Fonte: Oswald Spengler’s Decline of the West: The 100th Anniversary Update
Tradução: Raphael Machado
Prefácio: Spengler não era um reacionário; na verdade, ele considerava que a reação era um mero espetáculo secundário em relação à ação ocidental. (1.X.1-2)
“Nós podemos falar hoje em transvalorar todos os nossos valores; nós podemos, como megalopolitanos, ‘retornar’ ao budismo ou ao paganismo ou a um catolicismo romântico; podemos defender enquanto anarquistas uma ética individualista, ou enquanto socialistas uma ética coletivista – mas apesar de tudo nós fazemos, queremos e sentimos o mesmo”. (1.X.1)… “O começo do moralismo é uma reivindicação de uma validade geral ou permanente. É uma necessidade da alma faustiana que seja assim. Aquele que pensa ou ensina ‘algo mais’ é um pecador, apóstata, um inimigo, e ele é combatido impiedosamente”. (1.X.2)
Sempre que você se declara a favor de um “-ismo”, você está simplesmente concordando com ser uma das vozes dentro da dialética ocidental que a impulsiona para a frente. Mas, você pode perguntar, e se eu não gostar dessa narrativa faustiana? Bem, Okawa Shumei falou sobre o Tao da seguinte maneira: “A ideologia é uma perspectiva tornada adequada para unificar todas as esferas da vida humana. A vida se move incessantemente, e não é capaz de prender a respiração”.
1920: As belas artes, enquanto tradição ocidental, deixaram de existir. (1.VII.10)
A estética ocidental, das “belas artes”, alcançou aquilo que ela objetivou expressar e não tem mais nada a realizar. A arte não será mais apta a ser caracterizada como algo bem definido, com características compartilhadas por todo o Ocidente, mas será algo fragmentado em escolas, indivíduos e mero design comercial. Empréstimos de fontes não-ocidentais se tornarão inevitáveis.
Previsão concretizada? Sim. Isso não era algo muito difícil de perceber já por volta de 1915-1920, honestamente. Spengler nomeia Wagner como o último artista tradicional identificável – não é uma escolha incontrovertida, ele admite, mas certamente é uma escolha pungente.
1920-2000: Inevitabilidade do progresso histórico posto em questão. (1.III.6)
O século XX pensará mais rigorosamente sobre a história e criticará a narrativa predominante ocidental de um “progresso histórico” darwiniano, que teria dado origem ao mito segundo o qual o homem marchou da Idade das Trevas ao Iluminismo e se livrou de suas superstições medievais por conta da ciência e da razão. As culturas de outras eras serão consideradas em seus próprios termos.
Previsão concretizada? Sim, entre os historiadores e as pessoas de alguma erudição. O progresso permanece uma ideia popular entre o público geral, mas a metodologia histórica se aprimorou em grande medida. Spengler pressagiou um século inteiro, não apenas em suas previsões literárias, mas em sua expertise historiográfica.
1940: Uma segunda Guerra Mundial. (2.XI.9)
Tal como a Conferência de Haia de 1907 estabeleceu as bases da Primeira Guerra Mundial, o Tratado Naval de Washington de 1921 tornou óbvio que outra Guerra Mundial era inevitável. A alternativa seria a extinção de diversas grandes potências, o que não seria uma escolha plausível naquele ponto da civilização ocidental.
Previsão concretizada? Sim. Lembremos que Spengler escreveu isso no início da República de Weimar. Quando os nazistas chegaram ao poder, Spengler escreveu para um amigo que o seu “Reich de Mil Anos” não duraria mais que 1946.
Século XX: Os exércitos conscritos serão substituídos por forças voluntárias, enviadas para destruir Estados menores. (2.XI.9)
O tamanho dos exércitos encolherá de milhões de homens conscritos para centenas de milhares de voluntários. Os comandos centrais nas grandes cidades enviarão estes exércitos voluntários ao redor do mundo. As taxas de mortalidade massivas nessas guerras distantes despertarão a simpatia de humanitaristas, mas não a reviravolta política que seria induzida por uma guerra ocorrida nos lugares em que os exércitos são sediados.
Previsão concretizada? Sim, infelizmente.
1990: A Rússia vai se livrar do manto do comunismo e ressuscitará um Cristianismo que o sustentará por muitos séculos. (2.VII.2)
O comunismo é uma ideologia ocidental e fundamentalmente não-russa. A burguesia russa alienada, buscando reconexão com o campesinato, impôs o comunismo à força na Rússia, mas a perfeição metafísica da Rússia não pode ser buscada em formas ocidentais, mas apenas no cristianismo ortodoxo articulado por Dostoievski (a obra “Os Demônios” é mencionada em específico). O comunismo, portanto, vai parar na lata de lixo da história e a Rússia renovará seus votos com uma religião à qual “os próximos mil anos pertencerão”.
