‘Não é um movimento da esquerda, mas da classe trabalhadora e da classe média’, diz ativista francês

Os protestos na França têm sido gigantescos e, ao que tudo indica, não contam com uma direção central: é o povo nas ruas, contra a injustiça e a opressão. 

Os protestos na França têm sido gigantescos. Milhares de pessoas estão indo às ruas, mas sem qualquer liderança central aparente. Isso confunde e inquieta os analistas e intelectuais do Sistema, que não conseguem conceber a ideia do povo e das massas populares agindo por conta própria, sem a necessidade de intermediações.

Ao mesmo tempo, figuras como Marine Le Pen (“extrema-direita”) e Mélenchon (“extrema-esquerda”) apóiam o movimento, causando ainda mais confusão às mentes sistêmicas.

Para ajudar a esclarecer o que se passa na França, o Grupo de Trabalho de Relações Públicas da NR conversou com o ativista nacional-revolucionário Vincent Destrine, que atua com os movimentos Rébellion/OSRE e Action Française e está participando dos protestos in loco.

1 — A mídia brasileira tem basicamente ignorado os protestos que estão acontecendo na França. De modo geral, o que está se passado aí?

Um fenômeno semelhante ocorreu na grande mídia francesa durante as recentes eleições brasileiras: embora não tenham sido ignoradas, a maior parte do discurso simplesmente retratou Jair Bolsonaro quase que como um ditador fascista, obscurecendo o debate que os brasileiros estavam realmente travando. Por algumas semanas, as únicas imagens que vimos do Brasil foram de pessoas pobres (e de cor) e de ativistas LGBTQ contra os malignos supremacistas brancos disfarçados. Para a grande maioria da população, que não está bem informada sobre a política sul-americana (e nem sobre a política externa em geral, até mesmo a dos vizinhos diretos), sua vitória eleitoral foi impossível de se analisar. Os nacionalistas (e esquerdistas honestos) se concentraram em denunciar a economia deveras liberal de Bolsonaro (ao mesmo tempo em que degustaram o “choro” dos “justiceiros sociais”), mas mesmo eles admitem ignorar amplamente as realidades daí, e eu não sou exceção (ler a Nova Resistência, com a minha modesta compreensão do português, ajuda).

Agora, sobre os Coletes Amarelos: começou como um protesto contra os altos impostos sobre os combustíveis na França, mas se transformou em uma revolta contra o governo. Ao longo do mês, entre as postagens dos primeiros vídeos que mencionavam a ideia e o primeiro protesto, em 17 de novembro, a coisa cresceu e se transformou no que você vê agora, nas notícias. Todos os sábados, desde então, há protestos, de praticamente todas as aldeias francesas até as cidades maiores. Os pedágios, por exemplo, estão bloqueados em muitas rodovias: o que tem feito com que o tráfego fique bastante lento, já que só sobrou uma via (mas as pessoas não pagam o pedágio). As reações são em sua maioria positivas: poucos motoristas reclamam e muitos apóiam o movimento.

Nas cidades, as manifestações se tornaram muito violentas e não é verdade que se trata apenas da extrema-esquerda e da extrema-direita lutando contra a polícia: há também manifestantes comuns.

Durante a semana, você ainda pode ver pessoas com seus coletes amarelos bloqueando rotatórias em todo o país. A intensidade não está diminuindo. Se os principais sindicatos convocarem uma greve geral, quem sabe o que pode acontecer?

2 — Pode-se dizer que os protestos são “espontâneos” em algum sentido?

Parece que sim. Alguém teve a genial ideia de escolher o colete amarelo, com sua alta visibilidade, que todo dono de carro deve portar em seu veículo e que é frequentemente usado por pessoas que exercem profissões mais humildes nas ruas, como cantadores de lixo, mas também por ciclistas. Você pode imaginar até mesmo um político com um colete amarelo por cima do terno durante uma vista a cena de um acidente. Todo mundo pode ser um manifestante de colete amarelo. E mesmo que pessoas de esquerda tenham se juntado aos protestos, não é um movimento de esquerda. A maioria dos gilets jaunes nunca foi a uma manifestação, e algumas destas pessoas têm estado ativas todos os dias nos pedágios, na entrada de suas cidades, por três semanas consecutivas, às vezes apenas por uma hora, às vezes a tarde inteira.

