O Simulacro Peronista e a Questão Ambiental Argentina

Neste texto, Jorge Eduardo Rulli- ativista político, membro fundador e dirigente da primeira “Juventude Peronista” – expõe as diversas falsificações ideológicas sofridas pelo Peronismo e o uso instrumental de suas premissas políticas para fins espúrios.
No caso brasileiro, seria possível fazer uma analogia com os movimentos nacionalistas e trabalhistas que foram tomados por agendas internacionais e pelos interesses financeiros.

Há muitos anos o Peronismo deixou de ser o que foi algum dia. Em sua época, muitos acreditaram que ele era o “legado maldito” da Argentina burguesa…. mas isso não está correto. Na realidade, o único “legado maldito” era o próprio Perón e não o Peronismo. Sem Evita e morto Perón, não foi difícil para o Sistema degradar o Peronismo e tergiversar até o converter, gradualmente, no contrário do que havia sido. A este processo doloroso- que permitiu transformar o Peronismo no grande manipulador da pobreza e no garantidor de novos colonialismos- nós damos o nome de “o simulacro”.

Nos marcos dessa simulação, alguns escreveram sobre a necessidade de voltar a John William Cooke, convencidos de que ele e a Revolução Cubana haviam superado Perón…. Muitos pensaram, do mesmo modo, que o Peronismo precisava de uma boa dose de marxismo e até de desenvolvimentismo, e que, além disso, era necessário deixar de teorizar sobre projetos ambientais e comunitários para voltar-se às questões práticas que tivessem relação com desenvolvimento e crescimento. Dessa forma, necessitávamos abandonar as divagações e o romantismo das épocas revolucionárias e realizar investimentos e grandes projetos na agricultura industrial, no agronegócio e na mineração química…. Os setores médio-progressistas assumiram todos os postos de comando e definiram políticas de gênero e de controle de natalidade, em conformidade com as exigências dos globalizadores e credores da Dívida Externa.

Às distorções se somou o relato inventado por intelectuais obedientes aos ditames do Poder: foram eles quem reescreveram as histórias de luta, acomodando os acontecimentos e as memórias às necessidades de um novo Peronismo de classe-média e progressista, um Peronismo sedento de poder e fortunais pessoais, um Peronismo que tornou o despojo do Estado uma prática cotidiana e que se colocou ao serviço de uma tribo, aniquilando o povo por meio de do assistencialismo enquanto o amontoava nos grandes aglomerados urbanos.

A distorção do antigo Peronismo é incessante e chegou muito longe em sua ousadia, mas não me recordo que até o momento alguém tivesse se atrevido a usar a Carta Ambiental que Perón escreveu em 1972 e que Yolanda Ortiz leu na conferência das Nações Unidas. Que agora um Ministro do Meio Ambiente a mencione é um fato ousado e surpreendente, pois é um limite que suponhamos, como isca, ser dotado de cargas de profundidade. Como a menção do Ministro destaca somente uma frase, não podemos saber, neste caso, se o documento foi lido integralmente. De todo modo, nos perguntamos as razões do feito e não encontramos muitas. Poderia ser, por acaso, um redescobrimento e representar uma tomada de consciência ambiental (e não poderíamos deixar de lembrar de Yolanda Ortiz, a primeira pessoa a ocupar esse Ministério).

A leitura da “Carta Ambiental”, e seu compartilhamento, nos conduz, inevitavelmente, a um questionamento total sobre os rumos que estão traçando para a Argentina. Refiro-me ao extrativismo mineral exacerbado e também ao crescente compromisso com os interesses da China. As necessidades do colosso chinês implicariam expandir a extensões de território dedicadas ao cultivo de soja, multiplicando o uso de sementes transgênicas e agrotóxicos. Talvez isso também implique em aceitar altos investimentos de empresas chinesas para montar uma gigantesca fazenda industrial de porcos, com o risco de trazer ao nosso país as sucessivas epidemias que vêm castigando a criação suína na China.

Para piorar, até mesmo nos altos cargos do governo se estimulam os projetos de Bill Gates que implicam no investimento em altas tecnologias e que pressupõe o desaparecimento absoluto da vida rural e das populações campesinas. Fica claro, então, que a mera menção à Carta Ambiental de Perón, por figuras governamentais, constitui uma falsidade ou um “desafio” que inspira novas políticas.

Infelizmente, não podemos encontrar outras razões ou outros sentidos no gesto. Gostaríamos, é verdade, de alentar a esperança de que houvesse um reconhecimento da terrível situação ambiental em que nosso país se encontra, quando as mudanças climáticas inexoráveis e uma absoluta falta de soberania alimentar pesam sobre nós, ameaçando-nos com fome no pós-pandemia.

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