Escrito por Andrés Gaudín
O que pensa o novo presidente estadunidense Joe Biden sobre a América Latina? Quais são seus planos para o continente e como ele nos vê? Todas essas informações são fundamentais se quisermos perseguir os interesses coletivos de nossa civilização.
Na mente do veterano Joe Biden, o líder democrata – porque é assim que são chamados os seguidores do Partido Democrata dos Estados Unidos – que nesta quarta-feira, e por quatro anos, se for a vontade de Deus, será o presidente da ainda maior potência mundial, a América Latina é um território vasto e generoso. E nada mais. Nele, com nome e sobrenome, o futuro governante só reconhece a existência demoníaca de Cuba, da Venezuela e do México. E, além disso, o solo em que nasceram as legiões de imigrantes, que servem para todos os fins, mas não são do agrado dos pálidos herdeiros das 13 colônias fundadoras. O passado do homem nos permite supor, afirmar, que ninguém deve jamais imaginar inocentemente tratar-se de um bom amigo.
Em 52 de seus 78 anos de vida, Biden recebeu um salário do Estado. E nos últimos 44, percorrendo os corredores do poder real, ele se graduou como um tenente fiel do Establishment, oito anos como vice-presidente e 36 como legislador. Em Washington, políticos e banqueiros, homens de negócios e vários patrões sabem muito bem quem ele é. No JP Morgan Chase ou na Lockheed Martin. Ele parece brando, mas é duro, só que tem mais qualidade do que seu antecessor, Donald Trump.
Em uma síntese, uma espécie de ensaio do interrogatório ao qual o Senado o submeterá para confirmá-lo no cargo, o colombiano Juan Sebastián González, futuro diretor para o Hemisfério Ocidental do Conselho Nacional de Segurança, disse o que Biden tinha feito e o que ele está disposto a fazer. Em nível mundial, ele lembrou que, como senador ou vice-presidente de Barack Obama (2009-2017), Biden promoveu a expansão da OTAN na Europa Oriental, a antiga zona de influência da dissolvida União Soviética; promoveu a intervenção militar dos Estados Unidos na guerra da Iugoslávia (final do século passado), o massacre da Líbia (2010-2012) e a invasão do Afeganistão e do Iraque (2002), que ele propôs dissolver, dividindo-o em três partes (uma xiita, uma sunita e uma terceira curda).
Em nível regional, seu maior desempenho foi a elaboração do decreto com o qual Obama emitiu (março de 2015) as primeiras sanções contra a Venezuela e declarou uma “emergência nacional quase ilusória devido à ameaça incomum e extraordinária” causada pelo governo constitucional de Nicolás Maduro à segurança interna e à política externa dos Estados Unidos. Anteriormente (dezembro de 2014) ele havia se oposto ao tímido degelo acordado por Obama e Raúl Castro para tornar os vôos entre os dois países mais flexíveis e para facilitar o envio de remessas de cubanos em Miami para seus parentes em Cuba. Agora, Biden foi mais longe em termos da ameaça venezuelana, para salientar que “é hora de assumir a responsabilidade”. Algo como a ameaça de Trump quando ele disse que “todas as opções estão sobre a mesa”.
Em todos os momentos Biden e seus ajudantes tentaram evitar qualquer referência a Jair Bolsonaro, e González limitou-se a lançar uma frase indecifrável: “Biden”, disse ele, “tem um entendimento sofisticado sobre o Brasil”. No México, que ele descreveu como “um país de altíssima importância estratégica para os Estados Unidos”, ele fez uma referência que caiu mal no vizinho sulista: “Trump tirou bilhões de dólares de nosso exército para construir um muro que não funcionava. Acreditamos que há lugares onde é necessário um muro”. Depois ele prometeu “trabalhar ativamente nas questões de imigração” (o México é a passagem obrigatória para os centro-americanos que tentam entrar nos Estados Unidos).
O novo presidente não foi muito preciso quando falou dos “três grandes inimigos da liberdade”, referindo-se a Cuba-Venezuela-Nicarágua. Quando os repórteres o pressionaram com perguntas mais incisivas, o futuro chefe da área ocidental do Conselho de Segurança insistiu que Biden não é Trump. “Biden é alguém que conhece a região, que esteve lá e que como presidente continuará envolvido, porque ele entende que promover uma região segura, democrática, de classe média (?) é do interesse nacional dos Estados Unidos. Biden conhece a região, viajou para lá 14 ou 16 vezes”, ele selou seu elogio, lembrando quando Gerald Ford foi censurado no final de 1974 por não saber nada sobre o Vietnã e ele respondeu: “Dizem isso para mim, para mim que li quatro ou cinco livros sobre o Vietnã”.
O “bom” Biden prometeu suspender a deportação de imigrantes por 100 dias, 100 dias nada mais, conceder documentação temporária a um milhão de hondurenhos e salvadorenhos e conceder aos venezuelanos um status especial, semelhante ao concedido aos cubanos em Miami, que até recebem uma bolsa mensal. Gonzalez foi o único que falou, mais uma vez. “Com Biden, os embaixadores dos EUA, especialmente na América Central, lutarão contra a corrupção e a favor direitos humanos”, disse ele. Biden anunciou um plano de 4 bilhões de dólares “para melhorar a segurança, promover a economia e evitar que as pessoas deixem seus países”. Se os líderes da América Central estiverem prontos para trabalhar como fizeram naqueles anos, nós estaremos lá. Ele não especificou a que anos se referia, pois a história recente da América Central é a dos “contra” nicaraguenses, dos massacres, dos genocídios por toda parte e dos esquadrões salvadorenhos.
Malvinas
Para a Argentina, o espírito de diálogo proclamado por Joe Biden não se enquadra. O país tem, ou deveria ter bem em mente que, além de um romance apaixonado de sangue vermelho com armas e guerras, o homem que assumirá a presidência dos Estados Unidos na quarta-feira é um inimigo, e não por omissão, mas por ação. Em 1982, quando centenas de jovens estavam morrendo nas planícies das Malvinas, Biden foi conclusivo em seu apoio às tropas britânicas, “porque é claro que a Inglaterra tem razão e deve ficar claro para todo o mundo quem é nosso amigo, com quem os Estados Unidos se identificam e quem os Estados Unidos apoiam”.
Nos últimos dias, o colombiano Juan Sebastián González, nomeado diretor para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança, lembrou a visão esquemática de seu chefe, tão parecida com a de Mauricio Macri. Ele então sintetizou:
“Antes dos Kirchners” – Carlos Menem, Fernando de la Rua, Eduardo Duhalde, as ditaduras? – “a relação entre os Estados Unidos e a Argentina era diferente. Na ONU, a Argentina era líder em questões de direitos humanos e não-proliferação. Acho que esquecemos um pouco essa história, temos que lembrar novamente que bons amigos fomos. A Argentina era um país que quase nos aconselhava sobre como navegar entre as economias emergentes. Temos que reconhecer que a relação foi danificada com George Bush e Néstor Kirchner e não fomos capazes de reconstruí-la. Para mim, os Kirchners são os responsáveis por tudo isso”.
Fonte: Tiempo