Quadrúplica às teses burguesas, filoliberais e pró-capitalistas do pastor Daniel Artur Branco
Quando, com a maior facilidade do mundo, nós fizemos a dissecação, desconstrução e refutação das teses do pastor Daniel Artur Branco sobre o pensamento de Julius Evola[1], veiculadas pela página “Accale”[2] no Facebook, nós sabíamos que o seu autor não conseguiria se segurar de responder à nossa análise definitiva, amplamente lida e que já está sendo traduzida por estrangeiros para divulgação.
Naturalmente, nos surpreendemos com a demora da tréplica[3], já que o autor levou cinco dias para, mal e porcamente, redigir meras dezesseis páginas e meia de tolices, mas nos compadecemos do pastor Daniel Artur Branco por sabermos que ele não possui o devido domínio do pensamento do Barão. Esperávamos, porém, um trabalho melhor. Nossa expectativa era um esforço maior, ainda que talvez o resultado não pudesse ser diferente.
O problema com o qual encurralamos o pastor Daniel Artur Branco era o fato de que, como demonstrado em nossa réplica, “Julius Evola e o Quinto Estado”, havia uma única maneira dele confrontar o nosso entendimento: mostrar que após 1968 Julius Evola havia retrocedido, retornado às posições sustentadas até a década anterior, no sentido de acreditar que não havia nada mais baixo do que o Quarto Estado e de que o Oriente comunista era pior do que o Ocidente liberal.
Para recapitular, se em L’Avvento del Quinto Stato (1960) o Barão já admitia a possibilidade de um Quinto Estado, anos depois em Civiltà Americana (1983), compilação póstuma que reúne textos que vão até o final dos anos 60, Evola já afirmava claramente o status mais decaído do extremo Ocidente, os Estados Unidos da América, em relação à União Soviética.
Era essa a essência da questão. A leitura da tréplica do pastor Daniel, porém, nos mostra que ele não nos trouxe absolutamente nada de novo. Ele não aborda as metamorfoses do Barão, o que poderia gerar um debate interessante. Ele traz apenas aquilo que já sabíamos: até os anos 50, no âmbito da narrativa da decadência cíclica das sociedades, Evola acreditava que o ponto final do processo de decadência era representado pelo Quarto Estado. Ora, isso já sabíamos e nós mesmos o afirmamos em nossa réplica. Ou seja, em sua tréplica, o pastor Daniel se resume a repetir o que ele já disse em suas teses iniciais, a repetir coisas que nós mesmos afirmamos em nossa réplica, além de acrescentar algumas distorções a mais, inventar significados para autores que discordam dele e demonstrar de forma ampla e exaustiva o quanto ele pretende falsificar o pensamento de Evola, para mobilizá-lo a favor de suas crenças ideológicas.
Ora, se o pastor Daniel, portanto, não nos trouxe nada de novo, por que ele se deu ao trabalho de escrever uma tréplica? A resposta para isso é simples: ego. Ele não podia ver suas teses sendo magistralmente trituradas sem responder. Sabemos bem como a mente problemática dele funciona. Já tivemos o desprazer de ficar mais de 12 horas discutindo ininterruptamente sobre este mesmo tema no Facebook com ele, e ele curiosamente canta vitória porque, sendo inseguro, ele simplesmente não conseguia não dar a última palavra. No universo retoricamente pobre do pastor Daniel, ser o último a falar é “vencer”. E, para ele, não querer insistir em um debate infrutífero com um pastor histérico é “fugir”.
Movido pelo ego, o pastor Daniel repetia interminavelmente coisas desconexas, se recusava a abordar o debate de uma maneira formalmente lógica e, na pressa por digitar mais e mais rápido, cometia erros primários de leitura em idiomas estrangeiros, de interpretação de texto ou de atenção, como ficará claro ao longo dessa nossa quadrúplica. Nos compadecemos com as deficiências emocionais, psicológicas e intelectuais claras do pastor Daniel, mas ainda mais com a comunidade religiosa que lhe dá ouvidos.
De todo modo, recomendamos aos nossos leitores que abram a tréplica do pastor Daniel para que possam acompanhar melhor a nossa quadrúplica. Aqui, considerando que nossa réplica permanece irrefutável e não demanda acréscimos, nos resumimos a fazer uma leitura comentada e uma dissecação da tréplica do pastor Daniel.
***
Percebemos que o pastor Daniel não mudou de 2017 para cá. A primeira página de sua tréplica deixa isso claro. Para ele, refutá-lo é uma ousadia. Ele expõe, ainda, uma fixação irracional com a figura de André Luiz dos Reis, colega nosso que o refutou anos atrás em um debate de teor teológico. Ele acha que os títulos acadêmicos dele (hoje, quem não os têm?) possuem grande importância, e que são até mais importantes do que seu ministério religioso, razão pela qual ele se ressente profundamente de ser chamado por nós de “pastor” e coisa da qual Julius Evola evidentemente zombaria. Daniel Artur Branco é um pastor que tem vergonha de sê-lo, prefere seus títulos acadêmicos, e fica falando deles sem cessar. Nunca vimos nada do tipo antes.
Ele gosta, também, de falar sobre seus livros. Felipe Neto e Kéfera Buchmann também possuem livros publicados, e nem por isso nos dirigiremos a eles para perguntar qual é sua interpretação da obra de Evola.
Obviamente, os títulos medianos dele, seus poucos livros e as traduções deles em dois idiomas não significariam nada para Julius Evola e não possuem qualquer peso no estudo do pensamento evoliano. Mas a preocupação do pastor Daniel, percebemos, não é com Evola, mas com o próprio ego. Nisso, naturalmente, há uma distância incomensurável, imensa, “de casta” mesmo, entre ele e nós. Do contrário, teríamos já em nossa réplica adiantado que formos os organizadores dos Encontros Evolianos de 2011 e 2012, que já traduzimos mais de 50 textos do Barão, que participamos na tradução de seu livro Imperialismo Pagano ao português e que possuímos artigos traduzidos ao inglês, ao espanhol, ao francês e ao italiano publicados em vários lugares, como na revista italiana Eurasia, do evoliano Claudio Mutti[4].
Toda essa introdução é importante porque é necessário entender como pensa o pastor Daniel, para que possamos entender os seus erros. Porque todos os seus erros podem ser resumidos a um Erro Egomaníaco, que vai ficando cada vez mais claro ao longo da leitura de sua tréplica.
I
O ponto de partida do pastor Daniel é minha afirmação, bastante corriqueira, de que Julius Evola também cometia erros. A pretensão do pastor é demonstrar que eu não posso me dizer evoliano. Para isso, ele recorre a uma distinção correta entre diferir de um autor em pontos fundamentais e diferir dele em pontos que não são fundamentais. De fato, para que alguém possa se dizer evoliano é necessário estar de acordo com os principais mitos e narrativas mobilizados por Evola em suas obras. Isso é trivial e não difere muito da distinção que se costuma fazer entre pensadores marxistas (os que aderem aos elementos fundamentais do pensamento de Karl Marx) e pensadores marxianos (os que estudaram a obra de Marx, absorveram alguns elementos, mas discordam de elementos fundamentais da obra de Karl Marx). Ainda não temos uma terminologia que dê conta dessa distinção no que concerne o pensamento de Evola, mas veremos que, de fato, essa distinção existe.
Vejamos que o pastor Daniel tem mais um de seus poucos acertos, falando sobre Dugin, ao afirmar que um “desvio [sic] de um dos pontos centrais do pensamento de Guénon o impede de ser definido entre aqueles que seguem todos os pontos centrais do pensamento de Guénon”. Isso é verdadeiro, fundamentalmente, porque Dugin discorda da doutrina da “Unidade Transcendente de Todas as Religiões”[5], efetivamente o ponto fulcral, par excellence, de todo o edifício intelectual guenoniano. De passagem, ademais, que como Evola tampouco estava plenamente de acordo com essa tese (Evola traçava algumas dualidades metafísicas fundamentais que não caberiam na tese guenoniana) ele também não era um guenoniano stricto sensu, apesar de ter sido inspirado pela obra de René Guénon.
O problema começa, porém, quando o pastor Daniel não só erra, mas mente, ao dizer que nós negamos que a “doutrina da casta” [sic] seja fundamental para o pensamento evoliano. Na verdade, o nosso texto diz explicitamente o oposto, que a compreensão correta e atualizada da doutrina da regressão das castas (em outras palavras, contendo já o desenvolvimento tardio dessa doutrina até incluir o Quinto Estado) é fundamental[6]:
“Ocorre, porém, que o próprio Barão Evola percebeu que o Quarto Estado não era ainda a fase final do processo de decadência da civilização moderna. Ele aborda o tema pela primeira vez no texto L’Avvento del Quinto Stato, publicado em 1960 no periódico milanês Il Conciliatore. O artigo é uma resenha do livro homônimo de Hermann Berl, lançado em 1931. Afinal, parece que ele recordou que abaixo dos shudras existem os dalits, os chandalas, os párias, os sem-casta. Essa percepção é fundamental, porque o fim da Guerra Fria marca a transição global do Quarto Estado para o Quinto Estado, situação na qual se encontram, hodiernamente, as nossas sociedades contemporâneas”.
Veremos na tréplica do pastor Daniel um padrão, iniciado aqui. Na medida em que seu esforço trata fundamentalmente de proteger seu ego ferido, ele mente, distorce, inventa e lança mão de todo artifício imaginável, na impossível tarefa de tentar refutar nossa réplica.
Como a nossa réplica deixou claro, porém, a doutrina da regressão das castas é central, fundamental, para a cosmovisão tradicionalista da Nova Resistência e para a Quarta Teoria Política.
Observemos, agora, um caso bastante claro de distorção:
“No caso de Evola, a doutrina da casta [sic] não é um ponto não fundamental, ou “fora do núcleo”, do seu pensamento. Ela é fundamental. Modifique esta doutrina e a metafísica evoliana é afetada substancialmente. Portanto, querer, ao mesmo tempo, afirmar que Evola errou nesse ponto fundamental do seu pensamento, romper com ele nisso e ainda permanecer evoliano ortodoxo é impossível”.
O que é a doutrina da regressão das castas? Nós já a explicamos em nossa réplica[7]. Ela é, fundamentalmente e mais resumidamente, a narrativa de um processo metafísico decadencial, com reflexos político-sociais, graças ao qual, caídas de um momento primordial a-histórico identificado com uma Idade de Ouro, as sociedades humanas passaram por fases caracterizadas pelo predomínio simbólico-espiritual e axiológico de castas, em um sentido descendente.
Falta ao pastor Daniel uma visão sistêmica e orgânica da obra de Evola. Talvez esse seja uma debilidade psicológica de toda pessoa dogmática, limitada e literalista, das pessoas que possuem mais o temperamento de seguidor e repetidor do que de pensador. O pensamento de um filósofo é composto por uma multiplicidade de mitos. Mas os mitos não são eles próprios indivisíveis, sendo também elementos compostos.
Isso significa que, se a doutrina da regressão das castas é um elemento fundamental do pensamento de Evola, é necessário ainda analisar quais são os elementos essenciais e quais são os elementos acidentais da própria doutrina da regressão das castas.
O núcleo da doutrina da regressão das castas nós já damos acima. O ponto de partida da decadência, quantos são os estágios até o fim, os momentos históricos que demarcam a virada do período de um Estado para outro, esses e vários outros elementos da doutrina da regressão das castas são acidentais e podem ser revisados.
Por que afirmamos isso com segurança e tranquilidade? Porque a doutrina da regressão das castas, em seu núcleo essencial, é diretamente dedutível das fontes primárias da Tradição, os seus detalhes não e, não raro, variam conforme a fonte.
