Há 75 anos, os Aliados destruíam Dresden, cidade sem alvos militares, em um ataque terrorista

A destruição de Dresden pelos Aliados não foi o maior ou mais mortal bombardeio aéreo de uma cidade alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Mas é de longe o mais infame, em grande parte devido à obra-prima antiguerra de Kurt Vonnegut, Slaughterhouse-Five. 13 de fevereiro marca o 75º aniversário do que Vonnegut, que sobreviveu ao bombardeio como prisioneiro de guerra, chamou de “carnificina insondável”.

O Carniceiro Harris e o Bombardeio Terrorista Britânico

No início de 1945, o exército alemão, outrora imparável, estava em retirada em todas as frentes. As suas desesperadas contraofensivas de última hora contra as forças aliadas em rápido avanço no Ocidente – a Batalha das Ardenas e a Operação Bodenplatte – haviam falhado, enquanto no Oriente o Exército Vermelho avançada para território alemão durante a primeira ofensiva silesiana. Era a hora certa, argumentaram os comandantes britânicos, para ataques aéreos em larga escala contra cidades da Alemanha Oriental que ajudariam a ofensiva soviética e esmagariam o moral alemão.

Muito antes dessa época, os britânicos haviam implementado uma política do que chamavam de “bombardeio terrorista”, ou a destruição total deliberada das cidades alemãs, como método para quebrar a vontade do povo alemão de continuar lutando. Ondas de aviões de guerra da Força Aérea Real (RAF) bombardearam cidades densamente povoadas sob a cobertura da noite, abandonando qualquer pretensão de atingir alvos específicos e causando morte e destruição generalizadas e indiscriminadas. O chefe do Comando Bombardeiro da RAF, Arthur “Bombardeiro” Harris, declarou o seu desejo de visitar “os horrores do fogo” sobre o povo alemão. Uma vez Harris foi mandado parar por um policial britânico por excesso de velocidade no seu Bentley preto. “Você poderia ter matado alguém”, o policial o admoestou. “Jovem”, respondeu o comandante, “Eu mato milhares de pessoas todas as noites.”

Ele não estava mentindo. Embora o governo britânico insistisse que nunca foi sua política atacar civis, a verdade era algo completamente diferente. Como Harris disse depois dos bombardeiros da Luftwaffe atacarem cidades britânicas, já que os alemães tinham “semeado o vento”, eles deveriam “colher a tempestade”. Em 1943, Harris escreveu que “o objetivo é a destruição das cidades alemãs, a matança de trabalhadores alemães e a perturbação da vida civilizada em toda a Alemanha”, ao mesmo tempo que “minimizava a destruição das cidades alemãs e de seus habitantes”.

“Bombardeiro” era de fato um apelido apropriado para Harris, mas os seus homens tinham outro para ele – “Carniceiro.” Ele viveu à altura do apelido. Cerca de 50 cidades alemãs foram sujeitas a horrendos bombardeios aéreos, muitas vezes com bombas incendiárias concebidas para provocar grandes tempestades de fogo e maximizar a morte, a destruição e o terror. Em julho de 1943, cerca de 45 mil civis, incluindo 21 mil mulheres e 8 mil crianças, morreram durante mais de uma semana de bombardeios implacáveis em Hamburgo. Em fevereiro de 1945, centenas de bombardeiros Lancaster nivelaram Pforzheim, matando quase um terço da população. A lista é imensa.

‘Fogo, Só Fogo’.

Harris e outros comandantes da RAF propuseram ataques simultâneos a Berlim, Chemnitz, Dresden e Leipzig, no inverno de 1945. Dresden, a sétima maior cidade da Alemanha, era a maior área urbana do Terceiro Reich que ainda não tinha sido bombardeada. Ela havia sido poupada do ataque dos Aliados porque era uma importante cidade cultural – conhecida como Caixa de Jóias por sua famosa arquitetura – com relativamente poucos alvos militares significativos. Era uma cidade de refúgio, com 19 hospitais e mais de um milhão de refugiados fugindo dos horrores do avanço do Exército Vermelho acampados perto dali. Eles foram atraídos pela reputação de Dresden como um porto seguro das chamas de guerra que haviam engolido a maior parte do resto da Alemanha, uma reputação reforçada pela presença de cerca de 25 mil prisioneiros de guerra aliados mantidos dentro e em torno da cidade.

Os primeiros aviões de guerra da RAF se aproximaram da cidade depois das 21h30 do dia 13 de fevereiro. Cerca de 200.000 bombas incendiárias juntamente com 500 toneladas de munições altamente explosivas, incluindo bombas “blockbuster” de duas toneladas, foram lançadas durante os ataques iniciais, provocando milhares de incêndios que podiam ser vistos a 500 milhas (800 km) de distância no ar. O calor gerado pelo inferno derreteu a carne humana, transformando muitas vítimas em pilhas de gelatina. Homens, mulheres, crianças, doentes, idosos, refugiados e prisioneiros de guerra aliados e até os animais do zoológico da cidade – todos foram incinerados juntos. A tempestade de fogo de 1500ºC sugou todo o oxigênio do ar; muitos milhares sufocaram até à morte. Lothar Metzger, que na época tinha nove anos de idade, lembrou mais tarde:

