as redes sociais transmitem esse conteúdo como entretenimento, mas que na verdade tem como objetivo transformar nossa percepção da realidade. Se não fizermos isso, então não poderemos lutar. As comunidades são formadas através do conteúdo. Precisamos construir uma milícia de mídia social para combater esta guerra. Finalmente, é preciso observar que “se Cuba quer ser o centro da América Latina, deve criar suas próprias redes sociais. A Rússia não só tem redes sociais americanas, mas também redes sociais russas de alta qualidade. Nos Estados Unidos e na Europa você não pode escolher qual outra rede utilizar. É necessário lutar contra as redes sociais globalistas. É uma tarefa importante para treinar nossas redes sociais.
A Chefe do Departamento de Comunicação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da República de Cuba, Sra. Maida Millan disse que nos últimos tempos “os meios de comunicação de massa têm sido usados como arma de guerra cultural com o propósito insalubre de atacar países. A Rússia e Cuba são sistematicamente atacadas por meio de notícias falsas. Estruturas muito complexas foram criadas para fazer isso”. Para impor este tipo de ideologias, é necessário “criar um sujeito idiotizado através do consumismo; um zumbi incapaz de pensar por si mesmo… Os meios de comunicação são os canhões e os navios de guerra que os Estados Unidos usam hoje para se impor em todo o mundo. As idéias são a coisa mais importante e não as armas. Seu objetivo é destruir a mente de suas vítimas”… Todas estas práticas políticas, diz Maida Millan, “derivam de idéias americanas que minam a independência dos povos através do excepcionalismo americano. É uma forma de colonizar o imaginário. É necessário competir contra a bazófia que domina hoje e substituir esses conteúdos por novas mensagens… O uso da mídia contra um país deve ser considerado hoje como um ato de guerra”. É preciso levar em conta que hoje existe uma tentativa de impor uma espécie de “eugenia cultural” que quer fazer desaparecer povos e culturas diferentes. No entanto, Maida Millan adverte que é necessário deixar de lado a geopolítica como meio imperialista e pragmático de impor interesses e substituir esta ciência pela geocultura. “A geopolítica deve ceder seu espaço à geocultura, esse é o caminho”.
Vários outros oradores enfatizaram as necessidades econômicas de Cuba e que a Rússia pode se tornar um mercado interno para muitos dos produtos da ilha. Da mesma forma, Cuba precisa modernizar sua frota de veículos, sem mencionar a implementação de vários projetos industriais destinados a restaurar as ferrovias da ilha. Alguns oradores ressaltaram que Cuba também tem várias falhas em sua segurança e que é necessário modernizar suas armas militares. Finalmente, alguns dos oradores ressaltaram que o intercâmbio cultural deveria ser aprofundado e aumentado, permitindo maior afluência de turistas russos a Cuba, além de proporcionar aos estudantes cubanos maiores oportunidades de educação superior nas universidades russas. Todos esses projetos contribuirão para aumentar a proximidade entre os povos russo e cubano.
Fonte: Rebelión Contra el Mundo Moderno