Veja-se, por exemplo, que dependendo da obra de Julius Evola que esteja em análise ou do pensador evoliano que esteja abordando o tema, o primeiro momento ou é o governo de um Imperador Sagrado, de um Rex Sacrorum, ou de uma casta sacerdotal. Essa é, inclusive, uma das fontes de controvérsia entre evolianos e guenonianos.
O que dizer, por exemplo, da tripartição essencial da tradição indo-europeia, onde vemos oratores, bellatores e laboratores no Medievo, ou patrícios, plebeus e proletários (ou patrícios, équites e plebeus, dependendo do critério) em Roma?
Novamente, para nós, evolianos, que professamos uma filosofia da ação e uma intelectualidade ativa, nada disso é novidade.
Nesse sentido, se o mito da doutrina da regressão das castas inclui quatro, cinco ou seis (ou três? ou sete?) momentos é algo que está aberto para o debate e não altera o núcleo fundamental da doutrina. Lembremos, por exemplo, que Julius Evola foi bastante influenciado pela leitura de O Declínio do Ocidente, de Oswald Spengler, que também trabalha com uma quadripartição do processo de desenvolvimento e declínio das civilizações[8].
Há ainda um outro problema ignorado pelo pastor Daniel. Julius Evola foi um pensador crítico, e até mesmo metacrítico. O sentido da crítica em Evola e a maneira como toda crítica é avaliada por Evola podem ser simplificados na seguinte oposição: trata-se de uma crítica vinda “de cima” ou de uma crítica vinda “de baixo”? Trata-se de uma crítica feita a partir de princípios mais elevados e mais próximos à Tradição, ou de uma crítica feita a partir de princípios menos elevados e mais distantes da Tradição?
Quando Aleksandr Dugin faz a revisão da doutrina da regressão das castas [9] para apontar que as fontes primárias da Tradição descrevem uma realidade ligeiramente distinta da descrita por Evola, essa é inegavelmente uma crítica “de cima”, na medida em que constitui uma crítica feita a partir da Tradição. Considerando que Evola é um pensador tradicionalista, as críticas a elementos de seu pensamento feitos a partir da Tradição não descaracterizam o crítico enquanto evoliano, a não ser que o pastor Daniel queira repetir a linha guenoniana de que Evola não era um “tradicionalista de verdade”.
Negar isso seria como dizer que Lênin, por fazer uma revisão de Marx, conforme os princípios do materialismo histórico-dialético, não era marxista. Ou dizer o mesmo sobre Stálin, Trótski, Mao Tsé-Tung, etc. Ou talvez o pastor Daniel queira negar que Feuerbach e Marx eram hegelianos.
O pastor Daniel, em seguida, graças às suas debilidades psicológicas e temperamentais, se indigna contra nossa afirmação de que inexiste um “evolianismo ortodoxo” e de que Evola não era um autor dogmático, vejamos:
“Com isso ele quer negar as diferenças entre uma intepretação ortodoxa de Evola e uma interpretação heterodoxa do Barão, como se interpretações fundamentalmente conflitantes do pensamento do autor pudessem ser igualmente verdadeiras. Que nível absurdamente risível é o desse sujeito!
O fato de não ter havido nenhum grupo político evoliano ortodoxo quando da fase final da vida do Barão e quando da sua morte não é argumento nenhum para se inferir que não há um sentido correto do seu pensamento. A não ser que o Machado seja um pós-moderno derridiano – se é que ele sabe o que é isso -, e assim tenha que negar que se possa compreender corretamente até o Dugin, o isolamento político de Evola não pode ser usado para a relativização dos seus escritos”.
Apesar de discordar de nossa afirmação de que Evola não era um autor dogmático (se assemelhando nisso a Nietzsche, por exemplo) e de que não existe um “evolianismo ortodoxo”, o pastor Daniel não oferece qualquer indicação ou prova de que estamos errados.
Quem são os pensadores do “evolianismo ortodoxo”? O pastor Daniel não nos informa. Quais são os grupos políticos “evolianos ortodoxos” de hoje? O pastor Daniel também não nos informa. Na verdade, o pastor Daniel nem mesmo sabe quais foram os principais estudantes de Evola, quem foram os seus herdeiros intelectuais, os movimentos que surgiram inspirados em sua obra, ao longo de sua vida e depois. Mas insistir que existe um “evolianismo ortodoxo”, mesmo sem provas, é fundamental para a defesa de seu ego mortalmente ferido por nossa réplica.
Tudo isso nos recorda o que Gianfranco De Turris escreveu no excelente Elogio e Difesa di Julius Evola[10], quando ele fustiga certos pretensos “discípulos” do Barão:
“Esta objeção, de fato insinuação, por parte dos ‘evolomaníacos’, ou seja, dos sequazes acríticos e um pouco obtusos do ‘mestre’, as vestais de uma ortodoxia evoliana que, como veremos, não é de fato qualquer coisa do tipo, por um lado; e pelo outro daqueles que possuem o objetivo único e declarado de demonizar e, assim, de encerrar em um gulag ideal do pensamento um autor que não entendem, não querem entender e se recusam a estudar […]”
O pastor Daniel não entende Julius Evola, não quer entender Julius Evola e se recusa a estudar Julius Evola. Ao mesmo tempo, ele posa como uma vestal de uma ortodoxia evoliana da qual ele é o único guardião sobre a face do planeta.
Insistimos ainda um outro ponto. Quando o pastor Daniel nega que sejamos evolianos, já que, como Dugin e Mutti, fazemos uma revisão da doutrina da regressão das castas, no sentido de ajustá-la à luz da Tradição, ele faz o mesmo em relação aos supracitados pensadores.
Para o pavor do pastor Daniel, porém, ninguém diz que Mutti ou Dugin sejam “neo-evolianos”, “evolianos heterodoxos”, “pós-evolianos” ou coisa do tipo. Ao contrário, ambos são identificados como pensadores que se encontram dentro da linhagem ou escola do tradicionalismo evoliano. Possuem diferenças em relação ao Barão? Naturalmente, afinal Evola era pagão, Dugin é ortodoxo e Mutti é muçulmano, e isso tem implicações fundamentais, mas os dois trabalham a partir do pensamento de Evola e o tem como uma de suas bases intelectuais fundamentais. Na verdade, Dugin e Mutti são mais evolianos do que Marx era hegeliano, e quem negaria o hegelianismo de Marx?
Esse debate, inclusive, está bastante desatualizado.
Recentemente, Giuseppe Marro, o fundador da editora Akropolis, importante veículo de difusão do pensamento dissidente na Itália, comentou em entrevista[11]:
“Vista a partir de qualquer ângulo, a Quarta Teoria Política representa o desenvolvimento lógico e consequencial do tradicionalismo na pós-modernidade”.
Essa tem sido a posição oficial da Nova Resistência desde a sua fundação.
Marro reenfatiza a ligação fundamental, consequencial, sequencial entre o pensamento de Evola e o de Dugin na mesma entrevista, quando comenta a figura do Sujeito Radical. Marro diz:
“Dugin lança um apelo àqueles que provêm da esquerda e da direita, dos movimentos religiosos e de outros movimentos antimodernos – como, por exemplo, os ecologistas – convidando-os a deixarem de lado os respectivos mitos incapacitantes. O propósito é unir forças contra o inimigo comum, encarnado pela ditadura dos banqueiros e dos especuladores.
Protagonista desta revolução será o Sujeito Radical, ou seja, aquele que se opõe à deriva transumanista baseada na imortalidade biológica e na inteligência artificial, vistos ambos como percursos destrutivos da humanidade e dos múltiplos Dasein, o Ser-aí de Heideger. O Sujeito Radical se manifesta quando foi abandonada a transmissão regular das formas do sagrado e não permanece nada além do deserto pós-moderno. Ele age no espaço liminar entre um ciclo que está para acabar e um outro que deve ainda emergir: não para restaurar formas a essa altura reduzidas a simulacros, mas para um retorno ao Eterno conjugado em formas totalmente novas. Neste sentido, o Sujeito Radical é filho legítimo do homem diferenciado de Evola e do anarca de Jünger”[12].
Mas de onde poderíamos tirar um juízo mais definitivo sobre o tema, do que da própria Fondazione Julius Evola, a instituição responsável pela tutela das obras de Evola, cujo secretário é o supracitado Gianfranco De Turris?[13]
Introduzindo o lançamento[14] do ensaio Astrazione e Differenziazione in Julius Evola, de autoria de Dugin, cuja tradução publicamos recentemente em português em nosso blog Legio Victrix[15], o editor da Fondazione Julius Evola assim se refere ao filósofo russo:
“Por ocasião do lançamento do livro de Aleksandr Dugin Il Sole di Mezzanotte, editado pela Aga há poucas semanas, publicamos com exclusividade este ensaio do filósofo russo, talvez um dos seus escritos mais orgânicos dedicados ao Barão, confiado à Fundação Julius Evola. Dugin nunca fez mistério sobre isso: ele sempre se declarou um tradicionalista, aluno ideal de René Guénon e, sobretudo, de Julius Evola. Ele tomou dele o método e a hermenêutica, junto a uma atitude intransigente e radical nos confrontos com o mundo moderno. Recordamos que Dugin traduziu várias obras de Julius Evola ao russo, como Imperialismo Pagão […], retornando também às teses evolianos em praticamente todas as suas obras. É o caso, em particular, de Teoria e Fenomenologia do Sujeito Radical, a ser publicado em breve, sempre pela editora Aga […]. Como emerge no ensaio que estão para ler […] e no já citado Il Sole di Mezzanotte, a figura do Sujeito Radical nasce da aplicação dos princípios do Homem Diferenciado de Cavalcare la Tigre nos domínios da pós-modernidade. Trata-se de uma figura que emerge quando tudo está perdido, quando a Tradição é definitivamente obscurecida – é uma chama que começa a arder no coração noturno da história, e que vê o niilismo não como uma realidade destinal e inevitável, mas como um desafio, a ser aceito e confrontado por um levante em sentido superior. Eis, portanto, o Sujeito Radical, apresentado neste escrito […] dentro de um reconhecimento entre dadaísmo e filosofia, metapolítica e tradição hermética, nas trilhas daquele ‘caminho do cinábrio’ que foi a vida de Julius Evola”.
Sobre o evolianismo de Dugin, depois da lição que a Fondazione Julius Evola deu ao pastor Daniel através de nossas mãos, acreditamos que nada mais precisa ser dito. É interessante, ainda, que enquanto a Fondazione Julius Evola que, repetimos, é a curadora oficial e legítima da obra do Barão, tem Dugin entre um dos únicos autores evolianos estrangeiros divulgados, não vemos qualquer referência ao argentino Marcos Ghio, ao qual retornaremos em breve, e no qual o pastor Daniel se apoia para algumas das suas distorções.
Quanto às credenciais evolianas de Claudio Mutti é desnecessário nos pronunciarmos, visto que se trata de algo público, notório e irrefutável. Ele é um dos principais especialistas contemporâneos na obra de Evola, fez parte de organizações declaradamente evolianas na juventude como Ordine Nero e Avanguardia Nazionale, é um dos autores publicados pela Fondazione Julius Evola, etc.
II
Na segunda parte de sua tréplica, o pastor Daniel começa estabelecendo o liberalismo e o “marxismo” como autenticamente, fundamentalmente, ontologicamente opostos. Nem nós, nem Evola, nem Dugin poderíamos concordar com o pastor Daniel. A Segunda Teoria Política, como sabemos, é uma revisão da Primeira Teoria Política[16]. Abordamos essa questão em nossa Introdução à Quarta Teoria Política, apresentada no Congresso Nacional da Nova Resistência, no Congresso Estadual da Nova Resistência-RJ e na primeira conferência do Núcleo de Estudos Quarto-Teóricos da UFRJ. O texto dessas conferências ainda será publicado. Como Dugin menciona em A Quarta Teoria Política, e comentamos mais detidamente em nosso texto supramencionado, a “coletividade” do coletivismo comunista (e de outros coletivismos) é composta por indivíduos no sentido moderno do termo. Em outras palavras, o coletivismo e o individualismo são abordagens distintas de um mesmo erro moderno: a concepção antitradicional do indivíduo (em oposição, desnecessário dizer, à concepção tradicional da pessoa).