“Por volta das 21:30 o alarme foi dado. Nós crianças conhecíamos aquele som e… nos apressamos para descer para o nosso porão… A minha irmã mais velha e eu carregávamos as minhas irmãs gêmeas bebês, a minha mãe levava uma pequena mala e as garrafas com leite para os nossos bebês. No rádio ouvimos com grande horror a notícia: ‘Atenção, um grande ataque aéreo virá sobre a nossa cidade!’ … Alguns minutos depois ouvimos um barulho horrível – os bombardeiros. Houve explosões ininterruptas. Nosso porão estava cheio de fogo e fumaça e foi atingido, as luzes se apagaram e as pessoas feridas gritavam horrivelmente. Com muito medo, lutamos para sair desse porão…

Nós já não reconhecemos a nossa rua. Fogo, só fogo onde quer que olhássemos… Era inacreditável, pior do que o pesadelo mais negro. Tantas pessoas ficaram horrivelmente queimadas e feridas. Tornava-se cada vez mais difícil respirar… Pânico inconcebível. Pessoas mortas e moribundas eram pisoteadas… adultos cremados encolhidos ao tamanho de crianças pequenas, pedaços de braços e pernas, pessoas mortas, famílias inteiras queimadas até a morte, pessoas queimadas correndo de um lado para o outro, carruagens queimadas cheias de refugiados civis, socorristas e soldados mortos, muitos chamavam e procuravam os seus filhos e famílias, e fogo por todo o lado, fogo por todo o lado, e todo o tempo o vento quente da tempestade de fogo atirava as pessoas de volta para as casas em chamas de onde tentavam fugir… As gêmeas tinham desaparecido… nunca mais vimos as minhas irmãs”.

Na manhã seguinte, uma onda de mais de 300 bombardeiros Boeing B-17 da Força Aérea dos Estados Unidos atingiu os sobreviventes com mais de 700 toneladas de explosivos. Em 15 de Fevereiro, aviões de guerra americanos bombardearam os subúrbios do sudeste da cidade, bem como as cidades vizinhas de Meissen e Prina. Quando tudo acabou, cerca de 25.000 homens, mulheres e crianças já estavam mortos [Nota do Tradutor: essas são as cifras oficiais dadas pelos próprios Aliados e pela Alemanha ocupada, com base nos moradores mortos, mas como no momento do bombardeio havia mais de 1 milhão de refugiados que não eram moradores o número verdadeiro nunca será sabido, ainda alguns historiadores falem em 30, 40 ou mesmo 100 mil mortos] e quase 90 por cento das casas no centro de Dresden foram obliteradas. Muitos dos alvos que poderiam ter sido considerados de interesse militar – algumas poucas fábricas, o sistema ferroviário – permaneceram relativamente incólumes. Os comboios militares nazistas atravessavam novamente a cidade três dias depois do bombardeio.

“Nós somos animais?

Autoridades britânicas e americanas insistiram que Dresden foi escolhida como alvo devido à sua infraestrutura industrial e de transporte. Isto é apenas parcialmente verdade. Na véspera do atentado, o Exército Vermelho estava a apenas 130 km de Dresden e os EUA e a Grã-Bretanha, sabendo que a Europa seria dividida entre eles e os soviéticos após a guerra, queriam impressionar Stálin com uma enorme demonstração de força. Um memorando da RAF aos aviadores na noite do ataque explicou que “as intenções do ataque são atingir o inimigo onde ele mais o sentirá” e “mostrar aos russos quando chegarem o que o Comando Bombardeiro pode fazer”. Alguns meses depois, os Estados Unidos travariam a primeira e única guerra nuclear do mundo, destruindo duas cidades japonesas e matando centenas de milhares de japoneses, no que foi em parte mais uma tentativa de chocar e espantar os soviéticos.

O bombardeio de Dresden chocou a consciência do mundo. Churchill, não conhecido por derramamentos de compaixão, ficou chocado com a selvageria do ataque, chamando-o “um ato de terror e destruição irresponsável”. Depois de ver fotografias da cidade devastada, o primeiro-ministro perguntou: “Somos bestas? Estamos levando isto longe demais?” Num memorando ultrassecreto datado de 28 de março de 1945, ele escreveu:

“Me parece que chegou o momento em que a questão do bombardeio das cidades alemãs, simplesmente para aumentar o terror, embora sob outros pretextos, deve ser revista. De outra forma, entraremos no controle de uma terra totalmente arruinada”.

Outros defenderam o bombardeio. O “Carniceiro” Harris reconheceu que “a destruição de uma cidade tão grande e esplêndida nesta fase tardia da guerra foi considerada desnecessária mesmo por um bom número de pessoas que admitem que os nossos ataques anteriores eram totalmente justificados”. No entanto, ele afirmou que os bombardeios terroristas “encurtariam a guerra e preservariam as vidas dos soldados Aliados”. Harris infamemente acrescentou: “Não considero pessoalmente as restantes cidades da Alemanha como valendo os ossos de um único granadeiro britânico.”

Pelo menos 600 mil civis alemães foram mortos pelos bombardeios aliados durante a guerra. Muitas dessas vítimas morreram durante os últimos meses da guerra, quando a derrota da Alemanha era certa e tal massacre não serviu a nenhum propósito militar válido. E embora os nazistas possam ter iniciado a guerra aérea bombardeando cidades britânicas, matando 14.000 civis durante a Blitz, o turbilhão que eles colheram – parafraseando Harris – foi tão grosseiramente desproporcional que mancharia para sempre as pretensões dos Aliados de terem travado a “última boa guerra”.

Escrito por Brett Wilkins

Fonte: https://original.antiwar.com/Brett_Wilkins/2020/02/10/the-allied-destruction-of-dresden-75th-anniversary/?fbclid=IwAR1Ov56exxHyEsPSF5fOueItoBJT5wkSht-phsmAz9BZmgUUBKw837wGA74

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Nova Resistência
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