Previsão concretizada? Sim. Não só Spengler previu o fim do comunismo em 1917, mas ele também foi capaz de explicar as razões pelas quais ele falharia e o que o substituiria, com uma linguagem nada ambígua; a marca do tipo de “psico-historiador” aprimorado com a qual Isaac Asimov só poderia imaginar nas mais vagas alusões.
2020: Todas as ciências remanescentes se tornarão extensões da compreensão do comportamento humano. (1.III.5, 1.XI.15)
Os intelectos do Ocidente tardio reconhecerão que a tentativa de sistematizar ou categorizar tudo é mais um reflexo dos paradigmas psicológicos e histórico-sociais que engendram a imaginação de tais sistemas do que algo que realmente existe “lá fora” na Natureza. Interpretar os sinais e símbolos de séculos passados é, na verdade, a “última filosofia faustiana” e a única possibilidade restante para a mente ocidental (1.IV.12). [Tangencialmente: “O Jogo das Contas de Vidro” de Hermann Hesse descreve uma sociedade pós-colapso na qual este tipo de interpretação se tornou a mais elevada e única forma de arte existente no mundo].
Previsão concretizada? Sim. Ao final da década de 60, o status “objetivo” do observador científico na sociologia e na antropologia já estava sujeito a algumas dúvidas. Na década de 80, as ciências sociais e a filosofia foram completamente devastadas pela obra de Jacques Derrida. Essas duas categorias de estudo jamais se recuperaram dessa revolução copernicana, e estão basicamente funcionando por inércia. Desde aproximadamente 2005, as humanidades também deram uma virada definitiva na direção do que Spengler chamou de análise “fisionômica”, e é possível assumir que as ciências exatas começarão a se virar para dentro de maneira similar nos próximos anos, especialmente após o fracasso da ITER e de outros projetos experimentais em larga escala.
Para aqueles que acham que Spengler é um ultraconservador, é interessante notar que ele está bastante interessado em promover (em 1.IV.12) o que basicamente consiste em um perspectivismo cultural.
Século XXI: Um “Estados Unidos da Europa” se tornará uma contraparte do Império Romano. (1.IV.9)
O erro de Napoleão foi sua visão monárquica; o verdadeiro espírito conquistador do Ocidente é o espírito inglês da democracia liberal, por meio do qual a Europa será capaz de se unificar em uma única unidade política e de obter o classicismo augusto de todas as culturas esgotadas.
Previsão concretizada? Talvez. A União Europeia é certamente uma união liberal-democrática do continente, mas não está claro que ela é realmente análoga ao Império Romano. A EU não foi fundada por um “César pragmático” como Spengler insinua, e sua estrutura parece difícil de comportar um único líder imperial. Talvez Spengler estivesse sonhando alto demais quando ele viu Cecil Rhodes como o modelo para seus Césares faustianos; os verdadeiros fundadores da EU estavam contentes com serem engenheiros políticos, aos quais não dedicamos nem estátuas, nem odes.
Séculos XX-XXI: O dinheiro se tornará cada vez mais desconectado, complexo e abstraído da realidade, antes de finalmente desaparecer em uma nuvem de insignificância. (2.IV.4, 2.XI,10, 2.XII.12, 2.XIII,3)
A transição de uma cultura nascente para uma civilização poderosa está associada com a descoberta do monopólio que o regime dominante tem sobre a cunhagem de moeda. Por volta do final do século XIX, o mundo anglossaxão já havia percebido que a criação de dinheiro era uma ferramenta poderosa demais para ser deixada nas mãos das pessoas comuns, e assumiu domínio total sobre o papel-moeda. O século XX inaugurou formas cada vez mais complexas de manipulação da moeda, que Spengler chama de “outras dimensões monetárias”, as comparando ironicamente às “geometrias não-euclidianas”. Será eventualmente reconhecido que as rédeas do poder monetário não podem ser confiadas a Estados com pouco juízo, mas devem ser mantidas seguras e centralizadas nas mãos de especialistas. A promessa de dinheiro irá, consequentemente, azedar aos olhos das pessoas comum. Parecerá um poder injusto, concentrado nas mãos de uns poucos para controlar as massas e fugir à justiça, e na era dos césares ela será esmagada e suplantada inteiramente pelo poder direto e concreto.
Previsão concretizada? Sim, mas isso não era bem uma previsão; Spengler simplesmente articulou um princípio geral baseado na observação dos “mercados monetários” de sua própria época. Ainda que ele previsse corretamente a ideia de hiperinflação, essa é uma tendência corretamente descrita que se tornou muito mais aparente em nossa própria época, ao ponto de que as massas estão começando a questionar a ideia moderna de dinheiro. Fica-se imaginando se Spengler foi capaz de ler as obras completas de Sima Qian; ele teria encontrado uma mente similar em profundidade de consciência sobre o dinheiro.
