Escrito por Andrea Muratore
Em um ato inédito, o Papa Francisco visitou o Iraque, realizando um sonho de João Paulo II e Bento XVI, de modo a conhecer de perto a dor e sofrimento dos cristãos iraquianos, e aprimorar o diálogo interreligioso com os líderes xiitas, especialmente o Aiatolá Al-Sistani. Frente às ameaças tanto do salafismo, como do imperialismo e do globalismo, o diálogo interreligioso não relativista é fundamental.
A viagem do Papa Francisco ao Iraque é um evento de significado histórico sob vários pontos de vista. Ela representa a realização de um antigo sonho do Vaticano, já perseguido por São João Paulo II em 1999, ano em que o pontífice polonês acariciou a idéia de uma peregrinação à Ur dos Caldeus: levar a presença da Igreja ao coração do Oriente Médio, nas rotas percorridas pelo patriarca Abraão, para fazer sentir a proximidade da Santa Sé às antigas comunidades cristãs que ali residem há milênios, “os mais árabes dos árabes” para citar o que Fulvio Scaglione escreveu em Il patto con il diavolo, para enviar uma mensagem perturbadora de diálogo ao mundo islâmico. Pela primeira vez um pontífice visitará um país cuja religião majoritária é o islamismo xiita. Ela reforça a postura ecumênica do pontificado de Jorge Mario Bergoglio com a primeira viagem desde o início da pandemia de Covid-19, um ano após a oração solitária, na chuva que encharcou a Praça de São Pedro, com a qual o Papa enviou uma mensagem de força e esperança a toda a humanidade.
As conseqüências desastrosas da intervenção americana no Iraque em 2003, a guerra perene de todos contra todos, um conflito ao mesmo tempo religioso, sectário, político, aberto após a queda de Saddam Hussein e a parábola brutal do Califado Islâmico devastaram, a partir de então, o Iraque e colocaram as comunidades cristãs da Mesopotâmia no olho da tempestade. “Os dados mais confiáveis sobre a fuga dos cristãos do Iraque falam de uma queda nos números de 1,4 milhões para 300-400 mil ou, de qualquer forma, menos de 500 mil, de acordo com o que é frequentemente lembrado pelo Patriarca Caldeu, o Cardeal Louis Raphaël Sako”, lembra o Honorável Paolo Formentini ao Observatório.
Formentini, um expoente bresciano de 40 anos da Liga, eleito para a Câmara em 2018 e vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores, expressou recentemente grande apreço pelo fato de que “a Igreja está se interessando cada vez mais pelo problema da sobrevivência do testemunho de fé” e no contexto da negociação da Lei Orçamentária de 2019, escrita pelo governo Conte I, ele se tornou o promotor de uma emenda ad hoc para estabelecer um fundo em favor dos cristãos perseguidos, cuja disponibilidade foi ampliada pelo financiamento aprovado em dezembro passado.
Em discussão com o Observatório Formentini mostra grande esperança e otimismo pelos resultados que a visita papal ao Iraque pode produzir, ressaltando que, na esteira dos ensinamentos de João Paulo II e Bento XVI, a proximidade com os cristãos iraquianos, há muito perseguidos, e o confronto com as mais altas autoridades do Islã iraquiano pode demonstrar que “o diálogo interreligioso, realizado com total respeito pelas raízes das respectivas religiões e evitando toda forma de niilismo e relativismo, pode ser um verdadeiro motor do progresso humano e do desenvolvimento da coexistência pacífica entre os povos” em áreas há muito marcadas por confrontos e violência.
Não é por acaso que “o itinerário do Papa é extremamente simbólico”, representando uma viagem através da história, da memória e da reconciliação: o centro da viagem será a grande missa no Estádio de Erbil e o encontro na cidade santa de Najaf com o Aiatolá Ali Sistani, uma figura chave no Islã xiita iraquiano (e no panorama público nacional, como lembrou o analista Mauro Indelicato). Eventos que ocorrerão no âmbito de uma jornada que Formentini não deixa de definir como “corajosa” devido às contínuas ameaças à segurança interna que o Iraque também vem acompanhando ultimamente.
No Iraque, Bergoglio terá a oportunidade de tocar os símbolos da dor e perseguição sofridas nos últimos anos pelos cristãos do Iraque às mãos da violência sectária que devastou o país, exacerbada pela ferocidade cega e pelo radicalismo das milícias do Estado islâmico, que na planície de Nínive e Mosul tiveram seu epicentro. Em Bagdá, Francisco visitará a Catedral Católica da Síria, cenário em 2010 de um ataque em que 48 cristãos pereceram; em Mosul, Formentini recorda, “a letra árabe nun”, a primeira da palavra Nassarah (“Nazarenos”), “tornou-se o símbolo com o qual os jihadistas marcaram as casas dos cristãos locais” a partir de 2014.
Qaraqosh, Telkaif, Tel Eskof, Bartella, Qaramlesh, Bashiqa: a geografia das comunidades cristãs na Planície de Nínive, por vários anos, tornou-se uma geografia de dor, os nomes dos lugares lembram tantos outros lugares dos quais os cristãos tiveram que fugir, para evitar a crescente maré de perseguição que para outros povos, como os iezidis, se transformaram em verdadeiras campanhas genocidas. Mas a visita do Papa coincide com o retorno da esperança.
Formentini explica: “A Ajuda à Igreja que sofre certificou que cerca de 45% das famílias cristãs da planície de Nínive voltaram a habitar as terras abandonadas durante a perseguição dos últimos anos” e o Papa verá em primeira mão lugares marcados pela dor e pelo ódio: Em primeiro lugar, a igreja de Qaraqosh na qual os extremistas se exercitavam usando-a como pista de tiro e na qual, como Fausto Biloslavo relatou do Iraque no InsideOver, os ícones da Virgem, os santos e Jesus foram brutalmente vandalizados. Precisamente a planície de Nínive e os projetos futuros para o retorno das comunidades perseguidas e dispersas, segundo Formentini, poderiam envolver as intervenções do fundo italiano para cristãos perseguidos cuja ativação, alguns dias antes da partida do Papa, o Ministro das Relações Exteriores Luigi di Maio discutiu com o Secretário de Estado do Vaticano, o Cardeal Pietro Parolin.
O Papa também verá Ur, refazendo os passos de Abraão, cuja figura, segundo Formentini, é o verdadeiro fio condutor da viagem: “Abraão é o símbolo de um diálogo interreligioso que tem o Oriente Médio em seu centro e vê a Igreja Católica também se encontrar com o Islã xiita depois de tê-lo feito com o Islã sunita e o mundo judeu”, e neste contexto pode-se traçar o paralelo com os Acordos de Abraão celebrados por Israel, o Estado judeu e os Emirados Árabes Unidos, um país muçulmano, com a mediação dos EUA, que abriu o caminho para uma fase de desanuviamento na região. O diálogo inter-religioso é fundamental para criar as condições sociais, humanas e morais para que o diálogo político seja bem-sucedido. E no final, a principal missão do Papa Francisco será enviar uma mensagem vigorosa, forte e inequívoca aos cristãos do Oriente, ao seu testemunho, às suas comunidades: mantenham-se firmes, a Igreja está com vocês. Uma premissa fundamental para a realização do desejo papal, resumida em uma mensagem recente. Bergoglio esperava que “a presença de cristãos nestas terras continue a ser o que sempre foi: um sinal de paz, progresso, desenvolvimento e reconciliação entre as pessoas e os povos”. Que a promoção de um diálogo interreligioso frutífero pode estimular efetivamente.
Fonte: Osservatorio Globalizzazione