Vilfredo Pareto e Irracionalidade Política

Escrito por Tomislav Sunic

Poucos pensadores políticos tem causado tanta controvérsia quanto o sociólogo e economista franco-italiano Vilfredo Pareto (1848-1923). No início do século XX, Pareto exerceu influência considerável sobre os pensadores conservadores europeus, ainda que sua popularidade tenha declinado rapidamente após a Segunda Guerra Mundial. Os fascistas italianos que usaram e abusaram do legado intelectual de Pareto foram provavelmente a causa principal de sua queda subsequente no esquecimento.

A sociologia política de Pareto é de qualquer forma irreconciliável com a perspectiva igualitária moderna. De fato, Pareto foi um de seus mais severos críticos. Porém seu foco se estende para além de um mero ataque contra a modernidade; sua obra é um escrutínio meticuloso da energia e das forças impulsoras que subjazem idéias e crenças políticas. De seu estudo, ele conclui que independentemente de sua aparente utilidade ou validade, idéias e crenças muitas vezes dissimula comportamento mórbido. Alguns dos estudantes de Pareto chegaram ao ponto de traçar um paralelo entre ele e Freud, notando que enquanto Freud tentou descobrir comportamento patológico entre indivíduos aparentemente normais, Pareto tentou desmascarar condutas sociais irracionais que jazem camufladas em ideologias e crenças políticas respeitáveis.

Em geral, Pareto afirma que os governos tentam preservar sua estrutura institucional e harmonia interna por uma justificativa a posteriori do comportamento de sua elite governante – um procedimento que está em contraste direto aos objetivos originais do governo. Isso significa que os governos devem “sanar” comportamentos violentos e às vezes criminosos pela adoção de rótulos auto-racionalizantes como “democracia”, “necessidade democrática” e “luta pela paz”, para nomear alguns. Seria errado, porém, assumir que comportamento inadequado é exclusivamente o resultado de conspiração governamental ou de políticos corruptos engajados em enganar o povo. Políticos e mesmo pessoas comuns tendem a perceber um fenômeno social como se ele estivesse refletido em um espelho convexo. Eles avaliam seu valor apenas após terem primeiro deformado sua realidade objetiva. Assim, alguns fenômenos sociais, como revoltas, golpes, ou atos terroristas, são vistos pelo prisma de convicções pessoais, e resultam em opiniões baseadas na força ou fraqueza relativas dessas convicções. Muito provavelmente, tal líder é uma vítima de auto-enganos, cujos atributos ele considera “cientificamente” e corretamente fundados, e que ele benevolamente deseja partilhar com seus súditos. Para ilustrar o poder da auto-enganação, Pareto aponta para o exemplo dos intelectuais socialistas. Ele observa que “muitas pessoas não são socialistas por terem sido persuadidos pela razão. Muito pelo contrário, essas pessoas aquiescem a tal raciocínio por elas (já) serem socialistas”.

Ideologias Modernas e Neuroses

Em seu ensaio sobre Pareto, Guillaume Faye, um dos fundadores da “Nova Direita” Européia, nota que liberais e socialistas ficam escandalizados pela comparação de Pareto das ideologias modernas a neuroses: a manifestações latentes de efeitos irreais, ainda que essas ideologias – socialismo e liberalismo – afirmem apresentar descobertas racionais e “científicas”. Na teoria de Freud, complexos psíquicos se manifestam em idéias de obsessão: nomeadamente, neuroses e paranoias. Na teoria de Pareto, em contraste, impulsos psíquicos – que são chamados resíduos – se manifestam em derivativos ideológicos. Retórica sobre necessidade histórica, verdades auto-evidentes, ou determinismo econômico e histórico são os meros derivativos que expressam impulsos psíquicos residuais e forças como a persistência de grupos uma vez formados e o instinto para combinação.

Para Pareto, nenhum sistema de crença ou ideologia é completamente imune ao poder dos resíduos, ainda que no tempo devido cada sistema de crença ou ideologia deva passar pelo processo de desmitologização. O resultado final é o declínio de uma crença ou ideologia bem como o declínio da elite que a colocou em prática.

Como muitos conservadores europeus antes da guerra, Pareto repudiava o mito moderno liberal e socialista de que a história demonstrava um progresso inevitável levando a paz social e prosperidade. Junto a seu contemporâneo alemão Oswald Spengler, Pareto acreditava que não importa quão sofisticada a aparência de alguma crença ou ideologia, ela quase certamente decairia, com o tempo. Não surpreendentemente, as tentativas de Pareto de denunciar a ilusão do progresso e revelar a natureza do socialismo e do liberalismo levou a que muitos teóricos contemporâneos se distanciassem de seu pensamento.