Lembremos que, conforme diz Julius Evola em Rivolta contro il mondo moderno:
“Se o vértice das civilizações tradicionais era constituído pelo princípio da universalidade, a civilização moderna se encontra essencialmente sob o signo do coletivo”.[17]
O capitalismo não vira socialismo, tampouco o liberalismo vira comunismo, quando as sociedades capitalistas ocidentais desenvolvem uma indústria cultural, que por sua vez constrói uma cultura de massas, baseada no consumismo, em modas, subculturas, cujo ápice vemos hoje, com jovens que pretendem “afirmar a sua individualidade” se tornando idênticos a milhões de outros jovens que consomem os mesmos produtos culturais fetichizados.
Evola já comentava sobre o caminho do individualismo ao coletivismo, sem passar pelo comunismo, que os EUA trilhavam:
“Também os Estados Unidos, no modo essencial de considerar a vida e o mundo, criaram uma ‘civilização’ que representa a precisa contradição da antiga tradição europeia. Eles introduziram definitivamente a religião da prática e da renda, puseram o interesse pelo lucro, pela grande produção industrial, pela realização mecânica, visível, quantitativa, acima de qualquer outro interesse. Eles deram lugar a uma grandiosidade sem alma de natureza puramente técnico-coletiva, privada de qualquer fundo de transcendência e de qualquer luz de interioridade e de verdadeira espiritualidade; também eles opuseram à concepção na qual o homem é considerado como qualidade e personalidade em um sistema orgânico, aquela na qual ele se converte em um mero instrumento de produção e de rendimento material em um conglomerado social conformista.
Enquanto que no processo da formação da mentalidade soviético-comunista o homem massa, que já vivia misticamente no subsolo da raça eslava, teve um papel relevante, e de moderno não temos senão o plano para sua encarnação racional em uma estrutura política onipotente, na América do Norte o fenômeno deriva do determinismo inflexível pelo qual o homem […] para além de qualquer ilusão individualista deixa de pertencer a si mesmo para se converter em parte dependente de um ente que ele acaba não podendo mais dominar, que o condiciona de maneira múltipla. Justamente a conquista material como ideal rapidamente associado ao de bem-estar físico e da ‘prosperity’, determinou as transformações e a perversão que apresenta os Estados Unidos. […] ‘Todas as energias, compreendidas as do ideal e até da religião, conduzem ao mesmo fim produtivo: se está na presença de uma sociedade do rendimento, quase como de uma teocracia do rendimento, a qual tende mais a produzir coisas que homens’ […] ‘O ser humano, convertido em meio mais que em fim, aceita esta parte de roda da imensa máquina, sem pensar um instante que possa ser por ela diminuído’, ‘daí pois um coletivismo de fato, o qual, desejado pelas elites e despreconcebidamente aceito pelas massas, de forma sub-reptícia mina a autonomia do homem e canaliza assim de maneira estreita a sua ação, de modo que, sem sofrê-lo e até sem sabe-lo, confirma ele mesmo sua própria abdicação’.” [18]
Diante do juízo, bastante claro, do Barão, de que os Estados Unidos, país liberal e capitalista, possuem uma sociedade coletivista e massificada, sem terem passado pelo comunismo para chegar a isso, o pastor Daniel pode tentar fazer diversos malabarismos, todos bastante infrutíferos e pueris.
Ele pode querer apelar a uma suposta “influência comunista” sobre os EUA, tese que o coloca praticamente no nível manicomial de um Olavo de Carvalho. Ele deve, por exemplo, ser daquele que acreditam nas “revelações” fraudulentas de Bezmenov e Pacepa.
Nada disso importa e ninguém levará esses malabarismos a sério. Em seguida, o pastor Daniel mente (ou erra por burrice mesmo), inventando que nós não distinguimos entre a modernidade como conjunto coeso e as suas várias manifestações.
O problema é que o pastor Daniel quer deduzir isso a partir de um trecho de nossa réplica que, bastante literalmente, se pronuncia dessa forma[19]:
“Apesar das diferenças entre si, o liberalismo, o comunismo e o fascismo possuem raízes comuns em uma herança da Modernidade (em sentido sociológico) e em um legado iluminista”.
Esse trecho aponta para: a) A existência de diferenças entre as três teorias políticas supramencionadas; b) As raízes modernas das três teorias políticas supramencionadas.
Quando você diz que A possui raízes em B você não está dizendo que A = B, de modo que a afirmação do pastor Daniel de que “Já no início do texto ele falha em reconhecer a distinção entre a modernidade vista como um conjunto coeso em oposição ao mundo tradicional e os elementos contrastantes dentro da própria modernidade” não faz sentido. A afirmação do pastor Daniel é burra. Parece desespero de “refutar”. Novamente, sentimos pena das pessoas que estão sujeitas à praticamente inexistente capacidade do pastor Daniel em interpretação de texto em sua igreja.
Mais à frente vejamos como, novamente, ele não parece ser capaz de deduzir as conclusões corretas a partir das pequenas citações extremamente recortadas que ele faz.
Ele afirma que:
“Se, por um lado, o mundo moderno é um só e o liberalismo abriu o caminho para o comunismo, por outro lado o liberalismo/individualismo e o socialismo/coletivismo são irreconciliáveis dentro da modernidade”.
Como suporte para essa afirmação sem sentido ele usa um recorte de Gli Uomini e le Rovine, onde o Barão diz que “a essência do liberalismo é o individualismo” e uma outra, da Metafisica della Guerra, onde ele recorta bizarramente o texto para dizer que “Evola assevera que a casta dos servos, o ‘bolchevismo russo’, nasceu de uma culminância de tendências ‘socialistas, coletivistas e proletárias’.”
Retornemos. O pastor Daniel parece projetar em nós um problema que é dele próprio, a incapacidade de fazer distinções fundamentais entre conceitos. Segundo o pastor Daniel, Terceiro Estado, liberalismo, capitalismo e individualismo são sinônimos, enquanto Quarto Estado, comunismo, socialismo e coletivismo também são sinônimos. Assim, quando ele vê uma citação em que Evola fala em Terceiro Estado, o pastor Daniel lê liberalismo, quando Evola menciona capitalismo, o pastor Daniel lê Terceiro Estado. O mesmo em relação ao segundo conjunto de termos. É uma confusão que permeia toda essa discussão, que o pastor Daniel afirma deduzir de Evola, mas operação da qual ele não faz qualquer prova.
Como citações acima já demonstraram, a relação entre individualismo e coletivismo é bem mais complexa do que uma mera exclusividade mútua. Curiosamente, ao mesmo tempo que liberalismo/individualismo e socialismo/coletivismo são irreconciliáveis nesse momento do texto, ele depois diz que eles são conciliáveis, quando isso se torna conveniente para tentar relativizar a ideia de Quinto Estado.
Não se trata de uma questão de A leva a B, mas a noção de que uma sociedade pode passar do Terceiro Estado ao Quarto Estado sem passar pelo comunismo, por vias próprias a partir de elementos que são intrínsecos à ordem burguesa. Como já afirmamos, o coletivismo é um redimensionamento do indivíduo, a partir de uma outra perspectiva.
O pastor Daniel claramente não sabe provar as suas asserções. O Barão afirmar que a essência do liberalismo é o individualismo não prova que o liberalismo é irreconciliável com o socialismo, nem que o individualismo é irreconciliável com o coletivismo.
Ele quer, primeiro, que aceitemos essa irreconciliabilidade porque neste momento de seu texto ela é conveniente para depois falsificar a minha posição como querendo dizer que o Quarto Estado é superior ao Terceiro Estado.
O pastor Daniel dá mais uma demonstração de semianalfabetismo no mesmo parágrafo. São tantos erros que chegamos a sentir preguiça de explicar o óbvio. A casta dos servos não é o bolchevismo russo, e a casta dos servos não nasceu da culminação de tendências socialistas, coletivistas e proletárias. Tampouco Evola poderia afirmar qualquer coisa completamente delirante como essa.
No texto 1935, usado pelo pastor Daniel, o que Evola diz, sem os recortes bizarros do pastor é:
“No plano político, este processo involutivo é particularmente sensível na história do ocidente até aos nossos dias. Os Estados de tipo sacro-aristocrático foram substituídos por Estados monárquico-guerreiros, amplamente secularizados, e estes, por sua vez, foram substituídos e suplantados por Estados apoiados sobre oligarquias capitalistas (casta dos burgueses e mercadores) e finalmente por tendências socialistas, coletivistas e proletárias que encontraram o seu esplendor no bolchevismo russo (casta dos servos)”. [20]
Como todo tradicionalista sabe, a casta dos servos (ou shudras) foi formada a partir dos pés do Purusha primordial, como é dito no Purusha Suktam [21]:
“O brâmane era sua boca, de ambos os seus braços o rajânia foi feito.
Suas coxas se tornaram o vaixá, de seus pés o sudra foi produzido”.
Pelo visto, o pastor Daniel sabe escrever tanto quanto sabe ler. Ou talvez ele pretenda nos convencer de que havia bolcheviques na Índia védica.
Logo depois, ele afirma que “a modernidade é um Grande Estado”, o que novamente não faz o menor sentido e não encontra amparo em qualquer coisa já dita por Julius Evola. O “moderno” é uma TIPOLOGIA metafísica que se opõe ao “tradicional”. Há, evidentemente, uma pluralidade de civilizações e Estados modernos, e historicamente houve uma pluralidade de civilizações e Estados tradicionais.
No mesmo parágrafo temos ainda que corrigir o fato de que, contrariamente ao que é dito pelo pastor Daniel, nós não chegamos “a sugerir”, nós afirmamos categoricamente que a categorização dos Estados Unidos da época da Segunda Guerra Mundial como expressão do Terceiro Estado não está de acordo com os próprios fundamentos do pensamento de Evola. Apontamos uma inconsistência do Barão, que pode ser fruto do fato de que livros como Rivolta contro il mondo moderno e Gli Uomini e le Rovine foram construídos pela junção de textos separados, vários dos quais escritos de forma separada previamente.
Não é necessário romper com um autor para apontar que um juízo feito por este autor não está de acordo com a própria lógica de seu pensamento. Ao contrário, isso é seguir fielmente o pensamento do autor. Afinal, como disse o minnesänger Walther von der Vogelweide, “joch sint iedoch gedanke frî” (“e ainda assim, os pensamentos são livres”). A partir do momento em que um pensador lança no mundo as suas ideias elas não mais lhe pertencem, e bem pode surgir quem o corrija segundo os próprios princípios enunciados por ele. É perfeitamente possível ser fiel à obra de Evola, ainda que não à sua pessoa. É possível criticar Evola a partir do evolianismo.
O pastor Daniel se depara com um problema diante da nossa afirmação evidente de que o capitalismo pode existir no Terceiro ou Quarto Estado, que ele tenta resolver apelando a uma suposta relativização do conceito de capitalismo. Os exemplos que ele dá, porém, não são de relativizações, mas de distintas definições empregadas por grupos diferentes para o mesmo termo.
Não sabemos se, além de todos os outros defeitos, o pastor Daniel também é nominalista, mas para quem é tradicionalista e antimoderno é evidente que os nomes não são as coisas e que, portanto, pode haver uma multiplicidade de definições consistentes para cada possível termo.
