Morre Moraes Moreira, chora um violão vagabundo no céu tropical

Na madrugada de hoje, treze de abril de dois mil e vinte, o povo brasileiro perdeu o grande Moraes Moreira. Talvez os mais jovens ou aqueles não tão interessados na cultura do próprio país não o conheçam muito bem ou não compreendam sua genialidade. Mas Moraes foi um artista que revolucionou a música brasileira na década de 1970.

O ponto mais intenso de tal revolução foi justamente seu início, com a banda Novos Baianos e o álbum Acabou Chorare, considerado por muitos o maior álbum de todos os tempos na música brasileira. O elemento de maior destaque dessa obra prima, que se manteve presente em toda a carreira de Moraes, era a antropofagia cultural, a tradição popular mantida viva e atualizada, o antigo através dum novo filtro que o mantém pulsante.

Em Acabou Chorare essa absorção do tradicional está presente em vários momentos. A bela canção Brasil Pandeiro, um sucesso da década de 1940, composição do carioca Assis Valente, é interpretada de maneira tão própria pelos Novos Baianos, que o desavisado pode achar que se trata de uma criação da banda. De modo ainda mais profundo, no sucesso Preta Pretinha, trechos de duas canções populares tradicionais surgem, no final da canção, de modo tão natural, como se fossem composições de Moraes Moreira.

Essa aptidão que Moraes carregou por toda a vida nos leva de volta para sua terra natal, Ituaçu, no interior da Bahia. Lá, ainda criança, se encantara com as bandinhas que tocavam nos dias de festejo da padroeira da cidade, Nossa Senhora do Alívio. Como ele mesmo disse, “lindos dobrados rompendo o silêncio, entrando em meus sonhos”. Antes do violão, que começou a aprender aos 16 anos e se tornaria o instrumento que o faria famoso, estudara a sanfona.

Depois disso, foi aluno do tropicalista Tom Zé, que o ensinou harmonia e composição no Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia. Quem conhece o vanguardista trabalho de Tom Zé, pode perceber aí a influência no ainda jovem Moraes. Nascia aqui, por intermédio do professor, uma visão revolucionária da tradição. Outro grande nome da música brasileira que lhe mostrou o caminho da tradição popular foi o genial João Gilberto, que conviveu no Rio de Janeiro com os Novos Baianos e lhes revelou os segredos dos ritmos brasileiros. Se os Novos Baianos foram os revolucionários, João Gilberto, que, no passado havia feito sua própria revolução musical, foi o grande doutrinador da trupe de Moraes Moreira.

Já, a partir de 1975, em carreira solo, Moraes revolucionou uma vez mais, se transformando em cronista musical do carnaval brasileiro. Foi o primeiro músico a cantar num trio elétrico, que antes tocava apenas música instrumental. Seu maior sucesso nessa empreitada foi o clássico Pombo Correio, na verdade, uma antiga melodia da década de 1950, chamada Double Morse. Os mestres Dodô e Osmar, criadores do trio elétrico, já tocavam tal melodia e coube a Moraes, muitos anos depois, colocar uma letra no instrumental, e transformá-lo em uma música de sucesso em todo o Brasil. Uma vez mais o baiano cria o novo ao se alimentar da tradição. Posteriormente, com a comercialização da cena do trio elétrico, causada pelo turismo desenfreado, Moraes se afasta desse meio musical. Foi o amor pelas festas populares que o atraiu e o afastou do carnaval e do trio elétrico.

Vários sucessos se seguiram ao decorrer dos anos: Festa do Interior, Bloco do Prazer, Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira, E Assim Pintou Moçambique, Meninas do Brasil, Lenda do Pégaso e incontáveis outras. Em todas essas décadas de carreira e em mais de 40 álbuns, seu lema foi sempre o mesmo: pesquisar profundamente a cultura popular.

Esse músico tão apaixonado pela verdadeira cultura de seu povo tem muito a nos ensinar. Devemos nos contagiar com esse mesmo amor por tudo que é simultaneamente popular e tradicional, na já citada antropofagia cultural (e, no nosso caso, política) que se alimenta do passado, se nutre da tradição e irradia algo novo para um futuro enraizado na nossa mais profunda essência.

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Luiz Campos
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