Escrito por Brian Cepparulo
A esquerda brasileira não aprendeu nada com Barack Obama. Ela repete os mesmos erros, apoiando Joe Biden contra a “encarnação do mal” Donald Trump. Com Biden vem Colin Powell e Dick Cheney, os arquitetos das guerras perpétuas de George W. Bush. Agora as crianças sírias serão bombardeadas por drones guiados por travestis.
Na campanha presidencial recentemente concluída nos Estados Unidos, foi digno de nota o vigoroso apoio dado à candidatura de Biden por importantes expoentes da ala progressista do partido, como Bernie Sanders, senador de Vermont que foi derrotado nas primárias democráticas, e Alexandria Ocasio-Cortez, congressista eleita no estado de Nova Iorque. Eles, que representam uma agenda radical, inspirada no socialismo, que aspirava a planos revolucionários como o “medicare for all”, ou seja, a adoção de um serviço de saúde universal e gratuito, o “green new deal”, ou seja, o plano de transição industrial para energias eco-sustentáveis, bem como a promoção de idéias heterodoxas em economia, como o cartalismo do MMT, até o pacifismo convicto ou não-intervencionista na política externa, agora esperam que suas idéias possam encontrar um lugar no novo rumo político do centrista Biden.
A realidade é que as aspirações progressistas, radicais e socialistas provavelmente serão logo desiludidas.
De fato, como a CNN anunciava a vitória de Biden, em estúdio John Kasich, ex-republicano, mas apoiador de Biden e também potencial membro do gabinete, foi rápido em diminuir o entusiasmo progressista: “Os democratas precisam deixar claro para a extrema esquerda que eles quase custaram a eleição de Biden”. E mais uma vez que “ser puxado pela esquerda não vai funcionar…”. Para depois observar que o Senado designado para os republicanos é “a melhor coisa que aconteceu a Biden”, aludindo ao provável bloqueio que o Senado, tão colorido, oporá a qualquer proposta radical e socialista.
O fato de que as posições da esquerda são um problema para Biden também é revelado sem quaisquer folhos pela Bloomberg, segundo a qual Wall Street monitora de perto as escolhas que o novo presidente fará, especialmente em posições-chave do Tesouro e da SEC, a autoridade que supervisiona o mercado de ações. A Bloomberg especifica como as idéias do senador Warren (que também foi derrotado nas primárias democratas) destinadas a reduzir a desigualdade de renda através de políticas a favor dos americanos, e não dos gigantes financeiros, não são vistas favoravelmente pela elite capitalista do país.
Por outro lado, é bastante curioso que a esquerda radical, e qualquer um que se considere profundamente progressista, pudesse ter apoiado Biden, dado que em sua longa carreira política ele nunca escondeu seu caráter centrista e fundamentalmente neoliberal. Apenas para citar alguns exemplos: Biden apoiou a decisão de Clinton de revogar a “Lei Glass-Stegal” (ele diria mais tarde que se arrependeu), contribuindo para o processo de desregulamentação financeira que levaria ao colapso do sistema em 2007-2008. Em termos de política comercial, ele sempre fez seu melhor para promover a liberalização e os acordos de livre comércio, ferozmente criticados por almas socialistas como os Sanders porque muitas vezes eles são prejudiciais aos níveis de emprego e salários dos cidadãos americanos. Sem mencionar o fato de que ele tem sido a favor de todas as intervenções militares desde a guerra na antiga Iugoslávia. Sua “companheira de campanha”, Kamala Harris, também tem um passado político e profissional (como magistrada) que é bastante opaco para uma lente progressista.
Sobre o tema da política externa, Biden desfrutou na campanha presidencial de 2020 o endosso de Colin Powell (que já apoiava Obama em 2008), o homem que forneceu provas falsas para legitimar a guerra no Iraque, em um momento em que ninguém falava em Fake News porque somente a grande mídia as espalhava. Agora há até mesmo um rumor de que Dick Cheney, ex-vice-presidente de George W Bush, um grande expoente da indústria de guerra dos EUA, um dos arquitetos da campanha pós-11 de setembro no Oriente Médio, pode estar entre os conselheiros estratégicos de Biden. Se confirmado, seria um grande desdém para o eleitorado progressista, assim como um sinal pouco tranquilizador para a paz.
Os progressistas deveriam ter aprendido com a presidência Obama, feita de grandes esperanças de mudança e renovação no lema YES WE CAN, após 8 anos de guerras promovidas pelos neocons republicanos e a grande crise financeira, resultado da especulação e da desregulamentação. Em vez disso, houve poucos resultados no campo da saúde, muito poucos no campo da igualdade racial (tanto que o Movimento Black Lives Matter nasceu sob a presidência do afro-americano Obama), uma política fiscal que depois do enorme estímulo de 2008-2010 foi substancialmente pró-austeridade, nada no campo da regulamentação de armas (as únicas leis sobre o assunto da administração Obama estenderam, e não reduziram, seu uso! ), e uma política externa alinhada com a de Bush (para ser mais preciso, sob a administração do Prêmio Nobel Obama os EUA conduziram operações de guerra em 7 países: além do Iraque e do Afeganistão, lançados por Bush, houve o Paquistão, Iêmen, Somália, Síria e Líbia). Não é coincidência que após 8 anos de Obama, foi eleito Trump, que se encontrou na situação paradoxal de representar os colarinhos azuis do Cinturão da Ferrugem apesar de ser um bilionário do Brooklyn.
O que parece ter realmente unido as diferentes almas do Partido Democrata foi o ódio visceral contra o inimigo comum: Trump, representado às vezes como a encarnação do mal absoluto a ser erradicado a qualquer custo. Parece, entretanto, que o fato de Biden ser e continuar sendo um expoente daquele establishment neoliberal, que ao se apresentar ilusoriamente como uma alternativa ao Trump (na lógica do “menos pior”), representa em alguns aspectos um obstáculo ainda mais complexo de enfrentar para as aspirações socialistas e progressistas dos americanos.
Resta saber quanto tempo pode durar uma união construída sobre um inimigo comum e se testemunharemos “com a chegada do novo, o retorno do velho”, com a colaboração dos progressistas.
Fonte: Osservatorio Globalizzazione