Palestra no Festival G10 de Economia e Filosofia de 2018 (Amsterdam, Westerkerk)
Eu conversei mais ou menos recentemente com Francis Fukuyama na TV e chegamos à conclusão de que a definição de democracia como o poder da maioria é obsoleta, velha e não funcional. A nova definição de democracia, segundo Fukuyama, é o poder das minorias dirigido contra a maioria, porque a maioria pode ser populista – logo, a maioria é perigosa.
Quanto ao problema do tempo, o grande filósofo alemão Edmund Husserl disse que precisamos entender o tempo como música. Na música, ouvimos a nota anterior, a nota presente e antecipamos a próxima. Sem isso, se ouvirmos apenas uma nota – é ruído, não música. Música é quando temos em mente a nota que soou anteriormente e antecipamos a nota que se seguirá. Então, a história e o futuro não são apenas uma nota completamente nova, mas a continuação da melodia que estamos tocando agora.
Esse é um ponto muito importante da observação do Sr. Sloterdijk sobre a urbanização – a melodia não começa agora – estamos tocando-a por um certo tempo histórico. Essa é uma tendência imensa e inevitável – não podemos parar essa melodia, mas ao mesmo tempo, se quisermos mudar alguma coisa, somos obrigados a pôr-lhe um fim. Então, esse é o destino dessa transformação da sociedade das condições de vida agrárias e rurais para as urbanísticas.
Considerando o significado filosófico desse processo histórico, vemos que a cada passo o ser humano se torna cada vez mais independente da natureza e vai criando, então, ambientes cada vez mais artificiais. É cada vez mais um mundo virtual, pois a cidade comparada ao vilarejo é virtual – não existe a dependência da primavera ou do inverno, temos sempre luz. E essa é a preparação para os robôs, seres virtuais em grande escala – já somos meio-robôs. A cultura urbana, a cultura técnica já está aqui – estamos cada vez mais independentes da natureza, grande parte da população (não só na Europa) é urbana.
O processo de urbanização não pode ser interrompido. Estamos nos tornando robôs, nossa sociedade está cada vez mais robotizada. Para realizar esta transição de humanos para robôs, precisamos incorporar alguns aspectos do robô em nossa vida. Na filosofia há Quentin Meillassoux, ontologia orientada ao objeto, que critica qualquer tipo de dualismo. Meillassoux tenta salvar do sujeito a filosofia do sujeito – do humano. Eu penso, portanto, que Meillassoux é uma espécie de cérebro de silício, porque o robô poderia, da mesma maneira, fazer filosofia, ou não-filosofia (François Laruelle), ou a ontologia baseada apenas no objeto.
Estamos nos preparando para o futuro, estamos jogando esse jogo com a urbanização, e é hora de lembrar o que Heidegger disse sobre a técnica como processo metafísico. Estamos envolvidos no processo técnico, e se formos substituídos pela próxima etapa deste mundo tecnológico, ele trará consigo uma espécie de continuidade, não algo completamente novo. Porque estamos tocando essa melodia já faz um certo tempo. Estamos nos preparando passo a passo para uma grande substituição: estamos prontos para substituir a nós mesmos e sermos substituídos.
A substituição não será algo completamente novo e horrível, porque algo horrível já está aqui, ao nosso redor. Não apenas no Ocidente, na Rússia ou na Ásia – em toda a humanidade algo horrível está acontecendo agora, e continua.
Penso que estamos nos aproximando de um momento de Singularidade – é um momento em que a neuro-rede terá permissão para assumir a responsabilidade em situações complicadas. Este assassinato de um humano por um carro robótico da Tesla sem um motorista é uma antecipação do que está acontecendo. Despertaremos algum dia para o fato de que já fomos substituídos.
Estamos tocando a mesma melodia. Se não estamos felizes não podemos dizer “pare” aqui, é impossível. Devemos seguir esse caminho até o início – até a primeira nota desta sinfonia. Devemos perguntar agora: quem é o autor que iniciou este processo de urbanização, quem criou trens, liberalismo, democracia, progresso, míssil, computador, síntese nuclear? Quem é o verdadeiro autor? E isso é essencial: pois foi uma decisão humana, não foi uma espécie de “processo natural”. Em um momento da história, decidimos seguir nessa direção e agora podemos apenas desacelerar ou acelerar. Mas por que não nos perguntamos: estamos indo na direção certa desde o início? Foi esta decisão a certa?
Devíamos voltar a este momento, ao início desta melodia – essa é a minha ideia. Pode ser tarde demais, acordar com robôs por aí, contribuintes perfeitos, tomando decisões democráticas, mandando mensagens SMS uns aos outros, de robô para robô…
A conversa entre robôs já é possível, na neuro-rede a linguagem especial é possível, durante a conversa dois computadores criaram recentemente a linguagem sem o conhecimento do operador. Então, eles vão nos substituir facilmente.
Quem é o robô filosoficamente? O robô, a Inteligência Artificial, é das Man de Heidegger. É a existência inautêntica do Dasein. Mais do que isso: era uma vez a humanidade ocidental que decidiu acabar com o Dasein, impedindo-o da própria possibilidade de existência autêntica. Agora estamos no fim da linha. O robô não tem Dasein. Portanto, é a própria inautenticidade irrevogável. E ainda está aqui – agora, não amanhã.