É um movimento da classe trabalhadora e da classe média, majoritariamente formado por brancos. As pessoas hasteiam a bandeira francesa e cantam a Marselhesa. É a “França periférica” (la France périphérique) que escritores como Christophe Guilluy e Jean-Claude Michéa descreveram durante anos e que ainda é a maioria da população do país, apesar de todas as mudanças ocorridas nas últimas décadas.

3 — No Brasil, especificamente no ano de 2013, ocorreram as chamadas Jornadas de Junho. Tratou-se de um conjunto de protestos por todo o país, inicialmente contra o aumento das tarifas de ônibus. Hoje, sabe-se que forças liberais, reacionárias e globalista tomaram a direção dos protestos em algum momento. Qual é o risco de algo semelhante ocorrer aos protestos dos Gilets Jaunes?

O aumento do preço dos combustíveis é entendido pela maioria como um pretexto. É basicamente a população francesa acordando depois de 30 ou 40 anos — se dando conta de que estamos fodidos e de que nossa elite nos despreza. É difícil para o governo controlar o movimento porque um de seus princípios fundadores é o de não haver porta-voz. Não há um Comitê Central dos gilets jaunes. Grupos locais podem até ter, entre os seus, pessoas que os representam na mídia, mas toda vez que a mídia tenta criar um líder, suas tentativas são ignoradas pelos manifestantes. O movimento também é extremamente cético no que tange aos jornalistas e muitas vezes agressivo em relação a eles. E sem a mídia como um intermediário, Macron e a elite não podem usá-la. O que eles certamente tentam fazer é transformar tudo em uma briga de rua entre grupos da extrema-direita e da extrema-esquerda — é digno de nota, porém, que, com exceção dos antifas (mas o que você pode esperar desses cabeças de estrume?), ativistas de ambos os lados parecem ter concordado em não lutar entre si e se concentrar no inimigo primário: monarquistas, anarquistas, identitaristas, comunistas, todos fazem parte da grande onda que está tomando conta das ruas e ninguém parece estar disposto a monopolizar isso.

Os equivalentes locais do Black Lives Matter (os Indigènes de la République) estão atuando em bairros do gueto e bandidos estão chegando para combater a polícia. Até agora, eles só aumentaram a bagunça, mas a grande maioria da população conhece bem a dinâmica criminal (apesar de ou por causa dos anos de doutrinação…) para ser enganada. Eles sabem quem são os verdadeiros gilets jaunes. E eles são todo mundo: o movimento, até hoje, tem um índice de aprovação acima de 70%. Mesmo que o governo revogue o imposto sobre os combustíveis, mesmo que Macron renuncie e tenhamos novas eleições, as pessoas comuns, castradas há décadas, agora sabem que podem abalar o país. Por mais estranho que pareça, uma vez mais, sabemos que somos um povo.

As coisas certamente vão se acalmar na época do Natal, mas podem recomeçar em fevereiro com o aniversário das agitações de 6 de Fevereiro de 1934, quando o povo gritou o slogan que a Action Française usa atualmente: À bas les voleurs (Abaixo os ladrões!). A primavera, portanto, terá sua quota usual de manifestações de trabalhadores e estudantes, mas em uma França pós-gilet jaunes.

Durante anos, vi revoluções coloridas em outros países e pensei: “Nossa, como as pessoas não podem ver a mão da CIA/Casa Branca/CFR/George Soros/Mossad/etc… por trás de tudo isso?!“. E agora me deparo com o que parece ser uma verdadeira revolução em meu próprio país, onde, por razões históricas óbvias, as pessoas falam sobre tudo isso como se fosse uma farsa, com essa estranha (e sejamos honestos, feia) cor estampada. E tudo o que posso pensar é: “Quem está se beneficiando disso?”. Até agora, parece que somos nós, mas tudo o que posso dizer com certeza é que a França não esteve em tamanho estado de caos desde 1968, senão desde a Segunda Guerra Mundial.

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