Escrito por Ashley Cooke
Os EUA começam o ano politicamente e socialmente fraturados, com a economia estagnada sendo centralizada por monopólios enquanto as pequenas empresas declaram falência. No âmbito externo, o novo governo tende a intensificar as aventuras “humanitárias” contra países não-alinhados. Mecanismos de controle social, repressão e lavagem cerebral se tornam onipresentes. São os anos finais do “Império” Americano.
As previsões para o próximo ano devem ser tão efêmeras que se tornam inúteis. As “incógnitas desconhecidas” são demasiadas; a situação, dinâmica demais. No entanto, é possível tomar algumas variáveis-chave, que são todas muito facilmente tomadas como garantidas, e vê-las mais diretamente “nos olhos”. Por que fazer isso, se “olhar” é desconfortável? A resposta, os antigos nos disseram, é que sem aquele “olhar” penetrante da consciência, nossas ansiedades não ditas evoluem através de nosso inconsciente, em psicose – ou doença física. Os limites da nossa bolha exigem em primeiro lugar uma ruptura.
Comecemos então com os EUA neste ponto de inflexão fundamental: O Conselheiro de Segurança de Biden, Jake Sullivan, falando nos últimos dias, exalou a confiança de que as boas relações de Biden com os legisladores “do outro lado do corredor” do Congresso ajudará a impulsionar suas políticas em relação à China: “Ele (Biden) tem uma posição concreta sobre a China e vai levar adiante uma estratégia que não se baseia em política, não se baseia em ser pressionado por círculos eleitorais domésticos” (sic – comentário interessante). Sullivan descreveu-a como uma “estratégia cristalina, uma estratégia que reconhece que a China é um concorrente estratégico sério dos EUA – que age de maneiras que estão em desacordo com nossos interesses de muitas maneiras, incluindo o comércio”. No entanto, ao mesmo tempo, “é também uma estratégia que reconhece que trabalharemos com a China, quando for do nosso interesse fazê-lo”.
O que há para reclamar em tal “declaração normal e racional”? Nada em si – exceto que ela pressupõe um retorno à velha política bipartidária, na qual os legisladores vermelho e azul frequentam os mesmos coquetéis de Washington, e assume um desejo compartilhado de se engajarem unidos nos “negócios” de Washington.
Patricia Murphy, do jornal Constitution de Atlanta, que tem feito cobertura do segundo turno do senado na Geórgia, observou isso: “Os republicanos simplesmente não confiam nas eleições…” Nem um único eleitor republicano com o qual Murphy falou desde o dia das eleições, acredita que o presidente eleito Biden venceu. “Nem um, nem uma pessoa”, disse ela. “E muitos deles nem pensam que ele será empossado no dia 20 de janeiro”.
A declaração de Murphy fala com força a duas realidades americanas: Uma está enraizada em uma profunda desconfiança das elites e de um status quo sujo; a ‘outra’ realidade vê os interlocutores de Murphy não só como estando em negação, como também os vê com desprezo.
Temos hoje acesso quase ilimitado à internet: No entanto, sua enorme sobrecarga parece nos levar a “cavar”, em vez de “nos abrirmos”. Quem quiser, pode encontrar online todo um universo de pontos de vista alternativos, mas muito poucos o fazem. Paradoxalmente, a era da informação nos fez menos dispostos a considerar visões de mundo opostas às nossas. Nós nos apegamos aos que pensam igual. Queremos ouvir os que pensam da mesma maneira e tê-los como nossos amigos.
E como é muito mais fácil confirmar nossa perspectiva e nossos preconceitos – e desprezar a perspectiva dos outros – a noção de política por argumentos ou consenso, está quase totalmente perdida. Podemos viver, e vivemos, em nossos mundos digitais segregados, mesmo quando fisicamente, esses “outros” podem realmente ser nosso vizinho do lado. Isto significou para os arquitetos da campanha Trump que sua campanha – e a política em geral – deve ser sobre mobilização – em vez de persuasão. Política, em outras palavras, agora é pós-persuasão; pós-‘factual’.
A “insurreição” no edifício do Capitólio – para aqueles que podem ter testemunhado multidões revolucionárias em outros lugares – foi comparativamente inofensiva (uma manifestante desarmada, veterana da Força Aérea, foi assassinada a tiros pela polícia por trás de uma porta fechada). Claramente, este assalto ao Capitólio nunca pretendeu ser um “golpe”; foi antes uma manobra de Trump para manter sua base energizada e mobilizada – e com ele firmemente no controle do Partido. No entanto, foi um desastre de relações públicas, deixando muitos de seus apoiadores perplexos. Se o objetivo era expor detalhes de fraude como parte da audiência de confirmação, falhou.
