Emanuel Pietrobon – Suleimani está morto, viva Suleimani!

O assassinato do general Qassem Suleimani, segunda figura pública mais importante do Irã e principal estrategista da derrota do ISIS no Oriente Médio, inaugurou com sangue o ano de 2020. Mas quais serão as suas consequências geopolíticas? O que significa este assassinato? A partir deste texto que traduzimos com exclusividade, podemos perceber que estamos diante de um evento divisor de águas que indicará a direção das relações internacionais na nova década.

Noite de 3 de janeiro, Bagdá. Perto do aeroporto se encontra um comboio de veículos que transporta soldados da guarda da revolução iraniana e do comitê de mobilização popular iraquiano. Estão discutindo a situação perigosa em que se encontra o país, caído em um vórtice de instabilidade premeditado que arrisca explodir em uma guerra civil. O 2019 havia começado com a emergência de tensões entre sunitas e xiitas, e entre os próprios xiitas, divididos na atitude a ser mantida em relação ao Irã, considerado, de fato, o salvador da pátria, pelo papel fundamental na derrota do Estado Islâmico do defunto califa Abu Bakr al-Baghdadi, mas ao mesmo tempo considerado uma potencial fonte de perigo através do seu projeto hegemônico regional.

A plurissecular tensão sunita-xiita havia sido explorada magistralmente pelos Estados Unidos para incrementar o nível de violência dos protestos, que gradualmente conduziram a um verdadeiro aprisionamento civil que fez reaparecer o íncubo da guerra civil no país. Os planos da administração Trump se encontram e se colidem com os de Benjamin Netanyahu, que tem a intenção de ampliar a luta contra o Irã até as suas fronteiras.

Chega o outono e começam as operações cirúrgicas no Iraque por parte da aviação israelense: é a primeira vez que Tel Aviv estende o raio de ação fora do Líbano e da Síria, um movimento extremamente arriscado. Os aviões e drones atacam bases militares, depósitos de armas, neutralizam figuras centrais da resistência iraquiana ou do ramo local do Hezbollah. A intervenção israelense age no sentido contrário da estadunidense: a divisão interconfessional diminui em intensidade, a frente antiamericana se compacta, aumenta os ataques contra alvos estadunidenses.

Depois, em 31 de dezembro, o desdobramento: um grupo furioso de manifestantes cerca a embaixada estadunidense de Bagdá, ateia fogo a ela. É uma resposta aos ataques estadunidenses e israelenses, cada vez mais frequentes e violentos, que no período natalício havia matado mais de 30 homens, em sua maioria pertencentes ao Hezbollah local e aos comitês de resistência popular.

O presidente Donald Trump acusa o Irã de ter dirigido o ataque à embaixada e promete vingança: em 2 de janeiro assina a ordem de assassinato de Qassem Suleimani, o mais habilidoso e influente estrategista militar a serviço de Teerã. Na noite de 3 de janeiro, naquele comboio, se encontra o próprio Suleimani. Mísseis são lançados, o veículo é explodido, morrem sete pessoas: o general, o líder do comitê de mobilização popular e outros militares iranianos e iraquianos.

Por anos se havia dito que Suleimani era “intocável”, protegido por um pacto secreto entre Rússia e Irã. Indiscrições que parecem ser confirmadas em um fato: as frequentes visitas de Netanyahu e de expoentes da defesa israelense a Moscou durante o ano anterior. Parece que o primeiro ministro israelense queria semáforo verde, porque fez da guerra contra o Irã o ponto focal de toda a sua agenda política externa, mas isso lhe havia sido negado.

Neste contexto se enquadravam também as escaramuças que há meses dividiam Israel e Rússia: a prisão de cidadãos israelenses na Rússia, condenados a penas de prisão bastante pesadas em relação aos crimes cometidos, os ataques israelenses na Síria apesar das advertências do Kremlin, a decisão russa de ajudar a economia iraniana através da União Econômica Eurasiática, a colaboração no setor nuclear civil, e o recente exercício naval com a China.