Século XXI: Todas as outras formas de divisão social serão eclipsadas pelo golfo imenso e cada vez maior entre o cosmopolitismo das megacidades e o “provincialismo”. (2.IV.4 e 5, 2.XI.5)
Não importará mais ser etnicamente russo, alemão, brasileiro ou nigeriano, religioso ou não-religioso, homem, mulher ou outro, ou mesmo sexualmente reprodutivo ou estéril. A única distinção real será entre os habitantes de umas poucas metrópoles globais “gigantescas”, e os habitantes do campo ou das cidades fora desses lugares, que serão provincianos e rústicos retrógrados. O cosmopolitismo assumirá e inverterá toda a superioridade social previamente atribuída à classe aristocrática. Os “direitos” se tornarão privilégios dessas novas elites. Mesmo aqueles urbanitas que ficarem cansados da pretensiosidade da megacidade se mostrarão incapazes de retornar às suas raízes, dado o ostracismo que isso envolveria.
Previsão concretizada? Sim. Isso já é bastante visível na América, onde viver em uma cidade conservadora é considerado tão ruim quanto viver em uma cidade pequena. Em uma geração isso provavelmente chegará na Europa também; a Rússia ainda é vista como “provinciana” em relação à Europa. A emergência dessa tendência foi muito precisamente descrita por Charles Murray em seu livro de 2010 “Coming Apart”, e a formação da cosmópole presente e futura foi documentada por David Brooks em “Bobos in Paradise”, um livro que Spengler teria adorado.
Século XXI: Megacidades sustentarão populações de 10-20 milhões de pessoas. (2.IV.5)
Spengler assume um tom profético incomumente concreto: “Eu vejo, muito após o ano 2000, cidades dispostas para dez a vinte milhões de habitantes, espalhadas por áreas imensas do campo, com prédios que farão os maiores prédios de hoje parecerem minúsculos e noções que tráfego e comunicação que nós consideraríamos fantásticas ao ponto da loucura”.
Previsão concretizada? Sim. A wikipedia lista as seguintes áreas metropolitanas com populações de mais de 10 milhões cada uma: Tóquio, Jacarta, Seul, Delhi, Xangai, Manila, Karachi, Nova Iorque, São Paulo, Cidade do México, Pequim, Cantão, Mumbai, Osaka-Quioto, Moscou, Cairo, Los Angeles, Calcutá, Bangkok, Daca, Buenos Aires, Teerã, Istambul, Shenzhen, Lagos, Rio de Janeiro, Paris e Nagoya. As maiores cidades da época de Spengler eram Londres e Nova Iorque com 7.5 milhões cada, mas Londres nem aparece na lista atualmente. A própria wikipedia é um exemplo de comunicação urbana que Spengler teria considerado fantástica.
Séculos XXI-XXII: A população da civilização desaba; a imigração serve como diluição. (2.IV.5)
Os cansados habitantes das megacidades consideram que a vida na civilização decadente tem pouca motivação, e não tem interesse em ter filhos. O casamento se torna uma questão de preferência. Governos instituem leis (precursores na década de 40 no norte da Europa, mais recentemente em 2010 no Japão) recompensando famílias por produzirem filhos, ou (por volta de 20 a.C. em Roma) penalizando aqueles que não os tem. Em 193 d.C. o Império Romano permitiu que qualquer um que encontrasse terra não cultivada em território romano que tomasse posse legal dela, pelo cultivo; isso deveria ser um sinal de que Roma já havia perdido toda coerência demográfica por essa época, ainda que uma farsa de continuidade política perdurasse por mais alguns séculos. Os conservadores se opõem à imigração, pois como Spengler aponta, “um povo só é realmente tal em relação a outros povos” (2.XI.1); mas a alternativa é o esgotamento.
Previsão concretizada? Sim. A escolha no Ocidente entre fronteiras abertas e desaparecimento já virou tema de debate entre analistas políticos. Nossa própria lei da terra inculta provavelmente será escrita por nossos netos, se os tivermos.
Meados do século XXI: A última atração à civilização ocidental não será a promessa de pão e circo, mas a promessa de empregos. (1.X.8, 1.IV.6)
A ditadura do proletariado virá e passará, mas em um sentido mais amplo, o socialismo está aqui para ficar – socialismo no sentido de uma convicção ética de que o destino é alcançado pelo esforço coletivo. Quando todos os sonhos ocidentais decepcionarem e os cidadãos não mais acreditarem em paz na terra e boa vontade entre os homens, a civilização ocidental continuará a atraí-los com a promessa do, e eu cito, “direito ao trabalho”. Ademais: “nas últimas terríveis fases da evolução ele culminará no dever do trabalho”. Este será o último problema político da era democrática: mesmo enquanto todos os outros sonhos naufragarem por falta de dinheiro, o sonho da recompensa existencial pelo trabalho continuará a apelar aos ocidentais. Arbeit macht frei.
