O Projeto “Oceano Transparente”

Escrito por Giovanni Caprara
A tecnologia militar submarina está em constante evolução, na medida em que foi percebido já desde a Segunda Guerra Mundial que os submarinos constituíam a mais interessante ferramenta militar marítima. Em resposta, vários países investem na guerra antissubmarina e em maneiras de confrontar tecnologias de invisibilidade submarina. Enquanto isso, o Brasil segue extremamente atrasado nesse setor.

O cenário geopolítico contemporâneo forçou os tomadores de decisão a aumentar os recursos na guerra antissubmarina. Os submarinos operam em ambientes críticos, tais como águas profundas, rasas e turvas, às vezes na total ausência de especificações sobre as topografias que estão monitorando. Para permitir que a unidade submersível funcione em silêncio absoluto, os sonares clássicos não são suficientes, mas é necessário empregar soluções baseadas em sonares biestáticos. A fim de garantir os mais altos níveis de eficiência, o projeto BiSS (Bistatic Sonar System) [Sistema de Sonar Biestático] está em operação. A característica dos sonares biestáticos é que eles têm uma fonte e um receptor separados, enquanto os “tradicionais” são monostáticos, ou seja, o transmissor e o receptor estão na mesma posição. O BiSS é o desenvolvimento de uma solução baseada em algoritmos inovadores, capaz de identificar um objeto submerso em ambientes críticos, que pode superar os reflexos, distorções e ruídos de sinal, hostis ao bom desempenho da missão de um submarino. O BiSS permite a reconstrução de ambientes submersos em 3D com uma representação clara e realista, através da técnica de aprendizagem automática dos sistemas de computador a bordo. Basicamente com um “ping”, sinal de transmissão, o aumento da distância de detecção passiva é melhorado, aumentando assim a eficiência das aplicações das táticas de ASW, guerra antissubmarina. Esta inovação torna a arma submersa ainda mais letal, por isso foi necessário melhorar a capacidade de ASW.

O sistema de descoberta de vigilância acústica ULISSES, projetado pela Leonardo, fornece capacidades superiores para a guerra submarina, pois é capaz de controlar simultaneamente até 64 bóias sonoras operacionais que, associadas ao sonar de profundidade, melhoram a funcionalidade multiestática. ULISSES é um sistema acústico inovador otimizado para todos os tipos de plataformas de asa fixa e rotativa, incluindo aeronaves não tripuladas. Um teste inicial das capacidades do novo sistema acústico ULISSES para busca e rastreamento submarino foi realizado ao largo da costa italiana, com resultados positivos. Sonobóias, ou bóias sonoras, foram baixadas à água por um navio de guerra e o sistema identificou rápida e precisamente o conjunto de alvos submarinos representados por um simulador de alvo acústico. O sistema marcou automaticamente as coordenadas do objeto-alvo no console do operador a bordo do navio, fornecendo um cenário em tempo real do ambiente subaquático, tanto em águas rasas quanto nas “azuis”, ou seja, oceânicas. Outro teste testou a funcionalidade do ULISSES em conjunto com o sonar de profundidade HELRAS, resultando em uma maior variedade de descoberta e gerenciamento de alvos submarinos. Tudo isso permitiu completar a fase de desenvolvimento e iniciar a produção, especialmente para o mercado internacional. O Ultra-LIght SonicS Enhanced System, ULISSES, [Sistema Aprimorado de Luz Ultrassônica] provou ser um sistema de alto desempenho e confiável, com capacidade de operar sem problemas na máxima resolução, usando fontes de informação acústica para fornecer dados precisos sobre unidades submarinas potencialmente hostis. O sistema ULISSES foi desenvolvido com base no sucesso do sistema acústico OTS-90, que foi projetado e desenvolvido para os helicópteros italianos e holandeses NH90.

O novo produto expôs o problema da vulnerabilidade dos submarinos SSBN, armados com mísseis balísticos nucleares. Atualmente, enquanto aguardam que os mísseis supersônicos entrem em linha regularmente, os SSBNs representam tanto a dissuasão quanto a principal arma para uma possível retaliação. Os submarinos da classe Ohio dos EUA, parecem ser os mais silenciosos do planeta, e quando navegam em patrulha, são praticamente indetectáveis, e não há ameaças confiáveis conhecidas à sua sobrevivência. Parece não ser o mesmo para os submarinos missilísticos de outras nações: a frota SSBN russa é mais barulhenta que a americana; piores são os SSBNs chineses, tipo 094, que continuam bastante barulhentos. Na verdade, sua sobrevivência em ambientes de alta conflituosidade pode ser posta em dúvida. A futura geração de SSBNs americanos, a classe Columbia, deve ser ainda mais silenciosa que os Ohio, pois em vez de usar as engrenagens mecânicas mais ruidosas dos submarinos atuais, elas serão acionadas por um motor elétrico. Isto tornará as unidades submersíveis não só mais silenciosas, mas também mais duráveis.

Os sistemas de transmissão elétrica têm mais redundância incorporada, tornando menos provável que uma única arma possa desativar todo o sistema de transmissão. Um propulsor ultassilencioso já está operacional, e é chamado de AIP, Air Independent Propulsion [Propulsão Independente de Ar], mas parece ter algumas limitações. Ele se baseia em células que utilizam oxigênio líquido e hidrogênio armazenados em um pó de hidretos metálicos. A AIP é fechada em um container isolado e suspensa de forma a tornar a transmissão de vibrações e ruídos praticamente nula, pois não há peças móveis. O novo sistema AIP, portanto, ao reduzir a assinatura acústica e aumentar a autonomia dos submarinos convencionais, melhora suas capacidades de combate. O propulsor forçará os tomadores de decisão militares a uma análise mais cuidadosa para missões envolvendo o controle costeiro, onde a superioridade das AIPs faria valer a aproximação às águas territoriais adversárias sem ser detectados. Pelo contrário, os novos barcos de célula de hidrogênio não são utilizáveis nos oceanos, onde os SSBNs ou SSNs confirmam sua validade.