Pareto afirma que ideologias políticas raramente atraem por causa de seu caráter empírico ou científico – ainda que, é claro, toda ideologia reivindique tais qualidades – mas por causa de seu enorme poder sentimental sobre a população. Por exemplo, uma obscura religião da Galileia mobilizou massas de pessoas dispostas a morrer e a serem torturadas. Na Era da Razão, a “religião” dominante era o racionalismo e a crença no progresso humano ilimitado. Então veio Marx com o socialismo científico, seguidos pelos liberais modernos e sua “religião auto-evidente dos direitos humanos e da igualdade”. Segundo Pareto, resíduos subjacentes são prováveis de se materializar em formas ou derivativos ideológicos diferentes, dependendo de cada época histórica. Já que as pessoas necessitam transcender a realidade e realizar incursões frequentes nas esferas do irreal e do imaginário, é natural que elas abracem justificativas religiosas e ideológicas, independentemente do quão intelectualmente indefensáveis esses recursos possam parecer para uma geração posterior. Ao analisar este fenômeno, Pareto toma o exemplo dos “crentes” marxistas e nota: “Esse é um esquema mental atual de alguns marxistas educados e inteligentes em relação à teoria do valor. Desde o ponto de vista lógico eles estão errados; do ponto de vista prático e da utilidade para sua causa, eles estão provavelmente corretos”. Infelizmente, continua Pareto, esses crentes que clamam por mudanças sociais sabem apenas o que destruir e como destruir; eles estão plenos de ilusões sobre com o que eles devem substituir: “E se eles pudessem imaginar, um grande número entre eles seriam fulminados de horror e assombro”.

Ideologia e História

Os resíduos de cada ideologia são tão poderosos que eles podem obscurecer completamente a razão e o senso de realidade; ademais, não é provável que desapareçam mesmo quando eles assumem uma “capa” diferente em um mito ou ideologia aparentemente mais respeitável. Para Pareto este é um processo histórico perturbador para o qual não há fim em vistas:

Essencialmente, a fisiologia social e a patologia social estão ainda em sua infância. Se queremos compará-las à fisiologia e patologia humanas, não é a Hipócrates que temos que retornar, mas muito além dele. Governos se comportam como médicos ignorantes que aleatoriamente escolhem remédios em uma farmácia e os administram aos pacientes.

Então o que resta dessa tão exaltada crença moderna no progresso, pergunta Pareto? Quase nada, dado que a história continua a ser um eterno retorno perpétuo e cósmico, com vítimas e vencedores, heróis e vilões alternando seus papéis, lamentando seu destino quando estão em posição de fraqueza, abusando do mais fraco quando estão em posição de força. Para Pareto, a única língua que as pessoas entendem é a da força. E com seu sarcasmo usual, ele acrescenta: “Há algumas pessoas que imaginam que podem desarmar seu inimigo através de bajulação complacente. Elas estão erradas. O mundo sempre pertenceu ao mais forte e pertencerá a eles por muitos anos ainda. Os homens só respeitam aqueles que se fazem respeitar. Quem se tornar uma ovelha encontrará um lobo para comê-lo”.

Nações, Impérios e Estados nunca morrem de conquista estrangeira, diz Pareto, mas sempre de suicídio. Quando uma nação, classe, partido ou Estado se torna avesso ao amargo conflito – o que parece ser o caso com as sociedades liberais modernas – então uma contraparte mais poderosa emerge e atrai o apoio do povo, independentemente da utilidade ou validade da nova ideologia política ou teologia:

Um sinal que quase sempre acompanha a decadência de uma aristocracia é a invasão de sentimentos humanitários e choramingos delicados que a tornam incapaz de defender sua posição. Nós não devemos confundir violência com força. A violência usualmente acompanha a fraqueza. Nós podemos observar indivíduos e classes, que, tendo perdido a força de se manterem no poder, se tornam mais e mais odiosos ao recorrerem à violência indiscriminada. Um homem forte ataca somente quando absolutamente necessário – e então nada pode detê-lo. Trajano era forte, porém não era violento; Calígula era violento mas não era forte.

