Kemi Seba: “O Black Lives Matter é uma moda lançada por nossos inimigos globalistas”

Escrito por Davide Piccardo
Kemi Seba é hoje o mais importante e famoso defensor do pan-africanismo e do movimento de descolonização africana. Recentemente, foi a público para fazer duras críticas ao movimento Black Lives Matter e às ondas de derrubadas de estátuas nos EUA e Europa.

Nascido na França, mas originário do Benin, Kemi Seba ingressou ainda bastante jovem na Nação do Islã, organização que abandonou mais tarde, fazendo um percurso semelhante ao de Malcolm X e hoje ele guia a batalha contra o neocolonialismo francês e o Franco CFA, a moeda francesa imposta a 14 países africanos. Por isso, Kemi Seba já foi preso diversas vezes na África a pedido da França.

Você assumiu uma posição dura em relação ao movimento Black Lives Matter, o que há de errado com a rebelião dos negros americanos contra a violência policial?

Nunca nos opusemos à luta de nosso povo nos Estados Unidos, estamos ao lado de nosso povo que luta contra a discriminação racial, contra a violência policial, estaremos em solidariedade até a morte com esta luta. Aquilo a que nos opomos é à exploração pelas forças globalistas do sofrimento de nosso povo para fins de um projeto intregracionista, progressista branco e isto não tem interesse para nós.

Não queremos progredir no caminho do Ocidente, queremos nossa autodeterminação e queremos que cada povo possa tomar seu destino em suas próprias mãos, rezamos para que a comunidade afro-americana que tanto sofreu durante séculos tome seu destino em suas próprias mãos e se organize autonomamente em vez de esperar que a América lhes dê o que a América nunca lhes dará.

Somos solidários, mas estamos conscientes de que as forças progressistas globalistas têm usado o hashtag “Black Lives Matter” para dar uma conotação integracionista, quando nosso povo só quer o fim da brutalidade policial, o fim da negrofobia e o fim da opressão, nosso povo nos EUA nunca pediu mais integração.

Você já disse que sempre haverá racismo, por que você acha isso? E especialmente sempre em todo lugar ou você já viu contextos em que ele foi superado?

O racismo estará sempre presente porque ele é algo inerente à sociedade americana e à sociedade ocidental em geral, é algo inegável, as sociedades ocidentais se baseiam no racismo sistemático.

Na Europa não houve a explosão em praças, nem mesmo os protestos violentos que vimos nos EUA, mas há um movimento mais intelectual que, através da remoção das estátuas, gostaria de revisar o passado colonial, o que você acha?

Penso que existe certamente alguma legitimidade em remover as estátuas de Colombo na África, porque em nossos países elas não têm razão de ser e o mesmo vale para as Antilhas onde o povo está escravizado há quatro séculos, mas não creio que o movimento anti-colonização na França faça qualquer sentido. Ele deveria fazer seu trabalho na África, é um movimento que se apresenta como uma alternativa ao neoliberalismo, mas na realidade faz parte do neoliberalismo globalizado que nos oferece um multiculturalismo excessivo quando sabemos que o multiculturalismo imposto tem como resultado apenas a multiplicação dos conflitos.

Sou discípulo de Marcus Mosiah Garvey e de Khalid Muhammad, que acreditavam que cada povo deve consolidar sua identidade e, a partir daí, relacionar-se com os outros, de modo que as estátuas que devem ser derrubadas são as da África ou do Caribe, nos lugares onde os nomes dos colonos representam uma injustiça histórica. Querer convencer os ocidentais de que seus heróis eram os opressores dos outros, eu não me importo com isso. O olhar ocidental não importa para nós, a autodeterminação importa para nós.

O contexto europeu é diferente do americano, mesmo que existam países como a França onde o problema da violência policial é uma realidade, o que os europeus negros devem fazer diante deste movimento?

