Escrito por Nicolas Gauthier
Ao contrário do que muita gente pensa, Joe Biden vai dar continuidade a tudo que havia de ruim na política externa de Trump, além de reverter o que havia de positivo nela. Nesse sentido, o governo de Biden expressará a essência dos desígnios intervencionistas e excepcionalistas do Deep State estadunidense.
Seria preciso ser muito ingênuo para acreditar que uma mudança de inquilino na Casa Branca poderia mudar qualquer coisa na cor das orientações geoestratégicas de Washington. Falando em “cor”, havia a cegueira das pessoas de esquerda que pensavam que Barack Obama iria seguir uma política de esquerda porque ele era meio negro, ou das de direita, esperando que Donald Trump acampasse em outra linha, por ser um branco de um tipo vagamente reacionário. Para além das aparências, um fato permanece: as nações “sempre” perseguem os mesmos objetivos históricos, sendo a coloração política de seus governantes, em última análise, apenas anedótica. Na França, isto foi verdade para nossos reis, nossos imperadores e até mesmo para alguns de nossos monarcas republicanos. O mesmo vale para a China e a Rússia, apesar de seus parênteses mao-stalinistas.
Hoje, a esfera oficial da mídia, nem sempre consciente destas linhas de fundo, nos vende um Antony Bliken, o novo “chefe” da diplomacia americana, com o argumento de que ele é francófono e francófilo. Isto não o impediu de apoiar a guerra contra o Iraque em 2003 e, oito anos depois, de apelar para o bombardeio da Líbia. Como “pomba”, já vimos melhor. Em qualquer caso, nosso homem tem três questões quentes em sua agenda.
Primeiro, recolocar as mãos no dossiê iraniano, desde que Donald Trump deixou o acordo internacional de 2015. Blinken, então: “Um Irã com armas nucleares ou prestes a ter a capacidade de construir uma rapidamente seria um Irã ainda mais perigoso do que é agora”. Não está claro como o Irã seria “perigoso” para a segurança interna dos Estados Unidos ou de Israel, mas deve ser algum tipo de cláusula de estilo.
Para o estado hebraico, nada deve mudar. O reconhecimento da Casa Branca de Jerusalém como capital israelense não será questionado. Quanto ao resto, a “solução dos dois estados” continuará a ser privilegiada, ainda sem a menor chance de sucesso. Aqui novamente, tudo parece estar mudando para que nada mude.
A grande peça continua sendo a China. Mas este confronto tem sido teorizado desde a queda do Muro de Berlim, e Donald Trump só disse em voz alta o que as administrações já estavam pensando em suas mentes. E o mesmo Antony Blinken citado pelo Le Figaro em 19 de janeiro reconhece: “Donald Trump estava certo em tomar uma posição mais firme contra a China”, enquanto acrescenta: “O princípio básico era o correto.”
Para a Arábia Saudita e seus satélites, o Iêmen em primeiro lugar, sempre a mesma continuidade diplomática: Washington continuará a torcer o braço de Riad para que deixe de financiar o wahhabismo em todo o mundo. Donald Trump não o disse de outra forma, mesmo que de forma menos cortês.
E então, a Europa… Onde o homem de cabelo laranja relegou o Velho Continente para a prateleira da obsolescência programada, Antony Blinken pretende renovar o infernal “elo transatlântico”, um elo que Trump, com seu lendário cinismo visionário, havia eliminado. Esta era a oportunidade de Emmanuel Macron – perdida fortuitamente – de retomar a Europa: os Estados Unidos estavam partindo ao mesmo tempo que a Inglaterra, enquanto a poderosa Alemanha estava indo à falência. Não era para ser, pois o Quai d’Orsay havia se tornado tudo menos um dispensário patriótico; o que não deve ter ajudado na manobra.
Esse é pelo menos um crédito gratificante para o ex-presidente americano, o de colocar nossa casa comum frente a frente com suas responsabilidades. Esses dias terminaram por enquanto: os EUA estão bem encaminhados para recuperar sua liderança sobre o Ocidente.
O que Donald Trump dizia brutalmente? O mesmo ritornelo que Joe Biden agora sussurra.
Fonte: Boulevard Voltaire