Armadas com as armas da justiça, da igualdade e da liberdade, que armas as democracias liberais possuem a sua disposição contra as populações oprimidas do mundo? O senso de culpabilidade mórbida, que paralisaram um número de políticos conservadores em relação àqueles despossuídos e oprimidos, permanece um abrigo escasso contra os conquistadores de amanhã. Pois, caso africanos e asiáticos possuíssem a metralhadora Gatling, caso eles tivessem o mesmo nível tecnológico que os europeus, que tipo de destino eles teriam reservado para suas vítimas? De fato, isso é algo sobre o que Pareto gosta de especular. De fato, nem os mouros nem os turcos pensavam em conquistar a Europa só com o Corão; eles compreendiam bem a importância da espada:

Cada povo que fica horrorizado pelo sangue ao ponto de não saber como se defender, mais cedo ou mais tarde se tornará presa de um povo belicoso. Provavelmente não há um único pé de terra no mundo que não foi conquistado pela espada, ou onde o povo ocupante dessa terra não se manteve pela força. Se os negros fossem mais fortes que os europeus, seriam os negros dividindo a Europa e não os europeus a África. O suposto ‘direito’ que as pessoas se atribuem com os títulos ‘civilizados’ – de modo a conquistar outros povos que eles se acostumaram a chamar de ‘não-civilizados’ – é absolutamente ridículo, ou melhor esse direito não é nada além da força. Enquanto os europeus permanecerem mais fortes que o chinês, eles vão impor sua vontade, mas se o chinês se tornasse mais forte que os europeus, os papéis se inverteriam.

Política de Poder

Para Pareto, a força vem primeiro, o direito bem longe em segundo; portanto todos aqueles que assumem que seus apelos apaixonados por justiça e fraternidade serão ouvidos por aqueles que foram anteriormente escravizados estão gravemente equivocados. Em geral, os novos vencedores ensinam aos seus outrora mestres que sinais de fraqueza resultam em punições proporcionalmente cada vez maiores. A falta de determinação na hora de decisão e torna disposição para se render à generosidade antecipada dos novos vencedores. É desejável para a sociedade que ela se salve de tais cidadãos degenerados antes que ela seja sacrificada por sua covardia. Caso, porém, a velha elite fosse expulsa e uma nova elite “humanitária” chegasse ao poder, os desejados ideais de justiça e igualdade novamente aparecerão como objetivos distantes e inatingíveis. Possivelmente, afirma Pareto, essa nova elite será pior ou mais opressiva que a anterior, principalmente por que os “melhoradores do mundo” não hesitarão em fazer uso de retórica astuciosa para justificar sua opressão. Paz pode então se tornar um termo para guerra, democracia para totalitarismo, e humanidade para bestialidade. A distorcida “linguagem de madeira” das elites comunistas indica o quão correto estava Pareto em prever a desconcertante estabilidade dos sistemas comunistas contemporâneos.

Infelizmente, desde a perspectiva de Pareto, é difícil lidar com esse tipo de hipocrisia. O que subjaz a ela, afinal, não é um juízo moral ou intelectual falho, mas uma necessidade psíquica inflexível. Mesmo assim, Pareto desafiou enfaticamente os postulados quase-religiosos do humanismo igualitário e da democracia – nos quais ele via não apenas utopias mas também erros e mentiras de interesses investidos. Aplicada à ideologia dos “direitos humanos”, a análise de Pareto sobre as crenças políticas pode deitar mais luz sobre que ideologia é um “derivativo”, ou justificativa de um complexo pseudo-humanitário residual. Ademais, sua análise também pode fornecer um maior insight sobre como definir direitos humanos e os principais arquitetos por trás dessas definições.

Deve ser notado, porém, que apesar de Pareto discernir em cada crença política uma fonte irracional, ele jamais disputa sua importância como fatores unificadores e mobilizadores indispensáveis em cada sociedade. Por exemplo, quando ele afirma o absurdo de uma doutrina, ele não sugere que a doutrina ou ideologia é necessariamente danosa para a sociedade; na verdade, ela pode até ser benéfica. Em contraste, quando ele fala da utilidade de uma doutrina ele não quer dizer que ela é necessariamente uma reflexão verdadeira sobre o comportamento humano. Sobre as questões de valor, porém, Pareto permanece em silêncio; para ele, argumentos razoáveis sobre bem e mal não são mais sustentáveis.

A metodologia de Pareto é muitas vezes retratada como pertencendo à tradição do politeísmo intelectual. Com Hobbes, Maquiavel, Spengler e Carl Schmitt, Pareto nega a realidade de uma verdade única e singular. Ele vê o mundo contendo muitas verdades e uma pluralidade de valores, com cada um sendo verdadeiro dentro dos limites de uma certa época histórica e um povo específico. Ademais, o relativismo de Pareto em relação ao significado da verdade política também é relevante em reexaminar aquelas crenças e sentimentos políticos que se afirmam como sendo não-doutrinárias. Vale a pena notar que Pareto nega às ideologias modernas do socialismo e do liberalismo qualquer forma de objetividade. Ao invés, ele considera ambas como tendo derivado de necessidades psíquicas, que ambas disfarçam.