A era do capitalismo “individualista” morreu no século XIX. Benito Mussolini, inspirado por Werner Sombart, costumava se referir a esse tipo de capitalismo mais original, desaparecido, como um “capitalismo heroico”, cuja expansão estaria ligada à personalidade aventureira de algumas figuras notáveis. Mussolini diz que o capitalismo, no início do século XX, havia adentrado em sua fase de “supercapitalismo”, na qual se destacam a padronização da humanidade e o consumismo[22]. O individualismo leva ao coletivismo através da padronização característica do reino da quantidade. Joseph Schumpeter argumenta o mesmo, diferindo apenas em considerar que o início da era supercapitalista foi um pouco anterior ao conjecturado por Mussolini[23].
Ao longo de sua história, o capitalismo passa pelo Terceiro Estado, pelo Quarto Estado e pelo Quinto Estado. Trivial.
Então o pastor Daniel, novamente torcendo, retorcendo, cortando e enxertando trechos do Barão tenta refutar a nossa afirmação evidente de que não há definição ideológica dos Estados, e de que essa definição existe apenas quanto às forças de vanguarda que os fazem emergir. Sem os recortes incompetentes do pastor Daniel, o primeiro trecho selecionado por ele é esta passagem de Rivolta contro il mondo moderno:
“Então um segundo colapso ocorreu quando as aristocracias começaram a cair em decadência e as monarquias tremerem nas fundações; através de revoluções e constituições elas se tornaram instituições inúteis sujeitas à ‘vontade da nação’, e, às vezes, elas foram até expulsas por diferentes regimes. O princípio caracterizando este estado de coisas era: ‘O rei reina mas ele não governa’. Junto com as repúblicas parlamentares a formação das oligarquias capitalistas revelou uma troca de poder da segunda casta (o guerreiro) para o equivalente moderno da terceira casta (a classe mercantil). Os reis das indústrias do carvão, óleo e ferro substituem os reis prévios do sangue e do espírito. A antiguidade, também conheceu, às vezes, este fenômeno de formas esporádicas; em Roma e na Grécia a ‘aristocracia da riqueza’ repetidamente forçou a mão da estrutura hierárquica por perseguir posições aristocráticas, minando leis sagradas e instituições tradicionais, e se infiltrando na milícia, no sacerdócio, ou no consulado. Em tempos tardios o que ocorreu foi a rebelião das comunas e o levante de várias formações medievais do poder mercantil. A proclamação solene dos ‘direitos do Terceiro Estado’ na França representou o estágio decisivo, seguido por variedades de ‘revolução burguesa’ da terceira casta, que empregavam ideologias liberais e democráticas para seus próprios propósitos”. [24]
O segundo trecho, da mesma obra, é:
“O trabalho tradicional conhece a unidade superindividual caracterizando as ordens: no Ocidente primeiro vieram as ordens monásticas ascéticas; estas foram seguidas pelas ordens de cavalaria (casta dos guerreiros), que por sua vez foram seguidas pela unidade jurada nas lojas maçônicas, que trabalharam duro para preparar a revolução do Terceiro Estado e o advento da democracia. Finalmente ali aparece a rede de quadros ativistas e revolucionários da Internacional Comunista (última casta), empenhada na destruição da ordem sociopolítica anterior”. [25]
No primeiro trecho, o Evola deixa claro que o a terceira casta e as forças do Terceiro Estado conheceram manifestações pré-modernas (e, portanto, pré-capitalistas e pré-burguesas) e que o as forças sublevadas do Terceiro Estado usaram o liberalismo para seus próprios propósitos. A maneira pela qual Evola se pronuncia deixa claro que ele está falando de fenômenos independentes, que se tocam historicamente, mas que não são idênticos ou indistinguíveis.
No segundo trecho, Evola está explorando possíveis analogias entre a regressão das castas e outros âmbitos da civilização, afirmando que o tipo de estrutura da Comintern (depois típico de inúmeros tipos de organizações internacionais de diversas ideologias) seria paradigmático do Quarto Estado.
O pastor Daniel é incapaz de compreender que a distinção entre Estados no retrocesso das castas não é ideológica ou econômica, mas expressão das diferentes dimensões axiológicas das várias castas. Essas diferentes dimensões axiológicas podem se manifestar de forma recombinante através de uma miríade de sistemas políticos, econômicos, formas de governo, etc.
Depois disso, o pastor Daniel, incapaz de negar que Evola identifica as potências do Eixo como expressões do Quarto Estado, entra em uma digressão completamente irrelevante sobre as críticas de Evola ao fascismo e ao nacional-socialismo, cometendo no mínimo uma burrice: a de afirmar que Evola não considerava as forças do Eixo como “uma real Terceira Posição”.
Na verdade, a história de Evola aponta para o contrário. Evola, como sabe-se de forma pública e notória, apoiou e influenciou o governo de Mussolini tanto durante o Ventennio como durante a Repubblica Social Italiana, como foi apologista da aproximação entre Itália e Alemanha, tendo trabalhado nos últimos anos da guerra como “especialista em maçonaria” para as SS alemãs.
A confusão que o pastor Daniel faz é de achar que a noção de uma “Terceira Posição” tem qualquer conexão com a doutrina do retrocesso das castas. Coisa que não tem. Mais uma evidência da incompetência dele na interpretação de texto.
Quando ele diz que o fascismo não seria uma terceira força, novamente recortando e retorcendo trechos de uma citação, ele está fazendo referência a um texto publicado no jornal L’Italiano em 1963, que trata de uma resenha feita por Evola do ensaio de Maurice Bardèche, Qu’est-ce que le fascisme? [26]Este texto foi, posteriormente, compilado na coletânea Il Fascismo. Saggio di una analisi critica dal punto di vista della destra, onde Evola critica o uso do termo “socialismo” para descrever o fascismo, por tornar problemática a concepção do fascismo como terceira força. A preocupação de Evola é com o fato de determinadas terminologias poderiam gerar aberturas interpretativas aptas a tirar do fascismo este status como terceira força.
Depois, o pastor Daniel faz um malabarismo incompreensível que provavelmente só foi incluído na tréplica para aumentar o número de páginas do texto. Ele chamou para si a responsabilidade de nos convencer de que a revolução bolchevique foi marxista.
Ok. E daí?
Ele entra em uma digressão sobre variações do marxismo, como se nossos argumentos em nossa réplica fizessem qualquer passagem por estes temas.
A segunda revolução russa de 1917, a de outubro, foi liderada pelos bolcheviques, os quais eram adeptos da cosmovisão comunista, especificamente marxista-leninista. Nada disso está em questão ou influencia em nosso debate.
O que parece claro, porém, é que o pastor Daniel possui alguma dificuldade de compreender o verbo “inaugurar”, por isso ele faz diversos malabarismos ao redor dele.
Segundo o Minidicionário da Língua Portuguesa do prof. Francisco da Silveira Bueno[27], o verbo “inaugurar” significa: começar, iniciar, estrear, estabelecer pela primeira vez.
Quando Evola e nós pontuamos os momentos de transição de um Estado para o outro, e os associamos a fenômenos históricos específicos, não estamos dizendo que as características específicas desses fenômenos históricos pontuais determinam o conteúdo das eras inauguradas.
Novamente, isso é evidente para qualquer tradicionalista. O sentido das eras decadenciais é dado pela essência da casta cuja axiologia e simbologia predomina naquela era. Essa essência não é horizontalmente, paralelamente equivalente às construções políticas e econômicas, mas se expressa através delas.
Tudo aqui é óbvio e facilmente compreensível para uma criança. Uma monarquia pode ser do tipo tradicional e hiperbóreo, pode ser do Primeiro Estado, do Segundo Estado, do Terceiro Estado, do Quarto Estado ou do Quinto Estado, por exemplo. O capitalismo pode se fazer presente no Terceiro Estado, no Quarto Estado ou no Quinto Estado. Se definirmos o mercantilismo como uma forma de capitalismo (nós não concordaríamos, mas esse debate existe), então é possível um capitalismo de Segundo Estado. Cada uma dessas formas possui elementos em comum, mas possui impressa a marca de sua era, ou seja, da casta que predomina naquela era. Quem afirmaria que o capitalismo do século XXI é idêntico ao capitalismo do século XVIII? E que pessoa seria tão delirante a ponto de afirmar que a diferença entre o capitalismo de nossa época e o da pequena-burguesia francesa do período revolucionário é que o capitalismo do século XXI é um “híbrido marxista”? Como qualquer pessoa razoavelmente sensata sabe, é mais fácil associar Robespierre e Babeuf ao comunismo do que George Soros ou Jeff Bezos.
Vamos ainda mais longe, também pode haver comunismos dotados da marca de várias eras. Como diz o evoliano Maurizio Lattanzio, editor da revista Avanguardia e líder do Circolo Culturale Avanguardia, no texto Il Comunismo Aristocratico:
“Em nenhum caso se deve confundir a organização comunista da esfera econômica com o socialismo marxista, cujas proposições podem, por sua vez, se desenvolver inclusive no marco de uma sociedade que não seja integralmente ou estruturalmente comunista.
Habitualmente, o termo ‘comunismo’ faz referência a ideologias que afirmam concepções fundadas sobre a estatização do ciclo produção-consumo; a terra, os meios de produção são propriedades do Estado e posse do povo que os utiliza segundo objetivos fixados pelas autoridades centrais, mediante o uso instrumental da planificação das necessidades e dos benefícios.
Hoje, o termo comunismo está associado automaticamente à ideologia marxista como sua consequência necessária sob o aspecto socioeconômico. Há uma espécie de reflexo condicionado que induz a considerar o regime comunista da propriedade e do direito como monopólio exclusivo do marxismo. Semelhante reflexo resulta sem dúvida alguma estimulado pela incontestável relevância assumida pela ideologia marxista, que, ademais, aplicou de fato este esquema social e econômico no transcurso de seu desenvolvimento histórico-político durante o século XX. Mas isto não deve nos levar a erro: é bom saber que elaborações teóricas e aplicações práticas de caráter comunista remontam a épocas muito anteriores ao nascimento do socialismo marxista.
À margem do regime comunista vigente na Esparta dórica, há que recordar especialmente o ‘comunismo platônico’ teorizado precisamente por Platão na ‘República’.
Na ‘República’ de Platão, o regime comunista é ademais um privilégio que corresponde – em harmonia com sua função suprema – aos guardiões (fylakes), quer dizer, aos dois primeiros estamentos formados pelos sábios e pelos guerreiros, com estrita exclusão dos artesãos e dos camponeses”. [28]
Sim, Platão era comunista, tal como os espartanos. Vamos colocar aqui as coisas nas suas devidas proporções. Quando falamos de Platão vis-à-vis Evola estamos falando em uma das maiores fontes primárias do pensamento tradicional frente a um dos maiores comentadores e atualizadores do pensamento tradicional na modernidade.
Nesse sentido, os discípulos de Evola que revisaram o evolianismo no sentido de conceber a possibilidade de formas tradicionais e não-modernas de comunismo apelando a Platão sabem o que estão fazendo. Recomendamos a leitura completa do texto de Lattanzio para um maior aprofundamento neste tema. Ele ainda nos faz o favor de trazer uma interessante citação do Barão, tirada de Gli Uomini e le Rovine:
“A verdadeira antítese não é, pois, aquela entre capitalismo e marxismo, senão a existente entre um sistema no qual a economia é soberana, para além da forma que esta revista, e um sistema no qual fica subordinada a fatores extraeconômicos dentro de uma ordem muito mais vasta e completa, capaz de conferir à vida humana um sentido profundo e de permitir o desenvolvimento de possibilidades mais elevadas que ela”. [29]
Julius Evola, na prática, não dá a mínima para a forma revestida pela economia, se importando é com o papel ocupado pela economia e pelos interesses econômicos na totalidade civilizacional. Para Evola, o econômico deve estar subordinado e é isso que importa. A compreensão disso é fundamental para nós, evolianos. A crítica de Evola aos “ideais sociais”, aos “socialismos”, às concepções de “Estado do Trabalho” não se dão porque Evola era simpático ao regime capitalista, acharia natural e tradicional a atual ditadura financeira mundial e defenderia o aprofundamento das desigualdades sociais.