O contexto europeu é muito diferente do contexto americano, portanto quando falamos de BLM nos EUA e na Europa, precisamos ser capazes de distinguir as duas coisas. Na Europa e na França acima de tudo, há racismo e também abuso policial, mas as respostas a serem dadas na Europa não podem ser aquelas a serem dadas nos EUA. Parto do princípio de que, no que diz respeito à realidade do racismo na Europa, sempre mostramos solidariedade quando se trata de combater a violência que aflige nosso povo, mas nos opomos quando se usa essa luta como desculpa para pedir mais integração. Aqueles que perseguem estes objetivos são manipulados por progressistas brancos e, durante séculos, o progressismo branco provou ser a força mais perigosa, frente a qualquer outra, para diluir a identidade e a história de nosso povo.

O conceito de descolonização é claro, mas qual é o conceito de autodeterminação quando falamos de cidadãos europeus que são descendentes de africanos? Quais são as implicações práticas?

Devemos nos organizar na Europa segundo o modelo das comunidades chinesas, em comunidades fechadas com nossa economia solidária dentro, em vez de aspirar a uma integração que ameaça nossa identidade, pois quanto mais nos integramos na sociedade européia, mais perdemos nossa essência. A solução é começarmos a contar apenas conosco mesmos em vez de esperar poder contar com os outros, é hora de parar de mendigar por um lugar na casa dos outros e construir nossa própria casa, existindo como uma comunidade.

Quanto você acha que a questão racial está sendo explorada neste ano das eleições nos EUA?

Parece-me evidente que nosso sofrimento está sendo usado pelas forças progressistas americanas para tentar desestabilizar Trump, que é um adversário do globalismo neoliberal, mas isso não diminui o fato de que Trump não é de forma alguma amigo do povo negro. Acontece, porém, que nossos inimigos são os inimigos de nossos outros inimigos e eu acredito que Trump, que é um inimigo do povo negro, atrapalha nossos inimigos supremos que são as forças globalistas americanas.

Há vozes negras americanas críticas em relação ao BLM e ao que ele defende?

Há vozes negras que criticam o BLM porque consideram que este é um movimento criado pelas forças globalistas americanas, já que a organização é financiada por Soros e outros e faz exigências que nada têm a ver com o sofrimento real dos negros, eu compartilho desta posição.

Existe internacionalismo nesta reivindicação ou os jovens africanos estão concentrados em outras prioridades? Em caso afirmativo, quais?

A maioria dos pan-africanistas não se reconhece na idéia de que é uma prioridade trazer uma visão anti-colonial ao Ocidente, acreditamos que a batalha pela descolonização é uma batalha a ser travada na África porque não podemos falar de soberania se não tivermos nossa mãe terra, a terra é o berço de nossa civilização, a África é o berço de nossa civilização e o Caribe se tornou hoje uma extensão do continente africano. Querer descolonizar as sociedades ocidentais significa afirmar que essas são nossas sociedades e isso para mim é uma traição ao trabalho de nossos pais e mães, que lutaram para descolonizar nossos países, porque não queriam que fôssemos cidadãos de países que colonizam nossas terras, queriam que fôssemos cidadãos independentes.

Por que uma questão tão importante como a dominação econômica através, por exemplo, do Franco CFA não aquece os corações de jovens europeus na mesma medida que o BLM?

Porque tudo é feito para que os povos ocidentais sejam ocupados pelo que é cosmético, por tudo o que é superficial. O BLM é uma moda, uma tendência, uma moda lançada por nossos inimigos, e a questão econômica, a da soberania econômica, não desperta paixão porque na realidade se pudéssemos resolver definitivamente este problema do colonialismo econômico, os equilíbrios para o Ocidente mudariam radicalmente. É por isso que as forças globalistas querem desorientar nossos povos, pressioná-los a olhar para outro lugar e empurrar os jovens europeus a olhar para outro lugar, em vez de para coisas tão essenciais como a independência dos povos africanos.

Fonte: La Luce

Kemi Seba discursa sobre a exploração dos países africanos através do Franco CFA
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