Entrevistador: The Conversation
Entrevistado: François Vergniolle de Chantal
Apesar da já anunciada vitória do candidato democrata Joe Biden, as eleições de 2020 demonstraram a capacidade de Donald Trump de mobilizar os seus eleitores. A realidade é que contra todas as expectativas e prognósticos, a popularidade de Trump aumentou em quase todos os segmentos, especialmente entre negros, latinos e mulheres. O trumpismo vai sobreviver a Donald Trump? Quem guiará essa tendência populista da América Profunda?
Ninguém esperava que os resultados fossem tão próximos, muito menos que o atual Presidente Donald Trump aumentasse sua popularidade junto a certos segmentos do eleitorado. Como você explica isso? Estamos lidando com um objeto político, o trumpismo, que desafia o prognóstico?
Essa é, em efeito, uma novidade que põe fim a uma linha de análise que estava no ar há quatro anos, ou seja, que a eleição de Donald Trump em 2016 foi um acidente, que ele foi eleito por pouco em alguns estados do Meio Oeste e na Pensilvânia, que ele perdeu o voto nacional por 3 milhões de votos e deve sua vitória somente ao arcaísmo representado pelo Colégio Eleitoral. Seu desempenho em 2020 mostra que o “trumprismo” corresponde às tendências subjacentes na sociedade americana, particularmente na comunidade branca. As pesquisas de saída mostram que 57% dos brancos votaram em Donald Trump no dia 3 de novembro, para não falar nos votos por correspondência.
Donald Trump brinca com os medos da maioria branca para tentar levá-los à sua causa, isso funciona. Isto é verdade nos subúrbios e entre as pessoas com mais de 65 anos de idade que, até agora, eram apresentadas pelos observadores como eleitores que se distanciariam do presidente por causa de seu extremismo (os eleitores suburbanos são geralmente apresentados como moderados) e por sua maneira de lidar com a crise da Covid.
As pesquisas ainda estão lutando para identificar os eleitores de Trump que, especialmente nas pesquisas telefônicas, não dizem em quem realmente vão votar. Os pesquisadores, no entanto, aprenderam com o ciclo de 2016, mas obviamente não o suficiente. Quanto aos latinos, eles são um eleitorado muito diversificado; a priori, somente os latinos na Flórida (ou seja, cubanos nativos, geralmente conservadores) seguiram o candidato republicano. No entanto, é preciso ter cuidado para não essencializar as categorias, especialmente com um candidato muito polarizador como Trump, que personaliza o poder ao excesso.
O trumpismo tem sido analisado há mais de quatro anos. Como ele é concretamente definido? É um conjunto de políticas, um estilo, uma ideologia? É algo que pode ser continuado e ampliado com ou sem Donald Trump?
O trumpismo é antes de tudo um estilo: uma recusa de intermediários e de compromissos, uma retórica muito simples e direta, uma recusa de ideologias e de sua sofisticação, um entusiasmo pelo líder. Mas o trumpismo não é apenas um estilo, é também um conteúdo. Após quatro anos de presidência, o trumpismo tomou forma. Ele se baseia no que foi chamado de “paleoconservadorismo” nos anos 90, uma espécie de conservadorismo suprimido, composto de nacionalismo, orgulho branco e a busca de bodes expiatórios. Trump tornou este discurso, até agora escondido, mainstream. Ele usou a “política de identidade” (identity politics) a seu favor para mobilizar a comunidade branca, e notavelmente os mais humildes dela, mas não somente. Ele tem assim, como diz a historiadora Sylvie Laurent, “politizado uma subjetividade”, a do medo dos brancos mais pobres, no contexto mais geral de uma sociedade diversificada e multicultural. Este legado está aqui para ficar. Mesmo que Trump acabe perdendo as eleições de 2020, seu resultado, que não rotineiro, mostra que este movimento está aqui para ficar.
Você vê algum ponto cego, alguma realidade no terreno que escape da análise da grande mídia ou mesmo dos círculos acadêmicos, que nos permitiria compreender melhor o sucesso de Trump e suas idéias?
Além das aproximações das pesquisas, geralmente temos a tendência de subestimar duas coisas. Primeiro, o entusiasmo dos eleitores de Donald Trump pelo herói, apesar de todos os escândalos que o cercam. Falamos freqüentemente de um fã-clube, e é verdade. Há aqui um vínculo simbiótico que os pesquisadores não entendem. Além disso, Trump desfruta de uma aura de sucesso, especialmente entre os eleitores minoritários (latinos). Ele encarna o “sonho americano”, uma forma de virilidade conquistadora também, e isso agrada a alguns eleitores.
Quem encarna o trumpismo agora, além do presidente em término de mandato? Será que vemos uma nova geração emergir, da mesma forma que existe uma nova geração dita de esquerda?
Vai haver um problema de liderança dentro do Partido Republicano. Donald Trump parece ter esmagado toda a concorrência interna. Há vários congressistas que adotaram uma linha e estilo “trumpiano”: Tom Cotton (senador do Arkansas) ou Josh Hawley (senador do Missouri). Mas nenhum deles tem a visibilidade necessária no momento. Além disso, Trump representa um forasteiro: foi assim que ele construiu sua personalidade política, notadamente ao quebrar sistematicamente todas as normas do debate público.
É por isso que a sucessão terá que ser assegurada por alguém que siga uma linha semelhante e que não tenha uma longa carreira na vida pública. A priori, não Mike Pence, mas sim figuras da mídia ou personalidades da sociedade civil. Obviamente, o problema da sucessão, no caso de uma derrota democra, não surgirá apenas do lado republicano. Os democratas progressistas aceitaram a candidatura de Biden por falta de um candidato melhor para a vitória do partido – assim foi explicado a eles. Se Joe Biden perder, os progressistass procurarão assumir o partido, o que representará uma séria questão de liderança na ausência de uma figura conciliadora.
Fonte: The Conversation