As suas críticas são feitas porque esses slogans supracitados, em suas formas comuns, quando mobilizadas por representantes da casta dos servos, apelam ao menor denominador comum, ao ressentimento, a noções amorfas e maternais de povo. Existe uma galáxia de distância entre defender a reorganização radical da economia por esses motivos ou então, a contrario sensu, motivado pela reestruturação cósmica da harmonia social pautada no conceito helênico e tradicional de Justiça, de colocar cada um em seu lugar e dar a cada um o que lhe cabe.
É ainda relevante recordar o interessante estudo de Claudio Mutti, notório evoliano, Maoismo e Tradizione, publicado nos Quaderni del Veltro de 1973, sobre as continuidades entre o taoísmo e a tradição imperial chinesa e o maoísmo. [30]
O pastor Daniel, então, apela ao texto El Quinto Estado ya está entre nosotros, de Julián Ramírez.[31] Mais uma falsificação, mas uma mentira verdadeiramente cretina ou a mais profunda incompetência em interpretação de texto que já vimos. Ele afirma que Ramírez, cujas credenciais evolianas desconhecemos, “deixa qualquer ambiguidade de lado e resolve dizer com todas as letras que o Quarto Estado é ‘O COMUNISMO’”
Na verdade não. Vamos ao trecho em que o autor se refere ao Quarto Estado:
“Continua a regressão das castas e a Revolução Russa – 1917 – nos traz a insurgência da casta dos proletários – ou daqueles que governam em seu nome – quer dizer, do Quarto Estado em substituição ao Terceiro.
Se acelera o culto do material e do econômico junto com a massificação dos seres humanos reduzidos à categoria de insetos de uma colmeia ou formigueiro. É a rebelião das massas, nas palavras de Ortega y Gasset.
A queda do Muro de Berlim e a Desintegração da URSS assinalam o começo da queda do Quarto Estado”.
Muito claro, não? O Quarto Estado é o governo dos proletários ou daqueles que governam em seu nome. Precisamos dizer que o proletariado não foi inventado pelo comunismo, nem que existiu proletariado em todos os países não-comunistas ao longo dos séculos XIX e XX? Precisamos dizer que todos os governos ocidentais, capitalistas e democráticos passaram a governar em nome do trabalhador a partir do século XX e da inauguração do Quarto Estado pela Revolução Russa?
A referência a Ortega y Gasset é ainda mais conveniente para nós. Não sabemos qual é o nível de erudição do pastor Daniel, nos parece ser bastante baixo, mas La Rebelion de las Masas de Ortega y Gasset não é sobre o comunismo, mas sobre a massificação da política testemunhada pelo autor a partir do final do século XIX, mas especialmente a partir do século XX. [32] Fenômeno presente nos regimes fascistas, comunistas e liberais.
O texto de Ramírez é ainda interessante pelo que o autor diz depois. Ao falar sobre o Quinto Estado, cuja existência é relativizada pelo pastor Daniel, o autor elabora sobre a estratificação vigente nesse período, em que uma lumpemburguesia governa um lumpemproletariado.
Citando o sociólogo russo Boris Kagarlitsky, que discorria sobre a natureza da oligarquia capitalista da Rússia de Iéltsin, vemos no texto que a “nova burguesia (é) uma espécie de lumpemburguesia que nasceu parasitando o Estado […] não está disposta a investir em nada […] não estão dispostos a pagar impostos […] começou expropriando os trabalhadores”. [33]
Em um trecho mais adiante, no qual Ramírez cita Kagarlitsky, fica bem claro que a ordem estabelecida na Rússia após a queda da URSS, nos moldes do Quinto Estado, era capitalista. Ao contrário do que o pastor Daniel diz, em momento algum Ramírez afirma que o Quinto Estado é um híbrido liberal-marxista.
Nenhuma menção ao texto de Garayalde é necessária porque eu já demonstrei que o pastor Daniel possui uma grande dificuldade em compreender o sentido do verbo inaugurar.
III
É curioso que o pastor Daniel chame a terceira parte de sua tréplica de “Erro Lógico” quando ele já começa cometendo a falácia do espantalho. Depois de recortar um trecho de Evola que nós postamos em nossa réplica, ele se lança contra um interlocutor imaginário que estaria usando este trecho para contradizer a doutrina do retrocesso das castas de Evola.
O trecho é o seguinte, tirado do ensaio Orientamenti:
“O caráter distintivo do americanismo é que o ataque contra a personalidade e a qualidade não se realiza por meio da bruta coerção de uma ditadura marxista e de um pensamento de Estado, mas é quase espontaneamente, nos termos de uma civilização que não conhece ideais mais altos do que a riqueza, o consumo, a renda, a produção desenfreada, então, por uma exasperação e uma redução ao absurdo do que a própria Europa escolheu, – que as mesmas motivações têm tomado uma forma ou a estão tomando. Mas primitivismo e mecanicismo e brutalidade estão tanto de um quanto do outro lado. De uma certa forma, o americanismo, para nós, é mais perigoso do que o comunismo: por ser uma espécie de Cavalo de Troia. Quando o ataque contra os valores-resíduos da tradição europeia se efetua na forma direta e nua, própria à ideologia bolchevique e ao stalinismo, algumas reações ainda se levantam, certas linhas de resistência, ainda que tênues, podem ser mantidas. De forma diferente estão as coisas quando o mesmo mal age de maneira mais sutil e as transformações acontecem insensivelmente no plano do costume e da visão geral da vida, como é o caso do americanismo. Sofrendo levemente a influência desse sinal da democracia, a Europa já se predispõe para a última abdicação, tanto que poderá até mesmo acontecer que não haja necessidade de uma catástrofe militar, mas que, por via “progressiva”, se chegue, após uma última crise social, mais ou menos ao mesmo ponto. Novamente: na metade da estrada não se para. O americanismo, querendo ou não, trabalha para o seu inimigo aparente, para o coletivismo”. [34]
Não há nenhuma surpresa aqui, porque em páginas anteriores já demonstramos como o liberalismo e o capitalismo, especialmente em sua manifestação americana, levam ao coletivismo massificado sem passar pelo comunismo. Mas vejamos como o pastor Daniel interpreta a questão do diálogo delirante entre ele e um interlocutor desconhecido que afirma que o status mais negativo do americanismo frente ao bolchevismo nega a doutrina da regressão das castas, derrubando os sete pontos da sua argumentação.
Primeiro ponto: Como nós já demonstramos largamente em nossa réplica, o americanismo não é sinônimo de Terceiro Estado. O pastor Daniel ainda não conseguiu superar a dificuldade de confundir as terminologias evolianas e tomar todas elas como sinônimos umas das outras.
O americanismo apareceu junto ao Terceiro Estado, empreendeu uma descida ao Quarto Estado, e foi a vanguarda do alvorecer do Quinto Estado.
Segundo ponto: Aqui nada do que o pastor Daniel diz faz sentido. Nenhum país é qualquer dos Estados no sentido da narrativa do retrocesso das castas. Os Estados descritos por Evola não são Estados no sentido político. O termo é utilizado para simbolizar uma era marcada pela predominância espiritual e axiológica de uma determinada casta. Nesse sentido, é óbvio que os Estados Unidos não são o Terceiro Estado, tal como a URSS não é o Quarto Estado.
Talvez esta seja mais uma evidência de deficiência na erudição de nosso interlocutor, mas Evola está utilizando o termo Estado a partir do uso que é feito do termo na hierarquia estamental do Ancien Régime. Os estados aí não são estruturas políticas soberanas, mas estamentos, ou seja, ordens de hierarquia social típicas do Medievo, que Evola toma emprestado para construir uma ponte analógica com o sistema das castas da Índia. Talvez o problema linguístico aqui tenha escapado à atenção de um personagem pouco atento às sutilezas da linguagem e da tradução como nosso interlocutor, mas o termo usado nas traduções anglófonas de Evola é “Estate” e não “State”, enquanto nas traduções germanófonas é “Stand” e não “Staat”. [35]
Ficamos curiosos com aonde poderia ir o pensamento desorganizado do pastor Daniel? Ele gostaria, portanto, de insinuar que é a França a representante paradigmática do Terceiro Estado? Será que ele não percebe que isso não faz o menor sentido?
Terceiro ponto: Muito trivialmente aqui podemos apontar alguns erros bastante claros. O americanismo não é exemplo do Terceiro Estado e em nenhum momento das obras de Evola ele é apontado como tal. No mais, quando Evola afirma que o americanismo trabalha para o coletivismo, ele nada está insinuando sobre qualquer tipo de influência socialista sobre os EUA.
O trecho que postamos acima, bem como vários outros que postamos ao longo desta quadrúplica e em nossa réplica já exauriram esta questão. O americanismo representa um ímpeto que leva ao mesmo resultado final ao qual se previa que o bolchevismo levaria, sem recorrer ao comunismo.
Desnecessário apontar mais uma vez, já que já o fizemos inúmeras neste texto, para a confusão do pastor Daniel entre americanismo e Terceiro Estado. Mas logo em seguida nos deparamos com formulações interessantes.
Depois de repetir as minhas perguntas retóricas sobre o fundo metapolítico dos EUA, o pastor Daniel tenta fazer uma relativização da crítica que Evola faz aos EUA na compilação Civiltà Americana. As críticas de Evola aparecem como uma condenação total, brutal, impiedosa que chegam ao ponto de Evola afirmar que o americanismo é pior que o bolchevismo (desaparece o comedimento do “em certo sentido”, de décadas anteriores), com o único problema verdadeiro do bolchevismo frente ao americanismo sendo o aspecto repressivo da ditadura do proletariado, que evidentemente poderia recair sobre um personagem inconformista como Evola. Ao contrário do que o pastor Daniel quer dar a entender, passa a ser o bolchevismo a ter apenas “algumas coisas” piores que o americanismo. [36]
Como nós já demonstramos largamente, as teorias políticas, as ideologias, os sistemas econômicos, as formas de governo, podem aparecer nas várias eras do processo de regressão das castas. É por isso que, tal como nós afirmamos em nossa réplica, e é ignorado pelo pastor Daniel, o liberalismo do século XXI não é o mesmo liberalismo do início do século XX, que não é o mesmo liberalismo do início do século XIX.
As ideias se desdobram da potência ao ato, falando aristotelicamente. Só que como Dugin demonstrou em A Quarta Teoria Política, a história demonstrou em ato que aquilo que o liberalismo possuía em potência desde suas origens era mais moderno do que aquilo que o comunismo possuía em suas origens. [37]
Desde uma perspectiva tradicional isso se explica muito tranquilamente pelo fato já provado por Dugin e apresentado por nós em nossa réplica, de que a burguesia ocidental não era o equivalente perfeito dos vaixás, tendo sido formado em boa parte a partir de elementos sem casta. [38]
Os malabarismos e relativizações que o pastor Daniel empreende aqui possuem um propósito claro ligado ao seu comprometimento político-ideológico. Ele quer isolar a natureza pária do americanismo, separá-la do liberalismo e do capitalismo, para poder deixar aberta uma via de escape para um “liberalismo menos ruim”. Não é novidade, vejam, que o pastor Daniel apoiou a eleição de Jair Bolsonaro. É por isso que ele coloca palavras na boca do Barão. Quando o Barão diz que o americanismo trabalha para o coletivismo, o pastor Daniel acrescenta “socialismos” junto ao americanismo onde eles não existem.
