Dugin na China: “O Ocidente é intolerante na promoção da tolerância”

No espírito da criação de consensos em torno dos ideais multipolares, o filósofo Aleksandr Dugin esteve na China para se encontrar com líderes políticos e pensadores chineses.

O professor Aleksandr Dugin, no espírito da criação de consensos em torno dos ideais multipolares, esteve na China no final de junho para se encontrar com líderes políticos e pensadores chineses. Na ocasião, deu uma entrevista exclusiva à China Global Television Network (CGTN), que você pode conferir traduzida abaixo. O professor Dugin abordou o conceito de Terceiro Totalitarismo, a ideia da pluralidade das civilizações e as contradições geopolítico-metafísicas envolvendo Rússia e EUA.

CGTN: A 18ª Organização para a Cooperação de Xangai foi realizada com sucesso na China. E como o conhecido filósofo e analista político russo Aleksandr Dugin tem observado, tal organização, no eixo do Oriente, pode ser vista como um “contraponto continental ao Poder do Mar”.

Considero que, antes de tudo, a Organização para a Cooperação de Xangai deve ser um contraponto, um contrapeso continental ao Poder do Mar. Deve representar um modelo para uma concepção multipolar de mundo, que deverá levar em conta as diferenças entre nós e eles, entre Oriente e Ocidente, entre a ordem mundial euro-asiática e a ordem mundial ocidental.

Eles insistem em sua própria dominação hegemônica unilateral e na prevalência de seu sistema de valores: individualismo, capitalismo, demo-liberalismo (que é caracterizado por eles como sendo a Democracia em si).

Dialoguei com Francis Fukuyama sobre o que a Democracia significa, hoje, para nós e para os chineses, e presumo que ela seja o paradigma aceito pela maioria. No entanto, para o Ocidente, ela representa o poder e o governo das minorias dirigido contra a maioria, porque – segundo eles – a maioria pode vir a se tornar totalitária: o que é uma compreensão completamente peculiar do que é a Democracia. E é a partir dela que eles insistem em impor sua concepção sobre que é o ser humano, o que são os direitos humanos, o que representa o liberalismo, o que é o homem e qual deve ser o modelo de sociedade e o sistema político normativo.

Portanto, no espírito da Organização para Corporação de Xangai, a China pode escolher o seu próprio sistema político, seu próprio sistema econômico, cultural, religioso ou secular. A Rússia pode escolher o outro, o Paquistão e a Índia, idem, e assim por diante. E ninguém deve se perguntar sobre qual deles é o normativo, o universal: toda civilização, toda grande cultura tem seu próprio entendimento do que é universal – e todas elas podem disputar pacificamente, devendo cada qual definir sua identidade naturalmente, num determinado contexto histórico, ficando livre promovê-la de maneira pacífica no exterior. Deve haver um diálogo livre, sem qualquer dominação normativa, sem imposições.

O Ocidente, por outro lado, é agressivo. São intolerantes na promoção da tolerância e totalitários na promoção do antitotalitarismo. Se transformaram no exato oposto do estabelecido pelos valores que dizem defender. É isso que tenho chamado de Terceiro Totalitarismo.

Penso que a Organização para a Corporação de Xangai deve ser um entrave e uma alternativa a um tal sistema totalitário, se colocando na vanguarda da defesa da tolerância real, orgânica, e do equilíbrio real, rumo à liberdade, à justiça e à igualdade.

CGTN: EUA e Rússia concordaram em realizar uma cúpula entre os líderes dos dois países em Helsinque, no dia 16 de julho, com a expectativa em torno de uma restauração das relações, que Putin admitiu não estarem em seu “melhor momento” atualmente. Por que as tensões continuam a crescer entre Rússia e Ocidente, como mostra a Cúpula do G-7? Esses conflitos podem ser resolvidos? Aleksandr Dugin, filósofo e analista político russo, conhecido como o “cérebro” de Putin, compartilhou suas ideias com a CGTN a respeito do assunto.

Sobre as tensões entre a Rússia e o Ocidente, creio que partem de uma espécie de lógica geopolítica.

A geopolítica se fundamenta no dualismo, na ideia de que existem duas grandes potências globais: o poder marítimo e o poder terrestre. E a história das relações entre a Rússia e o Ocidente, no passado, no presente e no futuro, se inscreve sobre tal lógica de confrontação entre o Poder do Mar e o Poder da Terra.

Trata-se, portanto, de uma espécie de guerra fria que é uma guerra eterna. E na medida em que a Rússia vai se fortalecendo, se tornando mais forte, há uma proporcional escalada nesse confronto. Por outro lado, quando a Rússia se encontra fraca, o Ocidente, o poder marítimo, a potência ocidental sai vitoriosa, de modo que a Rússia não se configura como um perigo. Mas quando estamos mais fortes – e esse é o caso da Rússia contemporânea de Putin –, o poder marítimo considera isso uma espécie de desafio e inicia o contragolpe.

Hoje já não há impérios, nem ideologias, porque a Rússia é uma democracia do mesmo modo que os países ocidentais. Mas o ódio contra a Rússia não mudou: as ideologias mudam, mas o ódio permanece.

Essa é a justificação geopolítica. Quando Putin chegou ao poder para impedir o colapso da Rússia e da Federação Russa, a Rússia começou a emergir mais uma vez como uma potência independente e soberana, não apenas na Eurásia, como também no Oriente Médio e em escala global.

Quando o Mundo russo encontra-se em perigo, não podemos ficar de mãos atadas, assim como não ficamos quando evitamos que o genocídio da Ossétia e da Abecásia se processasse na Geórgia – porque mesmo não sendo russos, ossetianos e abecasianos se consideram parte do Mundo russo. Isso não significa necessariamente que eles devam viver dentro do Estado russo. Mundo russo não é a mesma coisa que Estado russo, são coisas distintas.

Sobre o crescimento de nossa influência, de nosso poder, usaremos não apenas em nome de nossos meros interesses egoístas, mas também para criar uma ordem mundial justa.

Fonte: Fort Russ News e CGTN.

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