A Nova Classe

Por suas tentativas de desmistificar crenças políticas modernas, não deveria surpreender que a teoria de Pareto sobre ações não-lógicas e resíduos patológicos continua a desconcertar muitos teóricos políticos modernos; consequentemente seus livros não são facilmente acessíveis. Certamente em relação a países comunistas, isso é mais demonstravelmente o caso, pois Pareto foi o primeiro em prever a ascensão da “nova classe” – uma classe muito mais opressora do que as elites governantes tradicionais. Mas intelectuais não-comunistas também possuem dificuldades em lidar com Pareto. Assim, em uma edição recente de ensaios de Pareto, Ronald Fletcher escreve que lhe foi dito por pesquisadores de mercado de editoras britânicas que Pareto “não está na lista de bibliografia” e “não é ensinado” nos atuais cursos sobre teoria sociológica nas universidades. Respostas similares de editores são bem previsíveis em vistas do fato de que as análises de Pareto soam a cinismo e amoralidade – uma blasfêmia imperdoável para muitos acadêmicos modernos.

Não obstante, apesar da probidade de sua análise, a obra de Pareto demanda cuidado. O historiador Zev Sternell, em seu notável livro La Droite Revolutionnaire, observa que idéias políticas, como feitos políticos, jamais podem ser inocentes, e que idéias políticas sofisticadas muitas vezes justificam um crime político sofisticado. No final da década de 20, durante um período de grande estresse moral e econômico que chocou profundamente a intelligentsia européia, as teorias de Pareto forneceram uma racionalização para a supressão fascista de oponentes políticos. É compreensível, então, o motivo pelo qual Pareto não é bem vindo pela desiludida intelligentsia conservadora, enojados, por um lado, pela violência bolchevique, e pelo outro, pelo materialismo demo-liberal. Durante a guerra subsequente, a aplicação profana das teorias de Pareto contribuiu para o caos intelectual e violência cujos resultados continuam a ser vistos.

Falando de modo mais amplo, porém, deve-se admitir que em muitas coisas Pareto estava certo. Da história, ele sabia que nem uma única nação obteve legitimidade apenas pregando paz e amor, que mesmo a Carta de Direitos americana e a difusão da democracia moderna demandaram a repressão inicial de muitos – desconhecidos que ou não estavam prontos para a democracia, ou pior, que não eram nem mesmo considerados pessoas (aqueles que, como Koestler uma vez escreveu, “perecerem com uma encolhida de ombros da eternidade”). Para Pareto o futuro permanece na caixa de Pandora e a violência provavelmente continuará a ser o destino do homem.

A Vingança das Sociedades Democráticas

Os livros de Pareto continuam a comandar respeito sessenta e cinco anos após sua morte. Se a Esquerda tivesse possuído tal gigante intelectual, ele jamais teria sido facilmente esquecido. Ainda assim a amplitude de influência de Pareto inclui tais nomes como Gustave Le Bon, Robert Michels, Joseph Schumpeter, e Rayond Aron. Mas infelizmente, enquanto o nome de Pareto permanecer encoberto em silêncio, sua contribuição para a ciência política e para a sociologia não serão adequadamente reconhecidas. Fletcher escreve que o ressurgimento acadêmico pós-guerra de escolas de pensamento como “análise de sistema”, “behaviorismo”, “reformulações” e “novos paradigmas”, não incluiu Pareto porque ele não era considerado democrático. O resultado, é claro, é a aniquilação intelectual sutil da enorme erudição de Pareto – uma erudição que vai da linguística à economia, do conhecimento de literatura helênica à sexologia moderna.

Mas as análises de Pareto sobre o poder de resíduos são úteis para examinar a instabilidade de tais panelinhas intelectuais. E seus estudos sobre mímica intelectual ilustram a patologia daqueles que por um longo tempo defenderam o socialismo “científico” apenas para acordarem para o som das sirenes do “auto-evidente” neoconservadorismo – aqueles que, como um escritor francês recentemente notou, desceram com impunidade do “pináculo de Mao para o Rotary Club”. Considerando a história dúbia e não raro amoral da intelligentsia do século XX, o estudo de Pareto sobre patologia política permanece, como sempre, apto.

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