E é por isso que, em seguida, o pastor Daniel acredita ter chegado ao clímax de seus delírios semianalfabetos. Como, exclusivamente no universo do pastor Daniel, existe uma barreira intransponível entre individualismo e coletivismo, como em uma frase recortada pelo pastor dos mais de 30 livros e mais de 200 artigos de Evola o Barão diz que “a essência do liberalismo é o individualismo”, como os Estados Unidos são liberais, como na mente do pastor Daniel coletivismo é sinônimo de socialismo, se os Estados Unidos chegaram a um coletivismo, “por lógica”, só pode ser culpa de uma infiltração marxista.
Parece brincadeira, mas ele seriamente faz esses malabarismos. Ainda bem que nós já demonstramos a conexão entre individualismo e coletivismo, de modo que a argumentação do pastor Daniel desaba como um castelo de cartas.
A importância do momento aqui fica clara no uso exagerado de caps lock pelo interlocutor. Ele se encontrava verdadeiramente histérico, mentalmente desequilibrado nesse momento do texto, ao ponto de acreditar, em mais um recorte fraudulento, que só existe proletariado no comunismo, de modo que toda vez que Evola fala em proletariado está automaticamente falando em comunismo.
Mais perto do início do texto, comentamos sobre a peculiaridade que havia no fato do pastor Daniel selecionar o argentino Marcos Ghio como seu exemplo e paradigma de para conhecer um “verdadeiro” pensamento de Evola. O pastor Daniel também não tem muita saída, já que Ghio é um dos poucos estudiosos de Evola a que o pastor Daniel possui acesso, pela maior facilidade que ele teria em ler em espanhol do que em italiano. Comentamos que falaríamos mais sobre Marcos Ghio para mostrar o profundo problema que é utilizá-lo como fonte sobre o evolianismo.
Já podemos dizer de partida que Marcos Ghio é um apoiador da Al-Qaeda e do Estado Islâmico, e que ele afirma categoricamente, contra todos os outros evolianos no planeta inteiro, encontrar subsídios no pensamento de Evola para esse posicionamento. Com isso não queremos fazer qualquer acusação ou difamação, mas apontar para um fato público e notório, que podemos encontrar nas publicações do Centro Evoliano de America, capitaneado por Ghio, como na edição 78 do periódico Fortín, por exemplo [39], onde Alain de Benoist é criticado por apoiar a intervenção russa na Síria, e Ghio exalta as vitórias e avanços do Estado Islâmico.
Em 2017 ele se envolveu em uma polêmica com o filósofo espanhol, de orientação nacionalista, Jaume Farrerons. Farrerons reproduziu em sua resposta a Ghio um trecho da edição 77 do periódico Fortín, em que Ghio diz o seguinte:
“Foi justamente a atual era, o século XXI, na qual também vive F., mas que em seu fanatismo não pode ver nada, que nos mostrou que aplicando técnicas evolianas como cavalgar o tigre é possível, sim, que uma ordem tradicional derrote uma moderna acudindo também a meios precários e irrelevantes. Isso tivemos primeiramente com as famosas jornadas do 11S onde se demonstrou que com uma pequena organização e 19 mártires era possível destruir os principais emblemas da modernidade. E hoje em dia duas pequenas (em suas origens) organizações como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico e antes deles o movimento Taliban, estão conseguindo derrotar a modernidade, mesmo estando esta coligada em várias nações poderosas, utilizando contra ela a tecnologia sofisticada inventada pelo inimigo”[40].
Não vamos transformar esta quadrúplica em um texto dedicado a demonstrar o caráter antitradicional do salafismo e do wahabismo, ou as conexões sionistas e globalistas do Estado Islâmico. Podemos nos contentar, por exemplo, com o texto L’Islamismo contro L’Islam?, de Claudio Mutti, para sepultar a questão. [41]
Essa é, óbvio, apenas uma das opiniões incongruentes e afins ao globalismo que Ghio pretende justificar através de Evola. Ghio também é apoiador do Maidan ucraniano, fenômeno claro de Quinto Estado, com seus skinheads com suásticas tatuadas no rosto, oligarcas judeus financiando batalhões paramilitares neonazistas e conexões com salafistas chechenos.
Nós, afinal, conhecemos Marcos Ghio pessoalmente em 2011, em uma ocasião na qual ele fez uma apologia do caráter tradicional e evoliano de Osama bin Laden, e uma vez tendo perguntado a ele, à época, sobre que outros evolianos existiam, por exemplo, na Europa, ele nos respondeu que não existiam “evolianos legítimos” na Europa. Para Ghio, apenas ele e os seus seguidores filosalafistas no Centro Evoliano de America são evolianos.
Então o pastor Daniel terá que nos perdoar por simplesmente darmos pouco crédito às interpretações que Ghio faz da obra de Evola. Mas fica aqui a deixa para que o pastor Daniel se justifique sobre a “ortodoxia” de Ghio. Ele também está de acordo com a avaliação de Ghio de que o Estado Islâmico é um legítimo representante islâmico da Tradição? De resto, o texto até aqui já deu subsídios suficientes para mostrar que a interpretação de Ghio não possui sustentação na obra de Evola.
Quarto ponto: Aqui o pastor Daniel está finalmente concordando conosco, afinal ele não pode negar o que Evola escreveu, nem tergiversar sobre este ponto.
Quinto ponto: Infelizmente, logo em seguida, o pastor Daniel dá uma nova demonstração de burrice. Ele quer tentar conciliar coisas irreconciliáveis e que não possuem subsídios nem mesmo nas citações que ele pretende utilizar.
Para Evola, para Ghio, para Blondet, para os irmãos Lugli e para literalmente todos os outros evolianos e estudantes de Evola que falam em Quinto Estado[42], nós já estamos na era do Quinto Estado. A era do Quarto Estado acabou, mesmo que possa haver uns poucos remanescentes do Quarto Estado isolados ao redor do mundo.
Isso acontece porque as transições entre as eras começam regionalmente e se espalham globalmente. Assim, o caráter pária do americanismo era regional nos anos 60. Se tornou global com a queda da URSS, que significou o estabelecimento da Nova Ordem Mundial pelos EUA e a conquista do mundo pelo americanismo, o que é confirmado pela própria citação que o pastor Daniel usa do Marcos Ghio.
Ora, quais são as alternativas interpretativas que o pastor Daniel poderia oferecer? Que o mundo não vive sob o Quinto Estado nem sob o Quarto Estado? Que o comunismo causou a ascensão do Quinto Estado através de um suicídio? Através da estratosférica burrice e do evidente semianalfabetismo do pastor Daniel, mobilizados por um anticomunismo neurótico, tomamos ciência de uma teoria da conspiração digna de um Olavo de Carvalho: aparentemente, segundo o pastor Daniel, a URSS levou ao Quinto Estado cometendo suicídio. Quem venceu a Guerra Fria foi o Ocidente capitalista e liberal, mas tudo que acontece de ruim após o fim da Guerra Fria ainda é culpa do comunismo e possui natureza comunista (mas matizada por um hibridismo).
Sexto ponto: Sem novidades, o pastor Daniel nos traz um novo espantalho, ou talvez ele não entenda muito de lógica. Ou talvez ele não leu nossa réplica. Em momento algum de nosso texto nós questionamos a superioridade ontológica e metapolítica do Terceiro Estado sobre o Quarto Estado. O que fazemos é questionar o conteúdo, incompatível com a Tradição, que Evola atribui ao Terceiro Estado. [43] Problema que já abordamos, derivado da incapacidade, semelhante a um retardo mental, do pastor Daniel de distinguir entre Terceiro Estado, liberalismo, capitalismo e individualismo, por um lado, e Quarto Estado, socialismo, comunismo, coletivismo pelo outro.
Sétimo ponto: Em seu último ponto dessa parte, a argumentação do pastor Daniel assume níveis de surrealismo e psicodelia que nós nunca antes vimos.
O pastor Daniel se demonstra capaz de, ao mesmo tempo, utilizar em seu texto pelo menos dois autores que afirmam, categoricamente, que o Quarto Estado não é o estágio final no processo de retrocesso das castas, e afirmar que o Quarto Estado é o último estágio desse processo de retrocesso das castas.
Como?
Como nossa formação acadêmica é em Direito, e não em Psicologia, não fazemos a menor ideia do grau de dissonância cognitiva, ou mesmo de transtorno esquizoide, que uma pessoa deve ter para ser capaz desse duplipensar.
A justificativa do pastor Daniel é a seguinte: o Barão afirmou, em Il Cammino del Cinabro, que o estágio final era o advento da quarta casta. Então se o Barão falou isso àquela altura, está falado. Talvez o pastor Daniel também defenda que todos os escritos posteriores a este texto são apócrifos? Talvez ele defenda que Evola, na verdade, não morreu em 1974, mas muito antes, em 1962? O Evola que viveu entre 1963 e 1974 talvez fosse um clone, um impostor, um irmão gêmeo maligno, um alienígena? Para o pastor Daniel, o pensamento de Evola se encerrou em 1962 e fim.
Sendo este o caso, como o pastor Daniel justifica ter utilizado pelo menos dois autores, Marcos Ghio e Julián Ramírez, que afirmam o exato oposto, que o estágio final do processo de regressão das castas é o Quinto Estado? Impossível adivinhar.
Novamente, talvez influencie fortemente aí a mentalidade dogmática e limitada do pastor Daniel. Enquanto nós fazemos um esforço por harmonizar e contextualizar as várias posições diferentes e contraditórias assumidas por Evola ao longo de sua vida, o pastor Daniel vem a este debate para afirmar categoricamente posições completamente antagônicas, usando autores que discordam veementemente dele próprio, para defender posicionamentos completamente delirantes.
Incapaz de lidar com uma afirmação de 1962 de que o Quarto Estado é o estágio final no retrocesso das castas, e com outra de 1967 indicando o oposto, resta para o pastor Daniel relativizar o Quinto Estado. Assim, ele começa a fazer todo tipo de malabarismo semântico.
Ele fala em “refutar a si mesmo”, o que é muito revelador da mentalidade medíocre, pequena, ressentida e anti-intelectual do pastor Daniel. Para ele, um pensador mudar de posicionamento ao longo de sua vida não é crescer, fazer autocrítica, se atualizar, mas refutar a si mesmo. Patético. Vamos contar uma novidade ao pastor Daniel: você não precisa sustentar perpetuamente, ao longo de toda a sua vida, tudo que você alguma vez já afirmou.
Será que estamos chegando perto da essência da questão? Será que toda essa perda de tempo com um debate entre nós, evolianos, e ele, um falsificador de Evola, só aconteceu porque ele foi incapaz de voltar atrás em afirmações feitas tempos atrás e agora é orgulhoso demais para se corrigir? Novamente, não somos psicólogos, então não temos certeza.
Basta recordar o que eu comentei no início da quadruplica:
Pastor Daniel, para você refutar nossa réplica não adianta você trazer textos de Evola anteriores a Civiltà Americana. Você poderia fazer um texto de 500 páginas, cheios de citações de livros e artigos escritos entre 1932 e 1962. Não adiantaria de nada. Eu poderia te refutar com uma única frase: “Evola mudou de opinião”. E, novamente, o frágil castelo de cartas do pastor Daniel ruiria.
Não é a Bíblia. Não é Revelação. Não é texto sagrado. São textos de um comentarista e estudioso do pensamento tradicional. Ele pode mudar de posição e o fez diversas vezes. Será que esse tipo de realidade, comum para intelectuais, é completamente alienígena para um pastor?
