“Ao desintegrar o tumor cancerígeno e mortal do ISIS, você prestou um grande serviço não apenas aos países da região e ao mundo islâmico, mas também a todas as nações e à humanidade”. – Ali Khamenei (Resposta à carta do General Suleimani sobre a eliminação do ISIS)
O ano de 2020 começou triste e tempestuoso, com o assassinato covarde, através de um ataque de drone ao Aeroporto de Bagdá ordenado pelo Pentágono, do general Qassem Suleimani e do comandante Abu Mahdi al-Muhandis, além de pelo menos mais 6 figuras importantes da luta anti-imperialista, entre iranianos e iraquianos.
O ataque seria supostamente uma resposta à invasão da embaixada estadunidense em Bagdá dias atrás por manifestantes que protestavam contra um bombardeio americano que havia assassinado membros das milícias xiitas que libertaram o Iraque do ISIS. Não obstante, as razões reais para o ataque devem ser encontradas nas tentativas da elite sionista de provocar uma guerra generalizada no Oriente Médio, sonho de décadas de Israel, que seria aproveitada para permitir a expansão da entidade sionista na construção de uma Grande Israel do Nilo ao Eufrates.
Não se deve negligenciar, ainda, a tentativa de Donald Trump de sobreviver ao processo de impeachment apaziguando os setores mais beligerantes do Congresso e do Deep State.
Abu Mahdi al-Muhandis era o comandante militar que atuava como vice-presidente das Forças de Mobilização Popular, uma coalizão de mais de 40 milícias iraquianas, em sua maioria xiitas, mas contando também com a presença de formações cristas. Al-Muhandis era também o líder do Kataeb Hezbollah, milícia xiita iraquiana, inspirada pelo Hezbollah libanês e parte das Forças de Mobilização Popular.
As Forças de Mobilização Popular, que contam com quase 200 mil homens, têm estado envolvidas em quase todas as batalhas travadas contra o ISIS no Oriente Médio, não apenas no Iraque como também na Síria. Elas foram essenciais na Segunda Batalha de Tikrit, onde formavam o grosso da infantaria, na Ofensiva de Mosul, onde elas compunham o flanco esquerdo das forças anti-ISIS, e na Batalha de Kirkuk, onde as Forças de Mobilização Popular venceram os terroristas curdos, que estavam em número cinco vezes maior, e retomaram Kirkuk.
Mas a maior perda para as forças não-alinhadas e multipolares foi o martírio de Qassem Suleimani, o comandante da Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã, especializada em atividades de inteligência, guerra não convencional e atividades extraterritoriais.
A Força Quds, apesar de relativamente pequena (conta com apenas 15 mil homens) tem sido fundamental no suporte de todas as forças militares e paramilitares que atuam no Oriente Médio em prol da multipolaridade, do Hezbollah ao Hamas, dos Houthis às milícias iraquianas.
Tão grande tem sido o papel da Força Quds e de seu comandante (chamado no Ocidente de “Comandante Sombra”) nas lutas contra o wahabismo, o sionismo e o imperialismo no Oriente Médio, que não estaríamos exagerando ao falar que Qassem Suleimani foi o principal responsável pela derrota do ISIS no Oriente Médio.
Se unindo à Guarda Revolucionária logo após a Revolução, e participando na guerra contra o Iraque, Suleimani foi reconhecido por sua bravura em batalha e galgou posições até se tornar comandante de divisão antes mesmo de ter 30 anos de idade.
Para que se tenha noção da dimensão da figura de Qassem Soleimani, ele já foi chamado pela CIA de “o Erwin Rommel iraniano”, e era o principal estrategista militar da luta anti-imperialista no Oriente Médio. Em seu cargo de comandante da Força Quds, ele ainda ajudou a reorganizar o governo iraquiano após a queda de Saddam Hussein, organizou as Forças Nacionais de Defesa da Síria (uma coalizão de milícias regionais) e a estruturar, treinar e profissionalizar o Hezbollah nos anos 90.
Após parecer claro que o governo de Assad seria derrotado pelas forças terroristas, foi o auxílio estratégico de Suleimani, com ajuda do apoio aéreo russo, que permitiu a Assad virar o jogo. Seria impossível pontuar de quais batalhas ele participou, porque na verdade ele esteve envolvido como comandante ou estrategista em todas as campanhas militares sírias de 2013 para a frente, mas poderíamos destacar o fato de que foi ele quem arquitetou a Ofensiva Russo-Sírio-Iraniana de outubro de 2015, que deu início à derrocada do ISIS na Síria.