O precursor do sistema ULISSES, é o SOSUS dos EUA: um conjunto de postos de escuta submarinos para vigilância acústica passiva. Eles estão localizados entre a Groenlândia e o Reino Unido, em uma área chamada GIUK gap. É composto de uma série de hidrofones colocados no fundo do oceano e, teoricamente, é capaz de ouvir a passagem de submarinos russos, mas desde o fim da Guerra Fria, tem sido utilizado para fins de pesquisa naturalista. Atualmente, os Estados Unidos são a única nação com tal capacidade de guerra submarina que torna vulneráveis a maioria das embarcações adversárias. Na verdade, a defesa da América do Norte pode tornar o oceano “transparente”. A importância das rotas a serem seguidas para chegar à zona de operações é fundamental para garantir a segurança de uma unidade submersa. Os submarinos americanos, quando saem de seus portos, são capazes de operar relativamente incontestáveis, dada a presença de portos aliados e a ausência de estrangulamentos territoriais que restringiriam suas rotas de patrulha. Em contraste, os SSBNs chineses são severamente prejudicados por limitações geográficas e não podem se colocar ao alcance dos Estados Unidos continental sem navegar através de perigosos chokepoints atualmente controlados pela Marinha dos Estados Unidos. No caso de um ataque com o objetivo de eliminar a ameaça de submarinos lança-mísseis dos EUA, há evidências de que o atacante afundaria apenas 6 dos 14 SSBNs, já que oito ou nove destes últimos estão constantemente em navegação, e quatro ou cinco em portos em alerta permanente e prontos para responder. Mesmo que um atacante fosse capaz de identificar a localização de cada uma dessas unidades, os submarinos de ataque necessários para destruí-las enfrentariam desafios logísticos significativos representados pelas bolhas de defesa marítima dos EUA compostas de aeronaves, satélites e unidades de superfície e submersas. E, provavelmente, o atacante ainda não estaria no envelope de ataque antes dos SSBNs americanos lançarem seus mísseis nucleares para defesa.

Embora se espere que os lançadores hipersônicos mudem a dissuasão a seu favor, os EUA concederam à Northrop Grumman US$ 13,3 bilhões para desenvolver um novo míssil balístico intercontinental para melhorar a tríade nuclear de mísseis terrestres, marítimos e aéreos. O novo conceito de oceano “transparente” mudou, em efeito, as necessidades dos EUA para a aquisição de novos mísseis para compensar aqueles que poderiam ser perdidos quando uma unidade submersa fosse descoberta e destruída.

São diversas as nações que querem implementar a capacidade antissubmarina.

A Índia está colocando nas profundezas submarinas entre a ilha de Sumatra e o arquipélago Andaman-Nicobar, uma série de sensores para capturar os sinais acústicos e magnéticos dos submarinos que cruzarão naquela área. A cadeia de sensores tem 2300 quilômetros de comprimento e são conectados por um cabo de fibra óptica capaz de fornecer informações de viagem a 100 Gb/s. É presumível que os principais alvos são as unidades submarinas chinesas, para evitar que elas se aproximem da zona econômica exclusiva indiana.

O Japão, em colaboração com os Estados Unidos, colocou um sistema de detecção acústica e magnética no fundo do mar desde a Coréia do Norte até Bornéu, via Filipinas e Taiwan, para monitorar a atividade dos submarinos da Marinha de Pequim no Mar do Sul da China e ao longo das aproximações ao Pacífico Ocidental. O sistema, que está ativo desde 2005, inclui um conjunto de hidrofones e detectores de anomalias magnéticas no fundo do mar, trabalhando em coordenação com aeronaves de reconhecimento marítimo para obter uma capacidade ASW de várias camadas. É provável que a cadeia de detecção indiana seja integrada com a atual rede nipo-americana Sosus, chamada Gancho de Peixe. Este último é operado pelo centro de pesquisa oceanográfica da JMSDF, a Japan Maritime Self-Defence Force [Força de Autodefesa Marítima do Japão] e pelo pessoal da Marinha dos EUA. Tal decisão, por parte da Índia, poderia provocar uma dura reação chinesa ao ponto de prever mais “bolhas” A2/AD, áreas específicas de interdição, em suas próprias zonas exclusivas que insistem na bacia do Oceano Índico e inseridas na Nova Rota da Seda: de Djibuti ao porto paquistanês de Gwadar, até o de Hambantota no Sri Lanka.

A China também desenvolveu sua própria rede de vigilância submarina. O sistema avalia as informações sobre o ambiente subaquático, em particular, a temperatura e a salinidade da água, a fim de detectar e rastrear as unidades navais submarinas adversárias e, portanto, melhorar a capacidade de seus próprios submarinos de persegui-las. O projeto, realizado pelo Instituto de Oceanologia do Mar do Sul da China sob a égide da Academia Chinesa de Ciências, faz parte da implementação do armamento desejado por Pequim, para contrastar a hegemonia naval americana.

A implementação da guerra antisubmarina demonstra inequivocamente que as unidades submersas continuam sendo as melhores plataformas para dissuasão.

Fonte: Eurasia Rivista

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Nova Resistência
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