O pastor Daniel faz todo um esforço em sua tese inicial e em sua tréplica para relativizar o Quinto Estado. Claramente, a tese do Quinto Estado representa um empecilho teórico para sua interpretação de Evola. Isso o coloca em uma armadilha cuja existência ele nem mesmo reconhece: se ele nega o Quinto Estado, a queda da URSS só pode significar que voltamos ao Terceiro Estado. Mas ele não toma esse caminho e, ao contrário, nos acusa de defender isso.
Nós já entendemos que essa é a única consequência lógica possível que se tem ao negar ou relativizar o Quinto Estado. Mas o pastor Daniel, como criança birrenta, se recusa a aceitar. E ainda possui a cara de pau de dizer que somos nós que cometemos erros lógicos.
O artifício, a saída final, que resta para o pastor Daniel é negar o Quinto Estado, preservando seu nome, mas não seu sentido. Como o pastor Daniel confunde “State” com “Estate”, ele nega que exista um governo dos párias. Faz malabarismos semânticos para dar a entender que, apesar de parecer que há governo, não é governo. Ele acha que isso é relevante porque não sabendo o que é estamento, acha que o sentido das eras é dado por governos.
Como a referência é aos sem casta, o pastor Daniel afirma o óbvio: não existe uma “nova casta”. Mas quem afirmou que haveria uma nova casta? Não sabemos. Os párias existem há eras incontáveis, mas não possuem dharma porque não surgiram de Purusha, o gigante primordial. Por isso não são uma varna, uma casta. Ter casta é ter dharma, não ter casta é não ter dharma.
Claramente, o pastor Daniel possui uma imensa dificuldade para lidar com a ideia de Quinto Estado. É algo que está muito acima das suas capacidades. Por isso resta o jogo de palavras: como os sem casta não constituem uma casta então o processo do retrocesso de castas acabou no Quarto Estado…mesmo com o Quarto Estado sendo suplantado pelo Quinto Estado.
Então como deveríamos nos referir à doutrina atualizada de Evola? “A doutrina da regressão das castas e a doutrina do Quinto Estado”? São duas doutrinas diferentes? O Quinto Estado, enquanto fenômeno, se manifesta fora do processo metafísico e metapolítico decadencial, regular, da regressão das castas? Esse é o questionamento fundamental aqui. Trata-se de algo que se desenrola à parte do processo da regressão das castas?
Evola e todos os outros autores que tanto eu como o pastor Daniel usamos em nosso debate diriam que não. O conceito do Quinto Estado é uma atualização feita tardiamente por Evola à doutrina da regressão das castas. Inicialmente, Evola acreditava que o processo terminava no Quarto Estado. Posteriormente, ele percebeu que o processo terminava no Quinto Estado.
Simples, não? Mas incrivelmente o pastor Daniel escreveu 20 páginas com inúmeras contradições, mentiras, falsificações, tergiversações e delírios, só porque ele se recusa a aceitar algo extremamente simples.
Vejam, o pastor Daniel toma uma frase nossa, “Se capitalismo é Terceiro Estado e comunismo é Quarto Estado, o final da Guerra Fria teria marcado um retorno do Quarto Estado ao Terceiro Estado”, dita no contexto de qual seria o posicionamento lógico diante da negação da existência de um Quinto Estado, e inventa significados completamente alienígenas e delirantes para nossa frase.
Não existe qualquer associação entre Quinto Estado e ressurgência das castas em nossa réplica. Onde ele a viu? Talvez um psicólogo possa nos explicar.
Conforme a tréplica do pastor Daniel vai se aproximando do fim, as matizes ideológicas liberais de seu pensamento, bem como sua aproximação intelectual com Olavo de Carvalho vão ficando mais claras. Segundo o pastor Daniel, o liberalismo não venceu o comunismo. Uma coisa é revisar o Holocausto ou o Holodomor. O pastor Daniel inaugurou o revisionismo do resultado da Guerra Fria.
Nos compadecemos, ainda, com o colega Eduard Alcántara pelo uso que o pastor Daniel faz de um trecho recortado de um livro seu. O Quinto Estado não é mais a hegemonia do Terceiro Estado ou do Quarto Estado, diz Alcántara. Isso é óbvio. O pastor Daniel só esqueceu que o Eduard Alcántara não mencionou o liberalismo nesse trecho.
Como já vimos, o pastor Daniel não consegue distinguir coisas evidentemente diferentes. Falar em burguesia não é falar em liberalismo. Hoje, de fato, a burguesia e o proletariado, enquanto classes, estão em decadência. Como comenta o filósofo italiano Diego Fusaro em sua obra Globalizzazione infelice. Undici tesi filosofiche sul farsi mondo del mercato[44], vivemos em uma era pós-burguesa e pós-proletária. Como Dugin descreveu magistralmente em A Quarta Teoria Política, o liberalismo passou por uma transmutação após a Guerra Fria tornando-se pós-liberalismo. Mas esse pós-liberalismo não é nada além da culminação pós-moderna do liberalismo. É a consequência natural do desenvolvimento do liberalismo até as suas últimas consequências. [45]
IV
Finalmente, o pastor Daniel acredita que dá seu golpe mestre quando diz que há outros autores que afirmam que, para Evola, o liberalismo e o capitalismo são, respectivamente, melhores que o comunismo e o socialismo.
Mas o problema apontado inicialmente em nosso texto permanece. Quanto a Aleksandr Dugin e Alain de Benoist, eles estão lidando, ao tratar do problema das castas em Evola, fundamentalmente com alguns dos textos mais famosos de Julius Evola, Rivolta contro il mondo moderno, Gli Uomini e le Rovine e Orientamenti, escritos dos anos 30 aos anos 50.
Nos estudos evolianos o tema do Quinto Estado ainda é extremamente restrito, e depende da exegese de artigos esparsos ou de compilações de pouca circulação. Dugin e Benoist se apoiaram em textos que, claramente, legitimam o juízo feito sobre a perspectiva de Evola, com Dugin corretamente apontando a incongruência entre essa perspectiva e o próprio pensamento tradicional. Mas as suas leituras feitas nos textos mencionados pelo pastor Daniel não esgotam o pensamento de Evola, como já foi demonstrado.
Nossa réplica e esta nossa quadrúplica demonstraram satisfatoriamente o desenvolvimento da perspectiva evoliana rumo ao conceito de Quinto Estado, extremamente importante e atual.
Ao longo do caminho do desenvolvimento do conceito de Quinto Estado, Evola chegou à conclusão de que o americanismo era pior do que o bolchevismo. E para chegar a este ponto, os Estados Unidos não precisaram passar por qualquer comunismo. Isso já ficou claro, e o pastor Daniel não conseguiu refutar.
Nesse sentido, não damos a menor importância ao fato de que Dugin e Benoist leem Evola como um autor mais anticomunista do que antiliberal. Essa leitura não é liberal porque, diferentemente do pastor Daniel, Dugin e Benoist não acham que essa avaliação da fase intermediária de Evola está correta.
Não obstante, Dugin claramente aponta que as diferenças entre as obras intermediárias e tardias de Evola apontam para possibilidade de dar desenvolvimentos interessantes ao evolianismo, como podemos ver no artigo Julius Evola e il Tradizionalismo Russo:
“Esta consideração mostra a justificação do elemento socialista (e, portanto, nacional-comunista) nas correntes da Revolução Conservadora – especialmente em Spengler, Sombart, van den Bruck, Jünger e até em Niekisch. É indubitável que com este ambiente alemão do pré-guerra Evola possuía ótimas relações intelectuais, coisa que, infelizmente, não o ajudou a matizar suas posições e a retificar os seus caminhos doutrinários e tradicionalistas. Esta contradição em Evola é notável se são confrontadas Orientamenti e Gli Uomini e le Rovine de um lado, e Cavalcare la Tigre do outro”. [46]
A contraposição entre Gli Uomini e le Rovine e Cavalcare la Tigre é importante, e inspirou o revolucionário evoliano Franco Freda a escrever o fenomenal clássico La Disintegrazione del Sistema. Ali, o evoliano Freda diz, entre outras coisas:
“Entre as orientações que seguem e as indicações precedentes, representativas daquilo que definimos como a realidade do Estado autêntico, manter uma coerência orgânica, ainda que paradoxal o fato de que queremos adotar uma ordem que é, assim, dita comunista e simultaneamente, apoiando o valor do Estado orgânico e a ordem hierárquica. É profundamente verdadeiro, ao contrário, que hierarquia não significa oligarquia; que o Estado orgânico não significa liberdade para a burguesia e exploração para o proletário; para aqueles que entendem corretamente, a ordem não é determinada pelo equilíbrio de consumo oferecido pelo sistema burguês. É acima de tudo verdadeiro que os dois últimos séculos de ditadura burguesa nos fizeram compreender o quanto o desejo por riqueza material, o impulso à hegemonia baseado na abundâncias de mercadorias, tem sido fatores de aberrações insuportáveis, situações alienadores, sofrimento degradante para os homens dos últimos séculos.
Previamente, nós declaramos que queremos propor orientações que servem para definir as estruturas do Estado em seus momentos ou objetivos: aquelas que objetivam harmonizar as relações econômicas entre os cidadãos e organizar a esfera de sua ‘socialização’ (jurídica, educacional, etc…). Ademais, o fato é que queremos considerar um objetivo que certamente não é o primeiro entre aqueles próprios do Estado, mas que se justifica apenas em termos instrumentais em relação aos fins dominantes […]. Ou melhor, é realmente necessário explicar que o fato de se assumir critérios comunistas no domínio dos bens materiais não significa adesão às condições do socialismo marxista?” [47]
Qual é a relevância dessa nossa citação? Bem, Freda não só foi o autor de uma resenha de Cavalcare la Tigre, escrita em 1963, e que segundo Gianfranco De Turris muito agradou Evola[48], como vejamos o que diz o evoliano francês Eric Houllefort sobre a obra de Freda:
“O primeiro e maior mérito desse texto é ter enunciado concretamente o princípio segundo o qual, tomando uma expressão do próprio Evola, ser ‘um tradicionalista integral’ hoje é a melhor maneira de ser radicalmente revolucionário. Com isso, Freda foi o primeiro a não se contentar com comentar sobre Evola, mas extrair da teoria evoliana da prática, a prática da teoria, ou, continuando a falar como Marx, a passar de uma crítica das armas às armas da crítica. […] Ao contrário, o tom de ‘A Desintegração’ é, da primeira à última linha, resolutamente ofensivo e é por isso que acreditamos poder dizer, sem ceder minimamente ao gosto pela originalidade, que ‘A Desintegração’ afirma uma dessas práticas – a prática política – da teoria exposta em Cavalcare la Tigre”. [49]
Cheque-mate.
A intuição de Dugin se vê refletida na obra realizada de Franco Freda, evoliano que propôs uma aplicação prática revolucionária do tradicionalismo evoliano.
Da tréplica do pastor Daniel sobram apenas escombros. Mas terminaremos de varrer para a lata de lixo aquilo que já destruímos.
O texto Evola e Nasser foi fatiado pelo pastor Daniel. Originalmente, Mutti escreveu o seguinte:
“Mas Evola […] havia estabelecido que o Ocidente capitalista era, certamente não ‘no sentido ideológico’, mas em um reconhecimento tático das circunstâncias contingentes, o ‘mal menor’. O inimigo principal, como é sabido, para ele era o comunismo, que, não obstante a evidência da situação configurada em Yalta, era visto por muitos, mesmo em boa fé, como um risco real”.
Por que o pastor Daniel omitiu o fato de que Claudio Mutti, um dos maiores especialistas vivos na obra de Julius Evola, afirmou que o juízo do Barão de que o Ocidente era um mal menor era um reconhecimento tático das circunstâncias contingentes? A desonestidade do pastor Daniel não conhece limites.