Suleimani, ao longo de sua vida, por sua conduta em batalha de nunca se esconder dentro dos quarteis, mas sempre liderar seus homens na frente de batalha, bem como por sua virtude e piedade, era considerado pelo Aiatolá Khamenei como um “mártir vivo”. De fato, a relação entre Khamenei e Suleimani era como a entre um pai e um filho. Suleimani era tido como um símbolo que inspirava jovens iranianos a se alistarem na Guarda Revolucionária e nas Forças Armadas.
O seu exemplo ia do campo de batalha à vida pessoal. Apesar da popularidade, Suleimani era um homem modesto e reservado, tendo deixado uma esposa e quatro filhos. Não obstante, se sabe de seu gosto pela poesia tradicional persa, pelo estudo da teologia islâmica, pela musculação e pelas artes marciais, sendo faixa preta em karatê.
Sua morte é uma grande perda, mas o Alto Comando da Guarda Revolucionária Iraniana não carece de grandes estrategistas e comandantes. Ascendeu ao posto de Suleimani, como comandante da Força Quds, o General Esmail Ghaani, que também é um herói e veterano da Guerra Irã-Iraque e que também participou ativamente na luta contra o ISIS na Síria e no Iraque sob o comando de Suleimani.
Quando à situação geopolítica do Oriente Médio, ainda que este assassinato aumente as tensões, não consideramos que eles levarão imediatamente à Terceira Guerra Mundial, ainda que tudo seja possível. A consequência mais direta será a intensificação da aproximação e coordenação geopolítica e estratégica entre Irã, Iraque e Síria. A tendência não é que esse assassinato leve à redução da influência iraniana no Iraque, mas o oposto. O apoio iraniano ao Hezbollah, aos Houthis e a outros grupos paramilitares e milícias populares também tende a aumentar.
O Ocidente, mergulhado no materialismo e no ceticismo, subestimam o poder da figura do mártir sobre o imaginário político muçulmano. Se nem todas as forças políticas xiitas do Iraque se consideravam próximas do Irã, havendo inclusive atritos políticos recentes, a flagrante violação da soberania iraquiana com o assassinato de figuras tidas como heroicas nos dois países relativizará essas distâncias em prol da importância de responder à ameaça do Eixo EUA-Israel-Arábia Saudita.
Ao mesmo tempo, dentro do Irã, as forças supostamente “moderadas” e defensoras de uma Ocidentalização do Irã serão enfraquecidas, uma tendência positiva que já vinha se desdobrando desde a eleição de Trump. O governo iraniano também terá boas justificativas para recrudescer a repressão contra os elementos subversivos que tentam causar uma “revolução colorida” no país.
Não obstante, caso seja o caso, Irã, Iraque, Síria e Hezbollah estão preparados para lidar com a ameaça dos EUA e de Israel, e contarão com a ajuda da Rússia e da China nisso, ainda que não oficialmente. Recordamos aqui o vexame da derrota israelense na Guerra do Líbano de 2006, quando menos de mil soldados do Hezbollah repeliram 30 mil soldados israelenses. O Irã não é o Afeganistão ou o Iraque de Saddam.
A vida de Qassem Suleimani foi uma expressão das verdades profundas da “metafísica da guerra”, tal como descrita pelo filósofo italiano Julius Evola. Suleimani viveu a guerra não como mera expressão da política, da geopolítica ou de interesses econômicos, mas como uma via de realização espiritual. Sobre o Paraíso, o General Suleimani disse:
“Geralmente, na representação popular, o paraíso é descrito como um jardim verdejante, com riachos murmurantes, belas ninfas. Mas há um outro tipo de paraíso: o campo de batalha, o campo de batalha pela própria Pátria”.
Qassem Suleimani morreu, mas nem por isso deixará de guiar do Paraíso as forças do Eixo da Resistência como símbolo e como exemplo. Ele se une a figuras como os comandantes Motorola e Givi, assassinados no Donbass, e Zahreddine, assassinado na Síria, como figura paradigmática da luta por um mundo multipolar.