A linha vermelha, porém, foi finalmente ultrapassada: protegido ou não por um “pacto Moro” ao gosto asiático, Suleimani foi assassinado. A campanha de propaganda por parte da “rede soberanista”, à qual se uniu Matteo Salvini, já começou: ele era um terrorista, uma ameaça para a paz mundial, um perigo comparável a Osama bin Laden e Al-Baghdadi, uma retaliação necessária.

Aquilo que escapa a jornalistas, políticos e analistas, verdadeiros ou presumidos, é que a neutralização de Suleimani poderia ser muito bem, e justamente, considerada como uma declaração de guerra. Não foi assassinado um terrorista ou um paramilitar, mas um soldado, um expoente de primeiro escalão de forças armadas regulares. É o direito internacional falando: se o Irã quisesse, poderia declarar guerra aos Estados Unidos porque foi vítima de uma agressão e foi exposto continuamente a interferências em seus assuntos internos.

Mas o mundo é dominado pela realpolitik: o Irã não tem os meios de sustentar uma guerra contra os Estados Unidos, e tampouco tem uma aliança ou parceiros em quem depositar confiança. O casus belli existe, mas o Irã é consciente de que, à luz da situação econômica interna e da presença capilar de quinta-colunas nas próprias fronteiras, caminharia rumo à capitulação ou, em todo caso, a um cenário afegão: guerra permanente, país destruído.

O que acontecerá, muito provavelmente, é que a guerra à distância entre o eixo Washington-Tel Aviv-Riad e Teerã suba de nível: maior insurgência em Gaza, mais apoio ao Hezbollah no Líbano, atentados contra alvos americanos ou israelenses no exterior – devolvendo o conflito aos níveis dos anos 90, quando Buenos Aires foi ensanguentada por dois atentados contra a comunidade judaica – maiores pressões sobre a Casa Saud no Iêmen e escaramuças no Golfo Pérsico.

Qualquer um desses movimentos, porém, será contrabalanceada por reações cada vez mais desproporcionais, porque o objetivo dos Estados Unidos – não de Trump – é forçar o Irã a dar o passo em falso que poderia legitimar uma intervenção como a do Iraque. Não haverá trégua enquanto o regime revolucionário khomeinista continue a guiar o país, porque o Irã é uma daquelas nações que são vítimas da chamada “maldição da geografia”, e por isso destinadas a um “cerco infinito”.

Está estrategicamente posicionado entre Oriente Médio, Ásia Central e Ásia Meridional, um ponto de ligação entre as civilizações turca, indiana, chinesa e islâmica, é rico em recursos naturais estratégicos, como gás e petróleo, por isso não se pode permitir a qualquer força política ideologicamente anti-imperialista e anti-ocidental monopolizar o poder. Não é por acaso que a história contemporânea iraniana, da chegada dos britânicos até hoje, esteja embebida em ingerências estrangeiras, falsas revoluções e golpes de Estado.

Mas a exposição seria incompleta sem uma descrição de Suleimani, que desde ontem é pintado como um terrorista e que, por isso, merece ser defendido da campanha propagandística em curso. Proveniente de uma família de origens humildes, ele galgou os postos do exército mostrando as próprias habilidades em campo, durante a guerra com o Iraque, chegando a ocupar o prestigioso posto de comandante da brigada Jerusalém da Guarda Revolucionária.

Foi dada a ele a importante responsabilidade de guiar a ofensiva do Irã contra o Estado Islâmico no Iraque, no ápice de sua expansão, uma missão que cumpriu com sucesso, se tornando um ícone popular não só no Irã, mas em todo o mundo islâmico.

Suleimani, de fato, era extremamente admirado até entre os opositores do regime. Com a sua morte, o Irã perde seu estrategista mais habilidoso e carismático, e o eixo da resistência, com seu sonho de um corredor xiita de Teerã a Beirute, recua. A sua morte servirá para dois fins: forçar o Irã a cometer um gesto ousado, que possa justificar uma intervenção militar, ou leva-lo à mesa de negociações para reescrever o acordo nuclear.

Uma coisa é certa: o novo grande jogo pela hegemonia sobre a Eurásia entrou em uma nova fase e esta morte espetacular, emblematicamente acontecida no início do ano, simboliza a direção que tomarão as relações internacionais na nova década em que acabamos de entrar.

Fonte: L’Intellettuale Dissidente

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