Se necessário poderíamos fazer uma digressão histórica. É necessário compreender que o fim da Segunda Guerra Mundial permitiu à URSS implementar o comunismo em toda a Europa Oriental. Que a Itália possuía o partido comunista mais forte do Ocidente, com votações maiores eleição após eleição. Que o comunismo na Itália já havia pegado em armas. Diante desse quadro, a postura de Evola em Orientamenti, no sentido de defender uma aliança tática com as forças ocidentais, é compreensível.
Em 1968, porém, as circunstâncias contingentes já eram diferentes, e por isso o posicionamento de Evola perante os EUA, que segundo Evola são o “extremo Ocidente”, também era diferente.
Mas a cada passo que nos aproximamos do final o pastor Daniel revela ainda mais as suas afiliações ideológicas. No mesmo parágrafo em que ele fatia e falsifica o texto de Mutti, ele afirma que identifica como seu principal inimigo o socialismo bolchevique da União Soviética, por estar relacionado à quarta casta.
Considerando que ele admitiu que o nazi-fascismo também estava relacionado à quarta casta, ele não explica por que é o socialismo bolchevique e não o nazi-fascismo o seu principal inimigo. Mas excetuando o delírio de identificar como inimigo algo que não existe mais há 30 anos, a revelação do pastor Daniel é perturbadora.
Ora, o mundo hoje se encontra sob o signo do Quinto Estado. O Quinto Estado, como provamos em nossa réplica e ao longo desta nossa quadrúplica, é o momento final do processo degenerativo da regressão das castas. O Quinto Estado é um fenômeno mundial, havendo, porém, alguns poucos lugares em que ainda subsistem manifestações do Quarto Estado.
Quando, diante da hegemonia do Quinto Estado, o pastor Daniel afirma que ele identifica como principal inimigo o Quarto Estado, ele denuncia a si mesmo como agente da subversão mundial, um satanista a nível metapolítico. Nós já sabíamos disso, pastor Daniel. Mas agora muitas outras pessoas saberão.
Finalmente, o pastor Daniel foge do problema da descrição correta das castas. Por que? Porque o pastor Daniel não é um tradicionalista e está engajado na subversão mundial. É por isso que o pastor Daniel inventa que revisar o pensamento de Evola à luz da Tradição é romper com Evola.
Pior do que isso, ele quer nos convencer de que se o Barão estivesse vivo ele negaria a afirmação de que o liberalismo venceu o comunismo dando fim à Guerra Fria. Pastor Daniel, você não é o Evola.
Como nós já demonstramos, em meados dos anos 60 Evola já considerava o Ocidente americanocêntrico como pior do que o bolchevismo. Quando ele visse a queda da URSS diante do Ocidente, e a implementação do capitalismo mais radical e selvagem na Rússia, além do colapso quase absoluto do comunismo em todo o planeta, ele veria que teve razão ao se tornar, no final de sua vida, mais anti-americano do que anticomunista.
Para o pastor Daniel a metodologia correta é, diante de afirmações contraditórias de um mesmo autor, uma proferida em um primeiro momento, e a outra proferida posteriormente, considerar que o que vale é a primeira afirmação. É a inversão do intelecto, algo compreensível em se tratando de um agente da subversão mundial.
O pastor Daniel diz que a crítica de Dugin e Mutti a Evola faz com que eles sejam pessoas que meramente respeitam a figura de Evola. Como eu já demonstrei, o status evoliano dos dois é público e notório. Mas esse engano é típico da mentalidade dogmática e bovina do pastor Daniel.
Para o pastor Daniel, o Evola dos anos 50 está certo, o do final dos anos 60 está errado. E Evola está certo inclusive na crítica do nacionalismo árabe, em prol da simpatia categoricamente equivocada de Evola em relação à Irmandade Muçulmana, organização heterodoxa, maçônica, moderna e criada pelo Império Britânico para destruir o Islã tradicional. Seria o pastor Daniel, também, um simpatizante do Estado Islâmico, tal como Marcos Ghio?
Incapaz de encerrar seu texto senão com uma mentira, tal como ele o iniciou, o pastor Daniel repete que nós afirmamos que o Quarto Estado foi derrotado pelo Terceiro Estado.
Conclusão
Com tudo isso, o pastor Daniel conseguiu se mostrar burro, desonesto, desprovido de caráter, histérico, dogmático e um apoiador declarado da subversão mundial. O pastor Daniel é um agente consciente e intencional do Quinto Estado, como ele próprio deixou claro nos últimos parágrafos de seu texto.
Isso ressalta a importância desse embate, no qual ele foi definitivamente destruído.
Não nos prestaremos a responder a qualquer tentativa de responder à nossa quadrúplica. Ao longo das quase 80 páginas somadas de nossa réplica e nossa quadrúplica nós oferecemos uma abundância exaustiva de fontes primárias e secundárias sobre o pensamento de Evola que demonstram a retidão de nossas interpretações.
Qualquer resposta a este nosso texto virá do orgulho ferido, e da necessidade de salvar seu engajamento ideológico, não de qualquer preocupação sincera pela verdade. Será uma nova torrente de mentiras, falsificações, tergiversações e malabarismos incompetentes. Nós temos outras prioridades. Ademais, é perda de tempo debater com agentes conscientes da subversão mundial.
Nossa recomendação final é que o pastor Daniel faça um exame dos próprios pecados, começando pelo gravíssimo pecado do orgulho. Ainda que ele seja um herege a partir das perspectivas das manifestações tradicionais do Cristianismo, ele estando vivo ainda possui a oportunidade de se corrigir, se arrepender e se salvar.
Notas
[1] Machado, Raphael, Julius Evola e o Quinto Estado: Sobre as desinformações dos neoliberais pseudo-evolianos, disponível para leitura no site da Nova Resistência. https://novaresistencia.org/2019/12/05/raphael-machado-julius-evola-e-o-quinto-estado-contra-as-desinformacoes-dos-pseudo-evolianos-neoliberais/
[2] Ver a postagem do dia 3 de dezembro na página “Accale” no Facebook.
[4] Eurasia, Rivista di Studi Geopolitici, Vol. LIV, La Russia e l’Europa.
[5] Dugin, Aleksandr, René Guénon: Tradicionalismo como Linguagem. Originalmente em https://arcto.ru/article/113. Traduzido por nós em https://legio-victrix.blogspot.com/2016/10/aleksandr-dugin-rene-guenon.html
[6] Machado, Raphael, Julius Evola e o Quinto Estado: Sobre as desinformações dos neoliberais pseudo-evolianos.
[7] Idem.
[8] Spengler, Oswald, O Declínio do Ocidente. Recordando para quem não o saiba, Spengler associa os ciclos civilizacionais às quatro estações, de modo que toda civilização passa por períodos de primavera, verão, outono e inverno. Evola comentou criticamente que, apesar da narrativa de Spengler ser verdadeira no que concerne a multiplicidade de civilizações tomadas uma a uma, Spengler ignorava a possibilidade de agrupar as civilizações de forma mais fundamental entre civilizações tradicionais e civilizações modernas.
[9] Dugin, Aleksandr, Etnossociologia, obra disponível em russo no site 4pt.su e em inglês pela Editora Arktos. Dugin também aborda o tema, de passagem, no texto A Quarta Teoria Política e o Logos Italiano originalmente publicado em https://www.geopolitica.ru/en/article/fourth-political-theory-and-italian-logos e traduzido por nós em https://legio-victrix.blogspot.com/2019/03/aleksandr-dugin-quarta-teoria-politica.html
[10] De Turris, Gianfranco, Elogio e Difesa di Julius Evola, pg. 180.
[11] Marro, Giuseppe, Entrevista com o jornal Oltre La Linea. https://finanza.primeconsult.it/dugin-e-la-quarta-teoria-politica-raccontati-da-giuseppe-marro/
[12] Ibidem
[13] https://it.wikipedia.org/wiki/Gianfranco_de_Turris
[14] Fondazione Julius Evola, Prefácio in Dugin, Aleksandr, Astrazione e differenziazione in Julius Evola, disponível em https://www.fondazionejuliusevola.it/Contributi.htm
[15] Dugin, Aleksandr, Abstração e Diferenciação em Julius Evola, https://legio-victrix.blogspot.com/2019/11/aleksandr-dugin-abstracao-e.html
[16] Dugin, Aleksandr, A Quarta Teoria Política
[17] Evola, Julius, Rivolta contro il mondo moderno
[18] Idem
[19] Machado, Raphael, Julius Evola e o Quinto Estado: Sobre as desinformações dos neoliberais pseudo-evolianos
[20] Evola, Julius, Metafisica della Guerra
[21] Purusha Suktam, Rig Veda, 10.90.12
[22] Falasca-Zamponi, Simonetta, Lo spettacolo del fascismo
[23] Schumpeter, Joseph, Capitalism, Socialism and Democracy
[24] Evola, Julius, Rivolta contro il mondo moderno
[25] Ibidem
[26] Evola, Julius, Che cos’è il fascismo?, acessível em https://www.rigenerazionevola.it/che-cose-il-fascismo/
[27] Bueno, Francisco da Silveira, Minidicionário da Língua Portuguesa
[28] Lattanzio, Maurizio, Il Comunismo Aristocratico, traduzido ao português em https://legio-victrix.blogspot.com/2015/07/maurizio-lattanzio-o-comunismo.html
[29] Evola, Julius, Gli Uomini e le Rovine
[30] Mutti, Claudio, Maoismo e Tradizione, Quaderni del Veltro, 1973, traduzido ao português em https://legio-victrix.blogspot.com/2012/08/maoismo-e-tradicao.html
[31] Ramírez, Julián, El Quinto Estado ya está entre nosotros, disponível para consulta em https://www.juliusevola.com.ar/El_Fortin/22_19.htm
[32] Ortega y Gasset, José, La Rebelión de las Masas
[33] Ramírez, Julián, El Quinto Estado ya está entre nosotros
[34] Evola, Julius, Orientamenti
[35] Como se pode checar na tradução ao inglês da editora Inner Traditions, da obra Gli Uomini e le Rovine, de Evola e na tradução ao alemão da Hohenhrain-Verlag, da mesma obra.
[36] Evola, Julius, Civiltà Americana
[37] Dugin, Aleksandr, A Quarta Teoria Política
[38] Machado, Raphael, Julius Evola e o Quinto Estado: Sobre as desinformações dos neoliberais pseudo-evolianos
[39] Ghio, Marcos, Alain de Benoist apoya la intervencion rusa en Siria, disponível para leitura em https://centroevolianodeamerica.blogspot.com/2015/10/el-fortin-n-78.html
[40]Farrerons, Jaume, Respuesta a um tal Marcos Ghio, disponível para consulta em https://nacional-revolucionario.blogspot.com/2017/08/respuesta-un-tal-marcos-ghio-2.html
[41] Mutti, Claudio, L’Islamismo contro l’Islam?, traduzido ao português em https://legio-victrix.blogspot.com/2013/02/o-islamismo-contra-o-isla.html
[42] Machado, Raphael, Julius Evola e o Quinto Estado: Sobre as desinformações dos neoliberais pseudo-evolianos
[43] Ibidem
[44] Fusaro, Diego, Globalizzazione infelice. Undici tesi filosofiche sul farsi mondo del mercato
[45] Dugin, Aleksandr, A Quarta Teoria Política
[46] Dugin, Aleksandr, Julius Evola e il Tradizionalismo Russo, disponível para consulta em https://www.rigenerazionevola.it/julius-evola-e-il-tradizionalismo-russo/
[47] Freda, Giorgio, La Disintegrazione del Sistema
[48] De Turris, Cattivi maestri cattivi discepoli cattivi esegeti
[49] Houllefort, Eric, Prefácio à edição francesa de La Disintegrazione del Sistema