Previsão concretizada? Sim. Um objetivo principal do “feminismo de segunda geração”, que não deveria ser visto como um movimento de rebelião, mas como parte integral do espírito ocidental, foi dar às mulheres o direito de trabalhar, e nos EUA nós já temos leis que permitem que as pessoas sejam empregadas sem ter que se unir a sindicatos. Um imperativo ético de trabalhar provavelmente ainda levará umas décadas, mas a crença de que trabalhar é a realização do que Deus lhe destinou já é algo dado no Ocidente.
Final do Século XXI: Conforme a população se torna uma massa informe movida pela pobreza, Césares assumem o controle prometendo emprego para todos, fazendo emergir uma era em que o poder bruto é superior ao dinheiro. (2.XI.10, 2.XII.12, Tabela III)
Os Césares virão quando a democracia tiver sido tão corroída pelo dinheiro que as pessoas não ansiarão por nada além da destruição do poder financeiro e da democracia. Eles hastearão a bandeira de tudo que é caro ao Ocidente, mas sua realidade é um reflexo de uma era espiritualmente vazia, e sua vitória marca o fim de todo interesse pela política. Tal como Alexandre o Grande (Rei da Ásia, 331-323 a.C.) esteve para César Augusto (Imperador de Roma 14 d.C., 330 anos depois), estará Napoleão (Imperador-Rei da França, 1805-1814) para esses homens. Após um século de sua liderança, a participação eleitoral no Ocidente será virtualmente zero. Bandos de rufiões e piratas apresentarão formas mais rigorosas e admiráveis do que as elites da megacidade.
Essa previsão é para um período ainda vindouro. Observe-se que Spengler não está prevendo os nazistas e suas obsessões raciais, mas sim falando de uma era em que uma população ocidental não mais tenha características étnicas ou definidoras de qualquer tipo, comparável à China na época da Dinastia Qin ou do Império Romano sob César (para detalhes sobre Roma, ver “A Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges).
Século XXII: A Segunda Religiosidade. (2.IX.6)
As realidades do sofrimento que toda a civilização ocidental havia tentado evitar retornarão com plena força, e os experimentos religiosos modistas das megacidades perderão sua capacidade de excitar. O Ocidente não mais babará por sobre as tradições orientais; essa “inspiração” não será mais desejável. Ao invés, o Ocidente se voltará inteiramente para dentro, na direção da Cristandade dos primórdios do Medievo ou de algo semelhante a isso. A tarefa de selecionar e preservar o conhecimento do Ocidente será assumido e contemplado por algo como comunidades monásticas; talvez elas estejam especialmente interessadas em livros de história?
Século XXIII: O maquinário estatal cesarista, uma relíquia de séculos antes quando o conceito de Estados nacionais vestfalianos fazia sentido, desmorona sob o peso de sua total irrelevância. (Tabela III)
Isso não é efetivamente discutido por Spengler, mas pode ser visto como um tema em sua linha temporal comparativa. O estado do mundo nesse século é fácil de imaginar. Quando o cesarismo se tornar indistinguível do banditismo, como foi o caso na Roma do século V, não fará sentido ter um “emprego” e “trabalhar” sem chance de recompensa, na medida em que um mundo selvagem e livre aguarda logo atrás das colinas que cercam os resquícios esgotados da megacidade. Tanto os franceses como os alemães se pensavam como povos livres para além do alcance do que restava do aparato estatal romano; a própria palavra França pode ser facilmente traçada à palavra “livre”.
Aproximadamente o Século XXIV: A cultura ocidental deixa de existir. (1.V.2)
Independentemente dos livros e da arte ocidental ainda estarem por aí, eles vão causar perplexidade em qualquer ser humano que ainda esteja vivo apenas “uns poucos séculos depois de hoje 1920].” As pessoas imaginarão por que desperdiçamos tanto tempo para criar tanta besteira. Eu vou arriscar que ele tem uma boa chance de acertar essa também.
Conclusão: Spengler recebe nota 10
Eu listei aqui cada uma das previsões que Spengler fez em seu Magnum opus de mais de mil páginas. Essa não foi uma seleção feita em retrospecto e com um olhar favorável, mas um compêndio honesto e completo. Eu convido o leitor a ler novamente a lista de previsões e resultados, e tentar me dizer com seriedade que Oswald Spengler foi algum tipo de “maluco”.
Desculpem, mas vocês estão completamente errados. Sou historiador, e fiz meu mestrado sobre Spengler, e sim, ele era um homem autoritário, proto-fascista. O socialismo de Spengler é aquele prussiano, autoritário, burocrático e hierárquico.
E?