Se é que foi um golpe, foi um golpe que Trump dirigiu contra a “velha guarda” do Partido Republicano, como Romney, (que foi ridicularizado como traidor por outros passageiros durante seu vôo para Washington). É a elite republicana do country club que está lutando para “retomar” o partido dos trumpistas. Será que eles serão bem sucedidos, à luz do que aconteceu? O Deep State fechou as fileiras de forma irrevogável contra o Trump. Será que suas nove vidas estão agora gastas?
Embora Trump esteja na vanguarda do que aconteceu em 6 de janeiro, não se trata apenas dele (como insiste a mídia de massa). Pelo contrário, os Estados Unidos hoje em dia estão se preparando para uma luta existencial: Esta é uma batalha sobre a própria natureza e direção das mudanças; sobre para onde a sociedade e sua ordem constitucional estão indo; e como a legitimidade do governo republicano, em sua essência, deve ser definida: “Simplesmente, o aparato político de longa data dos Estados Unidos (a partir de c. 1876) foi completamente destruído. A continuidade e a mudança, para o bem e para o mal, estão agora fechadas em um clássico jogo de morte. Como ele será resolvido? Como terminará?”.
Não confiar nas eleições, na democracia dos EUA, sinaliza, portanto, uma mudança profunda na política que se instala na América e na Europa. A perda da Geórgia, talvez, seja agora menos crucial: Elementos do Partido Republicano estão se preparando para a oposição radical (para salvar a República, que eles vêem como à beira de uma perda completa). Os membros opositores do Congresso sabiam que nunca poderiam conseguir obter maiorias de apoio em ambas as casas do Congresso para suas objeções. Seu objetivo, ao contrário, parecia ser estabelecer uma linha de base (evidência de fraude) para a futura oposição militante aos resultados das eleições de 2020. Ao longo desta linha de base, eles insistirão para que Biden/Harris não foram legitimamente eleitos, e ssão usurpadores contra os quais qualquer meio de resistência está justificado. Eles esperavam herdar a base de Trump, e “cavalgar sua onda”. Existe uma vaga agora? Essa é uma pergunta para 2021.
A próxima pergunta para 2021, então, diz respeito ao velho ditado: “Cuidado para não vencer muito”. Pode ser um erro encurralar seus adversários de modo que eles não tenham nada a perder. O Estado Azul expulsou o Trump; e o Azul levou tudo que estava no “tabuleiro”, e está pronto para implementar o “Reset” – a subjugação final do Vermelho pela força principal, conseguida pela preponderância de riqueza, pela alavancagem institucional dominante, e pelo poder militar. Uma revolução social “politicamente correta”, bem como uma transformação política. O resultado total provavelmente reconstituiria a ordem constitucional, de formas irreconhecíveis para a maioria dos americanos de hoje.
Mas será que a América Vermelha sucumbirá de exaustão, ou por falta de liderança; ou, por outro lado, será que ela poderá encontrar a energia para revitalizar “sua” República? Veremos – uma grande questão cujas ramificações podem deixar as elites da UE particularmente nervosas. É claro que Azul possui agora força maior. Mas há outro velho adágio: “Nenhuma avaliação apaixonada e partidária tem qualquer valor, a não ser para inflamar” – e a censura de Big Tech e da mídia de massa e a humilhação que a acompanha pode torná-lo um mártir, e tornar o espírito de desafio ainda mais forte.
Apesar da tentativa de “contrarevolução” (ação fundada na 25ª Emenda) por parte da Velha Guarda do Partido Republicano, as divisões entre as duas Américas são agora tão grandes que isso só pode significar, em última instância, um desacoplamento das boas relações com “o outro lado do corredor” (mesmo que isso tenha que ser adiado até a rodada eleitoral do Congresso de 2022). Será que o otimismo de Jake Sullivan de que os amigos de Biden do outro lado do corredor permitirão que ele faça passar incólumes suas políticas sobre a China – especialmente porque Biden é visto como profundamente manchado em relação à China? Será que 2021 poderia enfatizar a nova era do conflito civil, em vez de um retorno às civilidades antigas – e, portanto, a uma nova política de “não fazer prisioneiros”?
As questões prioritárias para todos os líderes ocidentais certamente serão o Covid; o concomitante empurrão dos pequenos e médios empresários contra o lockdown, e lidar com os efeitos nocivos de um paradigma econômico fundado em “dinheiro livre”. A política externa – para além da China e da Rússia (sobre a qual existe o consenso bipartidário único) – pode atrair menos atenção.
E aqui estão os shibboleths interrelacionados que podem exigir uma reavaliação um pouco mais crítica para 2021: A América e a UE – compreensivelmente – querem desesperadamente que suas economias retomem a recuperação: “A onda azul de Biden quase o garante”, exalta o editor de economia da Telegraph Evans Pritchard – “na medida em que o estímulo fiscal se encontra com o combustível monetário já afundado no sistema – assim que a América sai da pandemia”.
Pode parecer um pouco modesto até mesmo questionar tais esperanças panglossianas. As vacinas têm sido vendidas como “a esperança” para o normal; mas a noção de que as vacinas estão prestes a impulsionar os EUA como um todo para um nirvana, parece prematura. A OMS diz que ainda está por determinar se as vacinas realmente param a infecção (em vez de meramente atenuar seus sintomas mais graves).
Ainda não se sabe se as vacinas são eficazes contra as novas cepas do vírus Covid (como as mutações do Reino Unido e da África do Sul); e não se sabe ao certo quantos americanos aceitarão até mesmo ser vacinados. Ao contrário, parece que tudo se resume a uma corrida entre a aceleração das infecções e a fabricação e distribuição das vacinas – com um resultado final ainda incerto para esta corrida. Esse resultado, seja ele qual for, terá conseqüências políticas – para a UE em particular no próximo ano.
Existe também uma fronteira frágil e peripatética (tanto na América como na Europa), entre as noções de que os lockdowns do Covid são uma manobra deliberada da elite para concentrar a economia nas mãos de alguns oligarcas – e, por outro lado, a convicção de que a infecção é um risco grave, exigindo um alto grau de disciplina pública. Onde esta “fronteira” flui; em que lado da mediana ela descansa durante este ano; assim como o sucesso (ou falta dele) em lançar vacinas eficazes e seguras, constituirá um evento político chave – talvez até existencial para alguns governos e instituições.
É difícil ver o crescimento simplesmente surgindo de novos aumentos maciços na dívida do governo – o “combustível” de Biden. Desde 2008, a dívida tem sufocado o crescimento, semeado uma safra de empresas zumbis, e estimulado principalmente uma valorização de ativos fugitivos. E é difícil ver tal crescimento vindo de uma economia que está se centralizando em torno de imensos monopólios, que asfixiam a inovação, enquanto as pequenas empresas são massacradas. A questão é sobre crescimento real, ou estamos olhando apenas para mais um sopro de liquidez apontado para o crescimento “faz-de-conta”? As pesquisas (Forbes) sugerem que 48% das pequenas empresas americanas correm o risco de fechar definitivamente.
É claro que a centralização da atividade econômica em torno das grandes empresas representa a tábua central para o Grande Reset da tecnologia. Este último é promovido como um “milagre” imparável do lado da oferta, que transformará a produtividade e o crescimento. No entanto, esta tese parece não ser apoiada pela história: “Durante um quarto de século, após a Segunda Guerra Mundial”, observa a Chicago Booth Review, o valor da produção de cada hora de trabalho aumentou 2,7% ao ano. Depois houve um abrandamento por 20 anos, de 1974 a 1994, quando o crescimento da produtividade caiu para 1,5 por cento ao ano. Este foi um período que incluiu o aumento no uso do computador pessoal e a integração de novas tecnologias em várias indústrias – e, como é o caso hoje, as pessoas se perguntam porque foi que o crescimento da produtividade desacelerou”. Robert Solow disse famosamente, “vejo computadores em todos os lugares, exceto nas estatísticas de produtividade”.
“Eventualmente nós vimos os computadores nas estatísticas de produtividade. Em meados dos anos 90, a produtividade acelerou novamente, até cerca de 3% ao ano. Ela ficou lá por uma década, antes de desacelerar novamente. Ela ainda não voltou a acelerar. Portanto, o crescimento médio anual da produtividade de 1,2% que temos experimentado desde meados dos anos 2000 é menos da metade do que foi na década anterior, e é mais lento até mesmo do que a desaceleração de 20 anos de 1974 a 1994”.
“Apesar do que parecem ser mudanças incrivelmente rápidas na tecnologia, não vemos nos dados crescimento impulsionado por tecnologia – e na verdade vemos o padrão oposto. Uma vez que o crescimento econômico requer crescimento da produtividade: Se não descobrirmos por que isso está acontecendo e como consertá-lo, não teremos aumentos sustentados no PIB per capita”.
O Azul varreu o tabuleiro. No entanto, o ano é recém-nascido: O abraço dado pelo Azul à revolução cultural politicamente correta pode vir a ser seu calcanhar de Aquiles. Ele é contrário às normas históricas das relações humanas e das culturas. O perigo do Reset de estilo liberal para Francis Fukuyama, seria o de que ele não pode amenizar o ideal heróico homérico do thymos – as paixões maiores que levam o homem a buscar glória e renome. Fukuyama observa que “o thymos é o lado do homem que busca deliberadamente a luta e o sacrifício”. Com todas as nossas vontades materiais e políticas satisfeitas, a alma humana buscará impulsos mais profundos e mais antigos, uma necessidade de reconhecimento e glória como aquela que levou Aquiles, de antemão, à sua morte no campo de batalha de Tróia.
“Aqueles que permanecem insatisfeitos, sempre terão o potencial para reiniciar a história”, observa Fukuyama.
Fonte: Katehon